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CPI mapeia conexão amazônica

CB, Mundo, p. 24
Autor: QUAGLIA, Giovanni
29 de Nov de 2006

CPI mapeia conexão amazônica
Investigação do Congresso detecta negócio triangular de armas por cocaína na fronteira com Colômbia e Venezuela. Relator alerta sobre defasagem da política de segurança para enfrentar tráfico internacional

Silvio Queiroz
Da equipe do Correio

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o tráfico de armas topou com um negócio triangular envolvendo armamentos e cocaína na fronteira norte, mais uma evidência de que as organizações criminosas do Brasil se globalizam e sobem de patamar no cenário internacional do crime. As autoridades e a sociedade, em contrapartida, apenas começam a despertar para a real dimensão do desafio, alerta o relator da comissão, deputado Paulo Pimenta (PT-RS). "Não estamos mais lidando com quadrilhas localizadas, mas com organizações sofisticadas", disse ele ao Correio. "Mas temos uma legislação que é para enfrentar o crime comum, quando há necessidade de uma política específica de combate ao crime organizado, e isso o Brasil não tem."

O relatório final da CPI, que deve ser a votado hoje, tem um capítulo dedicado à "conexão Brasil/Venezuela/Colômbia". Ele documenta a desenvoltura com que os traficantes se deslocam entre os três países. As armas seguem para território colombiano, onde abastecem os grupos armados envolvidos em quase meio século de conflito - principalmente a guerrilha das Farc, mas também os esquadrões paramilitares que a combatem à margem do Estado. São a moeda com a qual as organizações criminosas brasileiras compram cocaína, parte para abastecer São Paulo, Rio de Janeiro e outras grandes cidades, parte destinada aos Estados Unidos e Europa.

Consumo
As descobertas da CPI reforçam constatação feita nos últimos anos pelo Escritório das Nações Unidas contra a Droga e Crime (UNODC), que publica relatórios anuais sobre o combate ao narcotráfico no mundo. O italiano Giovanni Quaglia, representante do UNODC para o Brasil e o Cone Sul, calcula que passa pela rota brasileira cerca de 15% da cocaína produzida anualmente na Colômbia. Desse montante, da ordem de 100t, metade se destina ao consumo doméstico. Quaglia confirma que nas últimas duas décadas "o Brasil se tornou também um país consumidor" de cocaína, e vê relação direta entre a internacionalização dos traficantes brasileiros e a conexão colombiana. "Naturalmente, quando se tem um conflito armado, há demanda por mais armas, armas sofisticadas", disse em entrevista ao Correio (leia ao lado). Quaglia aponta Recife (PE) como novo endereço da troca de cocaína por arma e munição.

O relator da CPI chama atenção ainda para a presença das organizações criminosas brasileiras no Paraguai, tradicional entreposto do tráfico no continente, onde já estiveram foragidos Marcos Herbas Camacho, o Marcola, líder do Primeiro Comando da Capital (PCC) e Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, capturado há quatro anos na selva colombiana. Hoje, segundo Paulo Pimenta, traficantes brasileiros "têm plantações de maconha e laboratórios no Paraguai, fornecem insumos químicos (para refino de cocaína) e são donos também de lojas de armas".

Também o deputado petista olha com preocupação o entrelaçamento dos negócios do crime no continente, em especial pelo "contágio" da Colômbia, onde nos anos 80 os grandes cartéis da cocaína declararam guerra ao Estado. Em certa medida, o relator da CPI já vê a reprodução desse cenário no Brasil. "Os episódios deste ano em São Paulo mostram que, se não houver uma reação organizada e constante, teremos uma situação de descontrole total, semelhante à que viveram os colombianos", avisa.

Das gangues às holdings

Entrevista: Giovanni Quaglia

Geografia continental, classe média numerosa e proximidade dos centros de produção fizeram do Brasil o terceiro maior mercado para a cocaína, atrás de EUA e Europa. Com isso, "o narcotráfico e o crime organizado se fortaleceram, estão se globalizando e se sofisticando", avalia em entrevista ao Correio o representante no Brasil do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), Giovanni Quaglia.

Qual o lugar do Brasil no tráfico global?

Nos últimos 10 anos, o nacotráfico e o crime organizado se fortaleceram, se aliaram. Hoje, quem trafica drogas também trafica armas ou algum outro produto, ou mantém empresas de fachada. O crime se transformou em uma holding com diferentes "bandeiras": droga, tráfico de pessoas e de armas, biopirataria, contrabando de arte, roubo de carga, de carros. Não é como a máfia, que controla tudo - isso no Brasil não existe. Existem grupos criminosos, em todas as grandes cidades tem mais de um, que operam , trocam informações, às vezes se aliam. E eles estão se globalizando, se sofisticando.

Foi o tráfico internacional que fortaleceu o crime no Brasil? Ou foi o mercado interno?

A experiência internacional mostra que uma parte da droga sempre fica ao longo das rotas. O Brasil é um país interessante para os traficantes, pelo número de habitantes, porque tem uma classe média e alta em torno de 30 milhões de pessoas, que têm um poder aquisitivo bom. E a cocaína de boa qualidade é consumida por esse segmento da população. É um mercado próximo aos centros de produção, que ajuda a disfarçar as rotas internacionais.

O Brasil refina cocaína em pequena escala. Qual o risco de se tornar exportador?

Eu acredito mais na possibilidade de se transformar em grande produtor e consumidor de drogas sintéticas. Agora, a história da Colômbia é interessante.Quando a extração de esmeraldas se esgotou, os donos do negócio passaram a refinar cocaína. Na Bolívia, com a crise do estanho, muitos mineiros foram cultivar coca, e o país se tornou exportador de cocaína. Há sempre um vínculo com crises na cadeia produtiva, que obrigam a buscar novas fontes de ingresso na economia informal. (SQ)

CB, 29/11/2006, Mundo, p. 24

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