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Defesa contra a biopirataria

GM, Editorial, p. A3
19 de Mai de 2004

Defesa contra a biopirataria

Dono da maior biodiversidade do planeta, graças à floresta amazônica e outros ecossistemas - entre os quais o cerrado, o Pantanal Matogrossense e o remanescente da Mata Atlântica - o Brasil corre o risco de perder a corrida para resguardar esse imenso potencial de riqueza e para promover o seu uso sustentável. A insuficiência das pesquisas sobre as espécies vegetais e animais aqui existentes e a ausência de um arcabouço jurídico bem estruturado e unificado abrem as portas para a biopirataria, que já causa incalculáveis prejuízos ao País.

Empresas internacionais de biotecnologia, em especial laboratórios farmacêuticos, vêm registrando patentes de princípios ativos encontrados na flora brasileira, violando as normas da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da qual o Brasil é signatário. Essa Convenção, entre outros dispositivos, reconhece a soberania dos países sobre seus recursos naturais, o papel dos povos indígenas e das comunidades locais na sua preservação e o direito das mesmas à repartição equitativa dos benefícios da exploração da biodiversidade.

Um dos complicadores no âmbito internacional é que o Acordo Trips da Organização Mundial do Comércio (OMC) favorece a prática da biopirataria, segundo o diretor do Departamento do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Eduardo Veléz. Em recente entrevista à UnB Agência, Veléz disse que se uma empresa européia, por exemplo, quiser patentear a fórmula de um novo fármaco cujo princípio ativo se encontra numa planta da flora brasileira, obtida de forma ilícita, sem autorização do governo, poderá fazê-lo porque o Acordo Trips não exige qualquer comprovação de origem ou de legalidade do acesso ao patrimônio genético de outro país.

Além disso, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) prepara um novo sistema internacional de patentes, o Tratado sobre o Direito Substantivo de Patentes (SPLT, na sigla em inglês). Na avaliação feita à mesma UnB Agência por Michael Schmidlehner, presidente da Amazonlink, empresa que intemedia a comercialização de produtos naturais extraídos por habitantes da Amazônia, este tratado permitirá o registro de patentes com abrangência mundial e facilitará ainda mais o controle sobre os recursos biológicos por parte das empresas multinacionais.

O governo brasileiro, bem como outros países, toma iniciativas para alterar o acordo de patentes. A proposta brasileira con-diciona a concessão de patentes ao cumprimento de três exigências: informação do país de origem, comprovação de repartição de lucros e comprovação de consentimento prévio do país de origem. Mas não será fácil essa mudança porque os países industrializados se opõem a debater o tema da biopirataria e, no caso dos Estados Unidos, até mesmo à inclusão do termo biopirataria em acordos internacionais sobre recursos genéticos.

A legislação brasileira sobre biodiversidade sustenta-se na Medida Provisória (MP) 2.186-16, de 2001. Este dispositivo legal determina que o acesso aos recursos genéticos depende de autorização da União. A MP também criou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), órgão de caráter deliberativo e normativo. Uma das lacunas da MP é que este diploma legal, por sua característica, não estabelece sanções penais e, portanto, não pode tipificar como crime a exploração não autorizada do patrimônio genético. Outros três projetos de lei que tratam do tema estão parados no Congresso, à espera de apreciação e votação. Sua unificação poderá estabelecer um marco regulatório para o uso da biodiversidade.

Diversos produtos originários da biodiversidade amazônica já foram patenteados por empresas estrangeiras. A questão ganhou destaque com o cupuaçu, cuja marca e patente haviam sido depositados por empresas japonesas interessadas na exploração de derivados da fruta. A pronta reação do governo brasileiro reverteu o processo. Mas dezenas de outros produtos da fauna e da flora brasileiras já estão patenteados no exterior por laboratórios farmacêuticos transnacionais.

Estados Unidos, Japão, Inglaterra e França lideram a lista de países detentores de patentes de produtos da flora amazônica, de acordo com levantamento de pesquisadores brasileiros apresentado no I Congresso Internacional de Direito Amazônico, realizado no mês passado em Boa Vista.

Entre as propostas apresentadas nesse evento destacou-se a necessidade de revisão das patentes registradas por estrangeiros com produtos originários da Amazônia. A Carta de Direito Amazônico, então aprovada, propõe a implantação de sistemas pan-amazônicos de defesa sanitária animal e vegetal.

kicker: Ainda falta ao Brasil um arcabouço jurídico que permita resguardar o uso sustentável do seu inigualável patrimônio natural

GM, 19/05/2004, Editorial, p. A3

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