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Demarcação divide opiniões no governo

Valor Econômico
Autor: Mauro Zanatta
25 de Ago de 2008

Demarcação divide opiniões no governo

Mauro Zanatta

Sob orientação expressa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os ministros envolvidos na polêmica homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, têm atuado de forma reservada para evitar confrontos públicos com a posição oficial defendida pelo governo neste caso que se arrasta desde 1919.

Em público, o Palácio do Planalto advoga a homologação da terra indígena em uma área contínua total de 1,67 milhão de hectares. Há, entretanto, correntes internas no governo que pressionam pelo reconhecimento fracionado da reserva, em ilhas, o que retiraria do registro oficial cerca de 600 mil hectares de plantações de arroz, estradas, vilas e a sede do município de Uiramutã, localizado no extremo da região Norte do país.

Produtores rurais, aliados a políticos, e uma parte das lideranças indígenas da região querem permanecer na área sob a alegação de direito adquirido sobre propriedade privada. Os militares e alguns ministros entendem que a reserva em área contínua seria uma potencial ameaça à soberania do território nacional. Parte dos militares teme, inclusive, a formação de uma "nação indígena" com aspirações separatistas.

Influente no processo de discussões internas, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, rejeita alterações no regime de homologação. "Temos uma dívida muito grande com os índios. Por isso sou favorável à demarcação contínua. Não quero que aconteça o mesmo que foi feito com astecas e maias, que foram dizimados", diz. Minc afirma que são "fracos" e "ruins" os argumentos em favor da demarcação em "ilhas". "O argumento da defesa nacional é ruim porque o Exército já faz a segurança por lá. E nenhum estrangeiro entrará para ser dono da Amazônia. Isso é puro interesse econômico", afirma. "Dizer que tem seis arrozeiros lá, também é um argumento fraco. Temos dinheiro e local para realocá-los".

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, tem afirmado que a demarcação em área contínua não é uma ameaça ao país, já que a reserva seria uma "zona de integração de brasileiros". Mas foi sob sua gestão, em 1997, que o Ministério da Justiça publicou o despacho que previa a exclusão de 300 mil hectares, vilas e estradas da nova terra indígena, lembra o coordenador da ONG Instituto Socioambiental (ISA), Marcio Santilli. "Este ato deixava aldeias fora da reserva e até cortava o sul da área indígena. Criava "ilhas de brancos" dentro da reserva. Por isso não foi à frente", diz.

O ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, tem admitido que a orientação do presidente é "calar" sobre a polêmica, mas questiona a política indigenista ao defender o "desenvolvimento" da região. "Ao reservarmos a terra aos indígenas, não lhes asseguramos oportunidades e instrumentos econômicos e educativos", afirma. "Não basta dar a terra. Eles não são crianças, são gente como nós. Querem ter uma vida plena e devem poder optar entre manter suas culturas e suas formas tradicionais de vida, ou assimilar-se à vida brasileira. Essa deve ser uma escolha deles, não nossa". Na avaliação de Santilli, do ISA, as diferentes acepções dentro do governo tentam influenciar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o regime jurídico da reserva.

Na semana passada, um grupo de produtores rurais de Mato Grosso e Rondônia tentou ampliar a discussão sobre a legitimidade da homologação da reserva ao promover uma "carreata" com 50 caminhonetes em direção à Roraima. A "Marcha a Roraima" quase resultou em um conflito com movimentos sociais e parte das lideranças indígenas, que fizeram barricadas ao longo da BR-174 para impedir a passagem dos produtores rurais. "Fomos dizer que a Amazônia é do Brasil", diz o presidente da Federação da Agricultura de Mato Grosso, Rui Prado.

A homologação em área contínua, determinada em 1998, é a última etapa de um processo iniciado com a identificação e delimitação do território declarado, demarcado, homologado e registrado. Última grande terra indígena da Amazônia a ser reconhecida, a reserva tem gerado desavenças entre União e o governo de Roraima desde 1998.

Valor Econômico, 25/08/2008

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