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Desafios para a expansão do cacau no Pará

Valor Econômico, Agronegócios, p. B18
23 de Set de 2013

Desafios para a expansão do cacau no Pará

Por Carine Ferreira
De Medicilândia e Altamira (PA)

Às margens da rodovia Transamazônica, onde trafegar pelos trechos sem asfalto que se sucedem é sempre uma aventura, desponta o maior polo produtor de cacau no Pará. A cerca de 1.000 quilômetros a oeste de Belém, ou a duas horas de carro a partir do município de Altamira, a região, conhecida como Transamazônica Xingu, é encarada por produtores e indústrias quase como uma redenção, tendo em vista os problemas que afetam a cultura na Bahia. Dali sai 70% da colheita paraense - que, por sua vez, já representa mais de 30% do total nacional. E a tendência é que a expansão continue.
Os números escondem, porém, uma miríade de problemas que ainda têm de ser enfrentados para que a região aproveite as condições naturais favoráveis ao cultivo da commodity e possa ser plenamente beneficiada pela boa demanda e os atraentes preços atuais. Além dos entraves ambientais decorrentes do impacto de uma produção em maior escala, problemas trabalhistas e fundiários limitam o avanço das plantações, que também convivem com obstáculos relacionados à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.
O desenvolvimento da cacauicultura na Transamazônica Xingu teve início entre as décadas de 1970 e 1980, quando agricultores de todo o país foram atraídos pela terra-roxa da região. Era uma época em que as famílias assentadas recebiam apoio do governo para explorar a terra, e desmatar era uma obrigação. Poucos conheciam o cacau e era um caminho praticamente sem volta, mas as opções de que encarou a "saga" certamente não eram melhores.
O catarinense Darcirio Vronski chegou em 1976 à Medicilândia, hoje o maior município produtor de cacau da Transamazônica Xingu - e do país. Um ano depois levou a família, e em 1978 fez o primeiro plantio. Hoje ele produz em 30 hectares, com uma produtividade média de 1 quilo por pé. Sua colheita gira em torno de 28 a 30 toneladas por ano. Como quase todos os produtores de cacau do Pará, Vronski vive em um assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em sua roça, trabalham a família e dois meeiros, além de mão de obra temporária durante a colheita.
Se não tem espaço para expandir significativamente a área de plantio, Vronski tem avançado em qualidade. Sua produção hoje é orgânica e a cooperativa que preside - a Cooperativa de Produtos Orgânicos da Amazônia (Coopoam) - faz parte de um programa que conta com o apoio de ONGs e da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). (ver matéria abaixo). O custo desse tipo de cultivo é maior, mas no ano passado ele vendeu a colheita de cacau do tipo 1, para exportação, com prêmio de 100% sobre o valor do produto convencional.
Diante das dificuldades, Vronski pode ser considerado um caso de sucesso. Mas nem todos que se arriscaram no Pará tiveram a mesma sorte, e os inúmeros obstáculos existentes limitam o desenvolvimento da cacauicultura no Estado. Não por coincidência, diz Paulo Henrique Fernandes dos Santos, coordenador regional da Ceplac da Transamazônica, a demanda pelas sementes distribuídas pela comissão caiu 40% este ano. De acordo com ele, ações como as realizadas pelo Ministério do Trabalho, por exemplo, ainda preocupam os agricultores na região.
Uma das queixas é que o Ministério do Trabalho vêm colocando na ilegalidade contratos de meação feitos nos moldes do que vigoram na Bahia, ainda o maior Estado produtor de cacau do país. Normalmente, esses contratos preveem a divisão da produção, em partes iguais, entre os agricultores e os meeiros. Conforme José Ribamar Miranda da Cruz, chefe da Inspeção do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Pará, esses contratos são reconhecidos, mas outros trabalhadores contratados durante a colheita não estão sendo considerados "objeto" de contrato - daí o problema. Mas este ano não houve nenhuma ação da superintendência em áreas produtoras de cacau, apenas de equipes volantes do ministério.
Segundo o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do ministério, Alexandre Lyra, em 2013 foram realizadas três ações na região de Medicilândia. Em uma delas, foram lavrados 20 autos de infração, com contrato de meação descaraterizado e condições impróprias para os trabalhadores encontrados na fazenda. "Hoje é inviável contratar", afirma Jay Wallace da Silva e Mota, superintendente da Ceplac no Pará. A diária de um trabalhador custa cerca de R$ 50. As discussões sobre o tema prosseguem.
Na frente ambiental, o desmatamento ilegal não é o único problema. Produtores têm dificuldades em obter autorização mesmo para o desmate de 20% de suas áreas de produção, conforme autoriza o Código Florestal para o bioma amazônico. Para preparar uma área para o cacau, muitas vezes é preciso fazer um "raleamento" (quando um pouco da vegetação de grande porte é arrancada) para abrir espaço a bananeiras, por exemplo, que são capazes de gerar um sombreamento provisório para a amêndoa. Depois entram as "essências florestais", como mogno, ipê e copaíba, que fornecerão o sombreamento definitivo.
Apesar do cultivo em sistema agroflorestal, para uma área ser classificada como de "compensação ambiental" são necessárias, no mínimo, cinco variedades diferentes de essências florestais, diz Alino Zavarise Bis, agente de atividade agropecuária da Ceplac. Segundo Jay Wallace, mesmo que o cacauicultor tenha plantado o mogno, depois ele não pode ser cortado, por ser nativo do Pará.
Apesar das dificuldades - e desde que não seja ilegal, evidentemente -, a produção em sistema agroflorestal é capaz de melhorar a qualidade do solo, já que revolve a matéria orgânica que fertiliza a terra. Um lote de 100 hectares de cacau pode alcançar R$ 1 milhão na região. A renda bruta da cacauicultura em Medicilândia chega a R$ 5 mil por hectare, considerando um rendimento médio de mil quilos por hectare. Em uma propriedade de 15 hectares (tamanho médio na região), portanto, a renda chega a R$ 75 mil anuais.
Se há problemas ambientais e trabalhistas, no âmbito fundiário o cenário não é menos complexo. Conforme Santos, da Ceplac, há produtores assentados pelo Incra há 40 anos que não têm o protocolo da instituição. E, conforme Jay Wallace, o fato de 90% das terras paraenses serem federais e de o Estado não ter ingerência sobre assentamentos do Incra inibe investimentos de empresários.
Para Santos, em virtude das dificuldades existentes a meta do governo do Estado em duplicar a área de cacau para 220 mil hectares em 2019 está comprometida. O plano foi lançado em 2011, com a previsão de que a produção poderia chegar a 250 mil toneladas. A Secretaria de Agricultura do Pará projeta que a produção em 2014 vai superar 100 mil toneladas, ante as cerca de 90 mil previstas para 2013 e as 84 mil de 2012. Já as indústrias estimam que a safra é bem menor - 54 mil toneladas no ano passado.
Nesse contexto, a hidrelétrica de Belo Monte se tornou outro problema para a cacauicultura. Em boa medida, diz Zavarise Bis, pelos reflexos que a usina poderá ter na disponibilidade de mão de obra na região. Mas Jay Wallace afirma que a expansão está garantida, até porque 24 mil dos atuais 124 mil hectares plantados com cacau no Pará ainda não entraram em produção.
De acordo com a Norte Energia S. A, consórcio responsável pela usina de Belo Monte, 1.027 propriedades com cultivo de cacau estão nas áreas do reservatório, canteiros de obras e locais necessários para a estruturação do empreendimento. São pouco mais de 2 milhões de pés de cacau, em 2 mil hectares. O consórcio não informou o valor das indenizações que serão pagas aos produtores. De acordo com uma fonte, a indenização paga, que era de R$ 96 por pé de cacau, já diminuiu para R$ 46.
A jornalista viajou a convite da Harald

Harald investe para construir fábrica de chocolate na China

Por De Belém

A Harald, maior fabricante brasileira de cobertura de chocolate, terá unidade de produção na China no ano que vem. O investimento, da ordem de US$ 16 milhões, está sendo dividido em partes iguais com a Wilmar, empresa de agronegócios com base em Cingapura.
De pequeno porte, a nova fábrica está sendo erguida ao lado de uma unidade de óleos vegetais da Wilmar em Xangai. O início da produção está previsto para agosto de 2014, conforme Ernesto Ary Neugebauer, presidente da Harald.
Neugebauer afirma que as amêndoas de cacau para a produção de chocolates serão compradas na Indonésia e em países da África, enquanto o açúcar virá da Tailândia e da Austrália e o leite em pó, da Nova Zelândia.
Inicialmente, a produção deverá somar 8 mil toneladas de chocolate por ano, mas o volume poderá aumentar em um segundo momento. Na China, o consumo de chocolates é concentrado na população jovem, e a oferta ainda é tímida, mesmo entre grandes multinacionais que já atuam no país.
Os produtos que serão feitos pela Harald na unidade chinesa (barras de chocolate, chocolate em pó e chocolate a granel), a exemplo do que acontece no Brasil, serão direcionados ao segmento de "food service" - indústrias de alimentos, hotéis, padarias e confeitarias.
Além da burocracia para a abertura de uma unidade de produção em território chinês, a companhia brasileira enfrentará o desafio de atuar em um mercado onde o consumo per capita é estimado em apenas 100 gramas por habitante.
No Brasil, por exemplo, a média chega a 2,5 quilos, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab). "Mas ninguém quer ficar de fora da China", pondera Neugebauer.
A fábrica na China será a primeira unidade no exterior da Harald, cujas exportações representam 5% de seu faturamento - que deverá somar R$ 540 milhões em 2013, 15% mais que em 2012. Na mesma comparação, a produção total da empresa deverá aumentar 8%, para 72 mil toneladas.
A origem da Harald remonta ao fim do século XIX. Em 1891, o bisavô de Ernesto Ary Neugebauer abriu, no Rio Grande do Sul, a primeira fábrica de chocolates do país. Em 1981, a indústria Neugebauer foi vendida, e no ano seguinte começavam as atividades da Harald.
Há três anos, a companhia começou a trabalhar com chocolates especiais. Para isso, chegou a importar cacau, mas logo optou por matéria-prima nacional. Para garantir a qualidade necessária para um chocolate "gourmet", a Harald paga prêmios que variam de 50% a 100% sobre o valor de mercado da amêndoa comum.
O produto "gourmet", vendido com a nova marca Melken Unique, é feito com cacau de diferentes regiões da Bahia e do Pará. "Podemos e devemos fazer um bom chocolate brasileiro, temos condição de fazer um chocolate superpremium", afirma Neugebauer. Nesse caminho, a empresa também pretende elevar as compras de amêndoas com certificação de práticas sustentáveis. (CF)

Produção orgânica incentiva ganhos de qualidade e renda

Por De Altamira e Medicilândia

Apesar de a produção paraense de cacau ter crescido muito nos últimos anos, os problemas logísticos e a falta de unidades de processamento da amêndoa e industrialização de chocolate fazem com que o Estado tenha dificuldades de agregar valor ao produto. Entretanto, algumas iniciativas têm surgido para garantir maior qualidade, rentabilidade e sustentabilidade à cacauicultura, como o Programa de Produção Orgânica Transamazônica Xingu.
O programa começou a ser desenvolvido em 2005 e tem apoio e parceria da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), e da GIZ, organização do governo alemão que tem parcerias com o governo brasileiro. As primeiras cooperativas participantes do projeto começaram a ser registradas em 2007. Hoje são seis, conforme Jedielcio de Jesus Oliveira, coordenador geral do programa.
Essas cooperativas representam uma produção de cacau distribuída em um raio de 400 quilômetros em torno de Altamira, nas cidades de Medicilândia, Uruará, Brasil Novo, Vitória do Xingu, Anapu e Pacajá.
O intuito inicial do programa era melhorar a qualidade do cacau. Hoje, as seis cooperativas produzem cerca de 800 toneladas de cacau orgânico por ano, mas apenas 25% da produção é comercializada coletivamente ou diretamente por meio do programa. O restante é vendido pelos produtores para intermediários.
As seis cooperativas são certificadas pelo IMO Control Brasil (Instituto de Mercado Ecológico). Destas, duas têm também o selo Fair For Life, para o comércio justo. São 96 propriedades certificadas, com 105 sócios produtores, em 1.100 hectares. O tamanho das propriedades varia de três a 110 hectares.
Além de não usar insumos químicos na adubação e no controle de doenças, o cacau orgânico precisa passar por alguns procedimentos para atingir um determinado padrão de qualidade. Entre eles está a secagem natural, feita em barcaças ou estufas. Há ainda a fermentação, que ocorre de cinco a oito dias e é um dos principais procedimentos para garantir aromas ao produto.
Os esforços dos envolvidos no programa vêm trazendo resultados, como a exportação da amêndoa para uma empresa austríaca de chocolates, a Zotter, e a venda do produto para companhias como Natura e Indústria Brasileira do Cacau (IBC). Um novo contrato com a Harald está em negociação. Todo ano, as cooperativas exportam para a Zotter de um a dois contêineres (23,1 toneladas cada) do produto. Segundo Oliveira, o preço pago pela empresa às cooperativas chega a 3.520 de euros por tonelada (3,52 de euros o quilo), ante R$ 4 a R$ 5 o quilo da amêndoa tradicional.
Conforme Oliveira, a produção orgânica e de qualidade em cooperativas é um grande desafio. "Começamos do zero, sem crédito nem capital de giro". Nem todas as cooperativas têm estrutura física. Desde 2010, um centro de referência em Altamira gerencia e armazena o produto. O plano é até dezembro formar a Central das Cooperativas de Produção Orgânica da Transamazônica Xingu (Cepotx), e ampliar o número de sócios. (CF)

Valor Econômico, 23/09/2013, Agronegócios, p. B18

http://www.valor.com.br/agro/3279168/desafios-para-expansao-do-cacau-no…
http://www.valor.com.br/agro/3279172/harald-investe-para-construir-fabr…
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