OESP, Economia, p. B5
27 de Fev de 2005
Criador de camarão espera bom ano
Produtor teve um mau 2004, após um período favorável entre 1999 e 2003; o potencial é grande
Patrícia Campos Mello
Foi como a febre do ouro, mas a corrida era para criar camarão. O engenheiro de Telecomunicações Gustavo Gusmão largou seu emprego de 20 anos na Embratel e pôs sua poupança de R$ 400 mil em um fazenda de camarão, a 15 quilômetros de Natal. Newton Bacurau, que tinha vida calma cuidando de seus bois e de sua padaria, trocou tudo por 40 hectares de crustáceos. Um vizinho seu vendeu o posto de gasolina da família e montou uma fazenda de camarão. O outro colega veio dos Estados Unidos com mestrado embaixo do braço, mas em vez de trabalhar no mercado financeiro foi criar o crustáceo.
Era uma época de fartura. "Eu nem tinha comprado a fazenda ainda, e já me ligaram do frigorífico local para comprar todos os meus camarões", conta o pernambucano Gusmão. "E pagando adiantado."
A corrida do camarão no Nordeste começou há cerca de quatro anos. Foi um crescimento meteórico. O Brasil tinha apenas 20 fazendas de camarão em 1985. Em 2003, havia 905 fazendas. A área cultivada era de 6.250 hectares em 2000 e saltou para 14.800 em 2003. Nesse ano, aliás, a carcinicultura quebrou recorde atrás de recorde. Maior produção, maior produtividade, maior exportação. O camarão ultrapassou a fruticultura como atividade mais importante do Nordeste, perdendo apenas para o cultivo de cana-de-açúcar. A febre do camarão se espalhou por Ceará, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Cidades que não tinham quase nada, como Pendências, interior do Rio Grande do Norte, tiveram um surto de desenvolvimento com a chegada de grandes fazendas e processadoras do crustáceo.
Entre 1999 e 2004, a criação de camarão faturou R$ 778 milhões no Brasil, e 90% veio do Nordeste. A área cultivada triplicou, de 5,2 mil hectares em 1999 para 16 mil hectares em 2004. A exportação saiu de menos de US$ 3 milhões em 1998 para US$ 225 milhões em 2003.
Mas 2004 foi um dos piores anos para os criadores de camarão. Pela primeira vez em muitos anos, a produção de camarão cultivado apresentou queda de 11% em volume. As exportações recuaram 15% e fecharam o ano em 52 mil toneladas. O preço do camarão caiu 50%. O dólar não parou de cair. Os Estados Unidos entraram com uma ação antidumping contra o camarão brasileiro, que agora paga uma taxa média de 7,05% para entrar no país. O desconhecido vírus da mionecrose infecciosa veio e causou uma mortandade de camarões no ano passado.
De madrugada, eles morriam aos milhares. E, para completar, dois grupos de trabalho, um do Ministério do Meio Ambiente e outro da Câmara dos Deputados (ler abaixo), pretendem baixar uma moratória na concessão de licenças para as fazendas, para reduzir os danos ambientais da atividade.
O produtor Gusmão ganhou muito dinheiro entre 1999 e 2003. Mas, no ano passado, perdeu R$ 200 mil. Dos 18 milhões de camarões que deveriam ter saído da sua fazenda Aquavivah, 15 milhões morreram. "Tive de pegar dinheiro emprestado no banco."
Mas este ano promete, diz Gusmão. "Muita gente deixou o camarão no ano passado, só sobraram os corajosos." Quem resistiu vai ganhar dinheiro neste ano, ele acredita.
Itamar Rocha, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCC), também está otimista. "Este ano será de recuperação." A exportação, em volume, vai crescer 20% e a produção vai saltar de 80 mil toneladas para 105 mil, prevê.
"A exportação para a Europa deve aumentar, vamos ganhar participação por causa dos países afetados pelo tsunami e o ano está com clima bastante favorável, sem enchentes como as do ano passado." O mercado europeu é o grande motivo para tanto otimismo. O Brasil já é o maior fornecedor de camarão para a França e vice-líder na Espanha. A Camanor, maior empresa do Estado, está exportando 95% de suas 3.124 toneladas para a Europa, sendo 80% para o Carrefour.
Mercado Exigente
O mercado é promissor, mas é bastante exigente. Que o diga Joana Darc Costa, de 23 anos, que trabalha no controle de qualidade da Camanor. Todos os dias, ela tem de chupar centenas de cabeças de camarão. Se o gosto não estiver bom, não embarca para a Europa.
Na França, é costume chupar a cabeça do camarão - mais especificamente, o hepatopâncreas do crustáceo, uma gosma amarela que fica na cabeça. Joana Darc também precisa checar a coloração do camarão depois de cozido - os europeus gostam de camarões de cor laranja mais escuro, e não pálido. Ela também é obrigada a mastigar a cauda, para verificar se tem areia.
Para satisfazer o exigente mercado externo, a Camanor também "importou" do Equador o engenheiro Ricardo Delgado, para gerenciar a processadora da empresa, o local onde selecionam, embalam e congelam os camarões. Há vários equatorianos na indústria do camarão do Nordeste. O Equador exporta camarões há 30 anos, enquanto o Brasil só vende há 5 anos. A carcinicultura do Equador foi devastada pela doença da mancha branca (que afetou Santa Catarina este ano), e muitos especialistas vieram para o Brasil.
Apesar das dificuldades, o mercado externo compensa. Vide o desempenho da Camanor, que empregava 125 funcionários em 1999. Hoje são 700. O faturamento da empresa foi de US$ 12 milhões no ano passado, 20% mais em relação a 2003. "Este ano, acho que vamos aumentar as exportações em 20% de novo", diz o suíço Werner Jost, proprietário da Camanor, que chegou no Rio Grande do Norte em 1982 e foi um dos pioneiros da carcinicultura no Brasil.
O campeão de produtividade consome pouco
São 200 gramas por habitante em média, mas muitos nunca comeram camarão
Patrícia Campos Mello
Natal - Em tupi-guarani, potiguar significa "comedor de camarão". Mas no Rio Grande do Norte, a terra do potiguar, camarão é comida de rico.
Pelas mãos de Raniere Wagner, de 31 anos, passam cerca de 120 mil camarões num único dia. Ele trabalha na processadora Potiguar, embalando crustáceos que vão para a Europa. Wagner ganha R$ 273 por mês e na casa dele o camarão não chega. Seus sete filhos - Jefferson, de 12 anos; Jerdison, de 10; Jeiferson, de 7; Jerlison, de 8; Jerlania de 6; Yelaia, de 5; e Luis Cândido, de 3 - nunca comeram camarão na vida. Só comem mortadela e salsicha.
O Brasil tem 175 milhões de habitantes e um consumo de 35 mil toneladas, ou seja, 200 gramas por habitante, por ano. No México, com 100 milhões de habitantes, o consumo é de 70 mil toneladas.
O País é campeão mundial em produtividade na criação de camarão cultivado marinho. Produz 6 mil quilos por hectare de pesca - a produtividade triplicou desde 1998 -, à frente da Tailândia, que produz 5 mil quilos por hectare de pesca. A exportação brasileira é a que mais cresce no mundo - as vendas aumentaram 84% entre 1999 e 2003. Gigantes do camarão como o Vietnã cresceram 21% e a Índia, 8%.
Um dos motivos da competitividade brasileira é o clima quente, que permite três ciclos de criação por ano. Além disso, o Brasil desenvolveu tecnologia. Até 1997, o País quase não exportava camarão e as tentativas de criação não davam certo. A atividade só ganhou impulso com a a introdução do Litopaeneus Vannamei, espécie do Pacífico, e com novas técnicas de alimentação e de controle da água. Hoje, do total de camarão exportado, 90% é cultivado e 10%, pescado.
Exportação
Apesar de líder em produtividade, o Brasil tem apenas 3,62% de participação no mercado mundial. "Somos líderes em exportação de frango, por que não podemos ser líderes de exportação de camarão?", pergunta Itamar Rocha, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCC). Um dos obstáculos a ser ultrapassado é a venda do produto com maior valor agregado.
O camarão brasileiro vai para o exterior congelado ou fresco, inteiro ou sem cabeça e pouco explora o mercado para o produto empanado, em sushi, pré-cozido ou cortado "A participação do País nisso é mínima. Dá para ganhar muito mais exportando esses produtos", diz Rocha. A Vivenda do Camarão é uma das poucas empresas que faz esse tipo de exportação. A Tailândia, com 18,3% do mercado mundial, tem 75% das exportações com valor agregado.
Deputado vê altos custos ambientais e pretende impedir novas licenças
Patrícia Campos Mello
Natal - No mês que vem, um grupo de deputados federais vai encaminhar um relatório ao Ministério do Meio Ambiente, requisitando uma moratória na concessão de licenças ambientais para fazendas de camarão. O Grupo de Trabalho da Câmara, que tem como relator o deputado João Alfredo (PT-CE), está concluindo o relatório no qual aponta que a carcinicultura desmata a região dos mangues, causa a morte de siris e caranguejos e polui a água dos estuários. "A carcinicultura brasileira é supercompetitiva porque os produtores não pagam os custos ambientais, eles destroem o ambiente", diz o deputado.
João Alfredo quer sustar a concessão de novas licenças ambientais até que seja feito um estudo completo sobre a carcinicultura, com fiscalização das fazendas para verificar se há danos ambientais. Essa também deve ser a recomendação do grupo de trabalho criado pelo Ministério do Meio Ambiente neste mês, que tem 180 dias para propor um modelo alternativo de carcinicultura. Segundo o deputado, grande parte dos empreendimentos do Ceará e do Rio Grande do Norte está em área de preservação permanente dos manguezais e polui os rios e o mar.
Ambientalistas querem limitar o número de viveiros e exigem a adoção de medidas para minimizar os danos ambientais. Segundo Soraya Vanini Tupinambá, engenheira de pesca do Instituto Terra Mar, muitas fazendas não têm tratamento de efluentes e jogam a água dos viveiros de volta no rio. Essa água tem restos de ração e excesso de matéria orgânica, que reduz a quantidade de oxigênio, causando a morte dos peixes, siris e caranguejos. "Além disso, muitos produtores querem lucro imediato e criam uma quantidade enorme de camarões por metro quadrado, o que esgota o solo."
Outro alvo das críticas é o metabissulfito, substância que os produtores usam na água misturada com gelo, para matar o camarão depois que ele é pescado. O metabissulfito é um conservante que evita o escurecimento do camarão, porque é antioxidante. Segundo o deputado, já foram registradas duas mortes de trabalhadores por pneumonia tóxica causada pela substância. Isso ocorre em fazendas onde os funcionários trabalham sem usar máscara.
"Como em todas as atividades, há as ovelhas negras, e é função das autoridades identificá-las e puni-las", reage Werner Jost, proprietário da Camanor. "É injusto punir o setor como um todo." Jost também acha que há falta de zoneamento, o que leva a um excesso de fazendas.
OESP, 27/02/2005, Economia, p. B5
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