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Cultura protegida

CB, Cidades, p. 26
08 de Ago de 2007

Cultura protegida

Guilherme Goulart
Da equipe do Correio

O índio crê no diálogo. Entende que a conversa e o debate são construtivos não só para a tomada de decisões. A linguagem é questão de sobrevivência. Mantém viva a identidade cultural de um povo que hoje não passa de 500 mil indivíduos em todo o país. E esse meio milhão de pessoas voltarão seus olhos para Brasília hoje e amanhã. Mais particularmente para o Memorial dos Povos Indígenas, onde, pela primeira vez, a administração ficará sob responsabilidade de um índio.

Mariano Marcos Terena, 52 anos, será o novo gerente do monumento erguido em 1987. O piloto de avião, nascido na aldeia Taunay, na região do Pantanal sul-matogrossense, assumirá o cargo durante as comemorações do Dia Internacional do Índio, celebrado em 9 de agosto. De fala mansa e equilibrada, Marcos Terena, como prefere ser chamado, tem orgulho da posição alcançada, mas admite as dificuldades. "Minha tarefa é buscar recursos que hoje o memorial não recebe. O local também não é considerado uma entidade jurídica, o que não nos permite nem receber doações", afirmou.

Restauração
O obstáculo, porém, não lhe tira o entusiasmo. Terena carrega sob o braço projetos e sonhos. Com idéias de convênios e parcerias, alguns deles se tornaram realidade. Aparecem no acervo recém-retocado, na conservação do prédio e no espaço dedicado ao programa Diálogo Indígena. O prédio amplo, que carrega os traços de um Oscar Niemeyer inspirado na arquitetura yanomami, ganhou um banco de areia tomado por tocos de madeira. Virou um espaço de discussões e apresentações culturais, uma das maiores apostas da nova administração como atrativo de público.

Terena disse ainda que acabará com a má fama do local. O monumento carrega a mística de que nenhuma iniciativa ali dá certo - ficou 10 anos fechado e boa parte do tempo sem acervo. A desconfiança vem da época da inauguração, quando um pajé fez uma bênção no prédio, dizendo que o espírito do índio moraria ali. "As coisas que não funcionam aqui são só para o homem branco. Agora será tudo diferente, pois, finalmente, tem um índio à frente da administração", brincou Terena, que ainda cobrou a falta de um presidente indígena na história da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A revitalização do Memorial dos Povos Indígenas terá, a partir de hoje, dois dias de celebração (leia programação abaixo). "Estamos aqui para superar a discriminação política e social. Não somos uma ameaça ao poder público, como se pensava na época da ditadura", concluiu o novo gerente, que adotou Brasília em 1977, casou-se com uma agrônoma também de origem indígena e é pai de duas adolescentes.

Novos tempos

A posse do primeiro índio como gerente do Memorial dos Povos Indígenas será celebrada com dois dias de palestras, debates e cantorias. Confira a programação

Dia 8/7
15h - Debate sobre direitos humanos e afirmação da identidade interética com a professora da Faculdade de Direito da UnB, Alejandra Pascual, o assessor de Diversidade e Apoio aos Cotistas da UnB, Jaques Jesus, e o novo gerente do Memorial dos Povos Indígenas, Marcos Terena.
17h - Exposição intercultural sobre o projeto Jogos Indígenas.
17h30 - Cerimônia indígena com o professor bilíngüe e bicultural indígena, líder Santxie Tapuia.

Dia 9/7
15h - Debate sobre o Dia Internacional do Índio e os direitos indígenas.
16h30 - Lançamento de livro sobre histórias da luta e resistência das mulheres indígenas no Brasil.
17h - Cerimônia de posse do novo gerente do Memorial dos Povos Indígenas, Marcos Terena.
17h30 - Celebração cultural indígena.
18h - Cantoria indígena.

Obs: A programação ocorrerá no Memorial dos Povos Indígenas, no Eixo Monumental Oeste, em frente ao Memorial JK. Informações: 3226-5206.

"Estamos aqui para superar a discriminação política e social. Não somos uma ameaça ao poder público"
Marcos Terena, gerente do Memorial dos Povos Indígenas

CB, 08/08/2007, Cidades, p. 26

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