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Darwin, agora em código de barras

O Globo, Ciência, p. 36
01 de Out de 2009

Darwin, agora em código de barras
Expedição brasileira pode estabelecer nova forma de classificação das espécies encontradas por naturalista

Renato Grandelle

A expedição de Charles Darwin mundo afora, quase 180 anos depois de iniciada, ainda desafia cientistas. Em quatro anos de viagem, o naturalista inglês catalogou cerca de 13 mil espécies.

Agora, o desafio é encontrar uma nova forma de organizar tantos seres vivos.

Uma embarcação brasileira topou o desafio. Construído na floresta amazônica, o veleiro Tocorimé vai reviver, a partir do ano que vem, os passos de Darwin pela América do Sul. O anúncio foi quase simultâneo a um novo balanço geral, encomendado pelo governo australiano e divulgado anteontem, dos seres existentes em todo o planeta. Cerca de 1,9 milhão de espécies já foram catalogados - 114 mil a mais em relação ao último levantamento, de três anos atrás.

Estima-se que existam cerca de 11 milhões de espécies na Terra.

Na conferência "Darwin e a aventura", realizada em Paraty na semana passada, cientistas cogitaram aproveitar a viagem para aplicar uma técnica inovadora de identificação dos seres vivos. O sistema, conhecido como código de barras genético, é ambicioso.

Sua proposta é criar um banco de dados unificado de todos os seres vivos já identificados. O catálogo é feito a partir de um segmento padronizado de DNA, codificador de um gene. O fragmento é suficiente para diferenciar até espécies muito parecidas. Cada uma receberia um código de barras, que facilitaria seu reconhecimento.

- Podemos catalogar centenas de espécies durante a viagem - empolgase Karen Jones, pesquisadora do Natural History Museum de Londres e diretora do Beagle Project, que pretende, daqui a seis anos, refazer todo o itinerário de Darwin. - Ainda vamos promover mais uma reunião para saber se usaremos o código de barras. É um sistema que pode facilitar o monitoramento dos seres que já conhecemos, inclusive os que já estão em extinção.

Embora a análise do DNA seja um recurso cada vez mais comum na comunidade científica, falta, ainda, definir como e onde depositá-lo, para que o acesso a esses dados seja universal. O código de barras genético torna-se ainda mais atraente em países como o Brasil, que sofrem com a carência de taxonomistas, especialistas no catálogo e registro de seres vivos. A área precisaria de pelo menos 500 profissionais para dar conta da demanda atual. Um levantamento de 2002 estima que o país tenha apenas 10% de suas espécies de fauna e flora identificadas.

O grupo coordenado por Karen terá de correr contra o tempo para decidir se usará o código de barras no Tocorimé.

O veleiro será levado a Fernando de Noronha em meados do ano que vem, de onde vai sair em direção às Ilhas Galápagos, no Equador. O Tocorimé receberá cientistas em cada um dos 15 portos por onde vai passar.

- Não há embarcações para que os oceanógrafos façam pesquisa de campo - lamenta Adriana Perusin, idealizadora da expedição. - Um dia em alto mar pode custar até R$ 14 mil. Por isso, resolvemos oferecer gratuitamente o veleiro para ajudá-los.

A empreitada do Tocorimé também conquistou a simpatia da Nasa, que, na semana passada, o fotografou na Costa Verde fluminense.

- São imagens feitas a 500 quilômetros de altura, que nos mostram que condições oceanográficas o veleiro vai enfrentar - explica Dan Garrison, cientista da agência espacial americana.

- Faremos estes registros sempre que pudermos nos próximos anos.

O Tocorimé pode encontrar animais e plantas que, embora comuns nos tempos de Darwin, estão agora sob ameaça. Esta seria a situação de 20,8% dos mamíferos, 12,2% das aves e 29,2% dos anfíbios conhecidos em todo o planeta. A conclusão é de um relatório do governo australiano.

- Esses números são fundamentais para desenvolver programas de conservação e atuar contra as ameaças representadas pelo aquecimento global, as espécies invasoras e a perda de habitat - declarou o ministro do Meio Ambiente australiano, Peter Garrett, durante a apresentação do relatório.

De acordo com Garrett, a estimativa de espécies existentes no planeta varia entre 3 e 100 milhões, mas o número divulgado em seu levantamento é, hoje, o mais aceito mundialmente

O Globo, 01/10/2009, Ciência, p. 36

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