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Decisão do Supremo Tribunal Federal sobre demarcação de terras instiga protestos indígenas

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Autor: Karla Mendes
27 de Mai de 2019

Em 1o de janeiro, no primeiro dia de sua administração, Jair Bolsonaro emitiu uma medida provisória (MP 870) que tirou o poder sobre a tomada de decisões quanto às demarcações de reservas indígenas das mãos da FUNAI e passou para o Ministério da Agricultura.
A MP 870 foi logo questionada quanto a sua constitucionalidade pelo STF, mas em 24 de abril, o ministro do Supremo Roberto Barroso rejeitou tal questionamento, apesar de concordar que, caso o Ministério da Agricultura falhe no processo de demarcação de terras indígenas no futuro, possíveis medidas legais poderão ser tomadas.
Em seu acampamento anual em Brasília, de 24 a 26 de abril, aproximadamente 4.500 índios de todo o país protestaram contra a decisão sobre demarcação de Barroso, marchando rumo ao prédio do STF. Durante os três dias de acampamento, os grupos indígenas também protestaram contra o plano de Bolsonaro de permitir atividades de mineração e agronegócios dentro das reservas indígenas.
Algo em especial que preocupa os grupos indígenas é a ação da presidência rumo à adoção de uma política de assimilação, o que pode resultar no fim da autonomia indígena em reservas antigas e a absorção de culturas e tradições indígenas pela cultura predominante do Brasil.
Os grupos indígenas sofreram uma derrota no STF no mesmo dia em que milhares de índios se reuniram em Brasília para lutar por seus direitos, garantidos pela Constituição de 1988.

Em 24 de abril, o ministro do STF, Roberto Barroso, rejeitou uma liminar, acusando de inconstitucional uma medida provisória da administração Bolsonaro, que transferia a autoridade sobre demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura.

Quando Jair Bolsonaro tomou posse, em 1o de janeiro, uma de suas primeiras ações foi a emissão de uma medida provisória (MP 870) que destituiu a FUNAI de sua tarefa de demarcação de terras indígenas, e transferiu essa função para o Ministério da Agricultura.

A ação gerou a indignação de defensores de direitos humanos, que afirmam que essa mudança coloca as terras indígenas em risco, já que o Ministério da Agricultura é dominado pelos interesses dos ruralistas, que há tempos querem se apropriar das reservas indígenas. Apesar da Constituição de 1988 prever a demarcação de territórios indígenas, os governantes, desde aquela época, enrolam e não conseguem terminar essa tarefa, deixando muitos territórios indígenas ancestrais sem proteção.

A Medida Provisória 870 também colocou a FUNAI, que antes respondia ao Ministério da Justiça, sob a tutela do novo Ministério dos Direitos Humanos, da Família e das Mulheres, criado por Bolsonaro. Essa mudança também foi criticada por grupos defensores dos direitos humanos, já que o novo ministério, abrangente, é visto como politicamente fraco.

Um parecer técnico publicado pela Procuradoria Geral da República, em março, considerou a MP 870 como sendo inconstitucional devido ao possível conflito de interesses criado pelo fato de que agora é o Ministério da Agricultura que detém o poder de decisão sobre as demarcações. A PGR também defendeu que a FUNAI continue respondendo ao Ministério da Justiça.

Mas o ministro Roberto Barroso negou a medida liminar de inconstitucionalidade requerida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), argumentando falta de prova quanto "à existência de ameaça durante o curto espaço de tempo necessário para a aprovação ou rejeição da medida provisória". As MPs presidenciais precisam de aprovação do Congresso para virar lei em 60 dias, com uma possível prorrogação de mais 60, do contrário, elas se tornam nulas. A MP 870 ganhou uma prorrogação até 3 de junho, segundo decisão do Supremo.

O mais importante é que o ministro Roberto Barroso deixou uma brecha para uma futura ação legal, ao afirmar que uma eventual recusa do Ministério da Agricultura em se encarregar das demarcações poderia provocar uma ação do Supremo para garantir o cumprimento da Constituição.

O PSB não respondeu aos nossos pedidos por comentários sobre o assunto.

Embora Barroso tenha rejeitado a liminar, o mérito do processo promovido pelo PSB ainda deve ser analisado em plenária do Supremo, segundo o seu porta-voz.

A luta pelo direito à terra
A anulação da MP 870 foi um dos principais objetivos da reunião anual de 2019 de grupos indígenas em Brasília, chamado de Acampamento Terra Livre. Alguns dos 4.500 grupos indígenas compareceram ao evento deste ano, que aconteceu entre 24 a 26 de abril - o segundo maior encontro do tipo em 15 anos.

Durante os três dias de evento, grupos indígenas de todo o país acusaram o novo governo de boicotar seus direitos. "O governo Bolsonaro é uma tragédia", declarou Sônia Guajajara, líder da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que representa mais de 300 grupos, falantes de 274 línguas.

"O que está em disputa é a terra", afirma Sônia.

Desde sua posse, Bolsonaro tem anunciado planos para conceder territórios indígenas à mineração e ao agronegócio. Durante sua campanha, no ano passado, ele declarou que "nenhum centímetro de terra será demarcado para reservas indígenas ou quilombolas".

O governo também busca por alternativas para enfraquecer regulações e agências ambientais.

Na semana anterior ao acampamento indígena, o presidente de extrema-direita fez uma transmissão ao vivo pelo Facebook, transmitindo um encontro com supostos grupos indígenas, que encorajavam a mineração em suas terras, onde "há bilhões ou talvez trilhões de dólares".

"As grandes corporações é que mandam; elas não se importam com a vida das pessoas", contesta Sônia. "O que importa para a economia é o PIB, o valor das ações, sem consideração nenhuma sobre como as pessoas estão sendo dizimadas".

"Só queremos o direito de continuar a ser quem somos, de manter nossa diversidade. Não queremos a sociedade que Bolsonaro quer nos impor", afirma a ativista.O governo Bolsonaro apoia a assimilação, uma política indígena praticada durante a ditadura militar brasileira (de 1964 a 1985), que objetiva integrar, à força, culturas e tradições indígenas com à cultura dominante.

No acampamento deste ano, grupos indígenas também acusaram o governo de intimidá-los ao convocar a Força Nacional para "preservar a ordem pública" durante os dias de protesto, mesmo com o desenvolvimento pacífico da manifestação.

"A Força Nacional não vai nos deter. Chegamos a Brasília e aqui vamos ficar", afirma Sônia.

Entretanto, depois que o acampamento indígena se estabeleceu em Brasília, na terça-feira, negociações com forças de segurança fizeram com que seus assentamentos fossem realocados para um lugar distante do Congresso Nacional.

A administração de Bolsonaro não respondeu os pedidos de comentários sobre o assunto.

Na noite de 24 de abril, milhares de protestantes indígenas, carregando faixas com demandas por terra e direitos humanos, marcharam pacificamente pela principal avenida de Brasília, em direção à Praça dos Três Poderes, onde fica o Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

Eles iluminaram a praça com a palavra "Justiça" e fizeram vigília em frente ao STF.

"A mensagem que estamos transmitindo é que justiça significa o direito ao reconhecimento de nossa terra. Justiça significa que nossas terras não sejam invadidas. Significa que nossos líderes não sejam assassinados", declarou Marcos Xukuru, líder da tribo Xukuru. "Essa intervenção significa justiça. Isso é o que estamos fazendo: exigindo justiça".

Durante uma passeata em 26 de abril, um grupo indígena protestou em frente ao Ministério da Agricultura.

"Nunca aceitaremos que o Ministério da Agricultura seja responsável pelos processos de demarcação de terras e pelos nossos direitos ao território", vociferou o líder indígena David Karai Popygua, na entrada do Ministério.

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