VOLTAR

Defensores das cobaias admitem testes em pessoas

OESP, Vida, p. A30
02 de Jul de 2006

Defensores das cobaias admitem testes em pessoas
Projeto vetado no Rio inspira deputado estadual de SP a tentar proibir animais em práticas experimentais

Herton Escobar

Mesmo depois de vetado pelo prefeito Cesar Maia, o projeto de lei carioca que tenta proibir pesquisas com animais continua a tirar o sono de pesquisadores no Rio. O projeto, apresentado pelo vereador e ator Cláudio Cavalcanti, continua em debate na Câmara e deverá voltar a plenário para nova votação. E as repercussões já começam a ser sentidas em São Paulo. Incentivado pelo projeto do colega carioca, o deputado estadual Palmiro Menucci apresentou um projeto quase idêntico no Legislativo paulista.

O objetivo é proibir o uso de animais em práticas experimentais, tanto para fins de pesquisa quanto educacionais. A justificativa seria proteger os bichos de qualquer tipo de sofrimento. Os protecionistas alegam que é possível substituir os experimentos com animais por outras práticas, como os testes com modelos in vitro e artificiais. E, mesmo nos casos em que isso não for possível, o uso dos animais ainda não seria justificável do ponto de vista ético.

Do ponto de vista dos cientistas, os projetos de lei ignoram uma necessidade básica da ciência e da medicina, além de apresentar uma visão completamente deturpada das práticas de laboratório. "Acham que a gente tem maquininha de moer camundongo", diz o pesquisador Aurélio Graça-Souza, chefe do Laboratório de Imunobiologia Vascular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que utiliza os pequenos roedores como modelos para o estudo de processos inflamatórios.

Os testes com animais são essenciais - de fato, obrigatórios - para o desenvolvimento de qualquer medicamento, terapia ou prática cirúrgica. "Não existe remédio que não tenha sido testado em animais, Nem aspirina", diz Graça-Souza. "Isso é regra básica de segurança. Nenhum teste clínico com seres humanos é aprovado, em lugar nenhum do mundo, sem testes pré-clínicos com animais."

"Se não testar em animais vai testar em quem? No homem?", indaga o coordenador do Centro de Experimentação Animal da Fiocruz, Carlos Alberto Muller. A aprovação do projeto de lei, segundo ele, engessaria completamente as pesquisas de doenças infecciosas na instituição, como leishmaniose, Chagas e febre amarela. Além disso, impossibilitaria o desenvolvimento e controle de qualidade de qualquer tipo de vacina - processos que passam, obrigatoriamente, por testes com animais.

Para que possam ser liberadas para a população, as vacinas (inclusive as importadas) são primeiro inoculadas em animais (geralmente camundongos ou porquinhos da Índia) para ter certeza de que funcionam e de que não causam reações adversas no organismo. Se aparece algum problema, o lote é reprovado. "O controle de qualidade de qualquer vacina aplicada no Brasil é feito na Fiocruz", ressalta Muller. "Eu jamais vacinaria meu filho sem isso."

COBAIAS HUMANAS

Ativistas contrários às pesquisas com animais defendem que os testes clínicos de novos medicamentos ou tratamentos sejam feitos diretamente em seres humanos. Mais especificamente, em pacientes voluntários. "Há tantas pessoas doentes precisando de ajuda", afirma Nina Rosa Jacob, fundadora do Instituto Nina Rosa, que faz campanha pelos direitos dos animais e pelo vegetarianismo. "Muitas delas certamente gostariam de ser cobaias, porque talvez seja sua única possibilidade de cura."

Nina acredita que os testes pré-clínicos hoje feitos com animais podem ser substituídos por modelos alternativos, como culturas de células in vitro e simulações por computador. Um dos pontos colocados pelos protecionistas é que os animais são diferentes do homem e, portanto, não servem como modelo de pesquisa clínica. "A verdadeira cobaia é o consumidor", diz Nina. "Não adianta testar um droga em um animal que é diferente fisiologicamente do homem."

"Em verdade, os grandes avanços médico-científicos não são oriundos da experimentação animal", diz o deputado Mennucci, na justificativa que acompanha seu projeto de lei. Ele não só rejeita os benefícios das pesquisas como diz que "a experimentação animal é diretamente responsável pelo aumento do câncer, doenças do coração, defeitos físicos, aids, etc."

Pesquisadores ouvidos pelo Estado consideraram absurda a idéia de usar seres humanos diretamente como cobaias. "Só conheço um lugar onde isso foi feito, na Alemanha nazista", afirma Graça-Souza.

Mennucci também diz que "em muitos países da Europa e Estados Unidos, os experimentos com animais, assim como seu uso didático, foi abolido" - o que não é verdade. "Não há nenhum lugar no mundo onde a experimentação animal tenha sido abolida", diz a farmacologista Miriam Ghiraldini Franco, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo ela, outros países têm regras mais rigorosas para o uso de animais, mas em nenhum deles a pesquisa é proibida.

"Negar os avanços da ciência obtidos pela pesquisa com animais é absolutamente hipócrita", diz a pesquisadora.

Câmara carioca pode derrubar veto à proibição

KARINE RODRIGUES

O projeto de lei municipal 325, do vereador Cláudio Cavalcanti (PFL), foi aprovado na Câmara dos Vereadores do Rio em abril, mas vetado integralmente pelo prefeito Cesar Maia. Ele considerou a lei inconstitucional, por contrariar a Lei Federal 6.638, de 1979, que autoriza e orienta a prática da vivissecção (operação de animais vivos para o estudo de fenômenos fisiológicos).

O projeto, porém, foi retomado pela Câmara, que poderá abrir votação para derrubar o veto do prefeito e promulgar a lei. O texto "proíbe a vivissecção assim como o uso de animais em prática experimentais que provoquem sofrimento físico ou psicológico".

Linguagem semelhante é utilizada no projeto de lei do deputado Palmiro Mennucci (PPS), de São Paulo. O texto chegou no mês passado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembléia.

Testes com animais são essenciais, dizem cientistas
Experimentos in vitro ajudam, mas não respondem todas as perguntas para pesquisa clínica

Apesar dos esforços para desenvolver modelos alternativos e reduzir a quantidade de animais usados em laboratório, pesquisadores consideram extremamente improvável - para não dizer impossível - que os modelos in vivo possam ser totalmente dispensados pela ciência.
Especialmente na biomedicina, para o estudo de doenças e o desenvolvimento de novas drogas e tratamentos. Por mais sofisticado que seja um experimento com células in vitro, os resultados sempre precisam ser confirmados em um modelo in vivo. "0 organismo é algo muito mais complexo do que uma placa de cultura", diz a biomédica Viviane Abreu Nunes, do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo. "Há uma série de condições e interações que não é possível mimetizar invitro."
A pesquisa de Viviane é um exemplo claro disso. Seu projeto consiste na tentativa de diferenciar células-tronco do sangue em células do músculo para o tratamento de distrofias musculares. A princípio, os experimentos in vitro foram pouco promissores, com praticamente nenhuma diferenciação. A partir do momento em que as células foram injetadas em camundongos distróficos e recuperadas, entretanto, a diferenciação aconteceu. "Os resultados in vitro e in vivo foram completamente diferentes", observa Viviane.
Da mesma forma, resultados positivos in vitro podem se mostrar negativos dentro do organismo. As células-tronco, particularmente, podem se transformar de maneira descontrolada, dando origem a tumores. Nesses casos, os experimentos com animais são imprescindíveis.
"A questão não deve ser sobre usar ou não usar animais, mas como usá-los", diz a pesquisadora Miriam Ghiraldini Franco, coordenadora de Ensino do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais e integrante do Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp.
Os cientistas não negam que haja sofrimento para os animais, mas garantem que há uma preocupação constante em minimizar esse sofrimento ao máximo. "Ninguém sacrifica um animal comprazer, pode ter certeza disso", afirma Miriam.
Na Unifesp, assim como na maioria das instituições científicas do País, todas as pesquisas com animais precisam ser avaliadas e obedecer a regras de conduta. "Ninguém coloca a mão num animal sem aprovação do Comitê de Ética% garante Miriam. Na esmagadora maioria dos casos, os animais usados são ratos e camundongos.

OESP, 02/07/2006, Vida, p. A30

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.