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A corrida contra a crise

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
19 de Mar de 2004

A corrida contra a crise

Washington Novaes

Desde 1998 a rotina se repete: o ano começa com previsões de forte crescimento do produto interno bruto (PIB), que vão esmorecendo com o correr dos meses. E se chega ao final de 365 dias com um crescimento pífio ou negativo. 2003 foi assim. O Ministério do Planejamento chegou a prever que o PIB cresceria até 3,5%. Mas se chegou ao fim do ano com crescimento negativo de 0,2%. Se levado em conta o aumento da população, em torno de 1,3%, o PIB per capita se terá reduzido em 1,5%. 2004 começa a entrar no mesmo diapasão:
o Ipea já reduziu sua previsão de crescimento para o ano, de 3,6 para 3,4%.
A Confederação Nacional da Indústria também revê sua previsão.
Nesse quadro, anuncia o IBGE que ao longo de um ano a renda das famílias baixou quase 13% e seu consumo, 3,3%. E diz a Federação do Comércio paulista que 15% da população tem débitos entre 50% e 70% de sua renda. Quase 40% da população da Grande São Paulo está inadimplente (Estado, 12/3).
Com exceção da agropecuária, os setores que mais empregam sofreram declínio - construção civil (8,6%), comércio (2,6%), indústria (1%). Com isso, a taxa de desemprego ronda os 12% (mais de 19% na Grande São Paulo), com cerca de 10 milhões de desempregados. E já se tem cerca de 60% dos que trabalham na informalidade. Mais de metade das pessoas que trabalham ganham até um salário mínimo.
Crescem as pressões. As centrais sindicais lançam campanha pela redução da jornada de trabalho porque, segundo o Dieese, a redução de quatro horas criaria 2 milhões de empregos. Propõe-se também reduzir as horas extras, já que, em 2002, quase 40% da mão-de-obra ocupada trabalhavam mais que as 44 horas da jornada semanal prevista em lei. Essas horas extras, preenchidas por contratados, gerariam 7,06 milhões de postos de trabalho. O governo lança um programa de estímulo à construção civil, na esperança de gerar 1,4 milhão de empregos, mas o setor diz que serão muito menos.
Questiona-se o modelo que não gera empregos e privilegia exportações, principalmente do setor agropecuário e de bens primários ou pouco elaborados. Lembra-se, a propósito, estudo de um grupo de economistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), segundo os quais a modernização tecnológica ao longo da década de 1990 e até 2001 custou 10,76 milhões de empregos (3,08 milhões só na agropecuária), enquanto as importações responderam pela perda de mais 1,54 milhão - total de 12,3 milhões de empregos. Já a demanda interna criou 11,96 milhões, aos quais se somam 3,58 milhões nas exportações. Ficou um saldo de 3,24 milhões. Mas entrou de 1,5 milhão a 1,8 milhão de pessoas por ano no mercado de trabalho, num total de 16,5 milhões. E o desemprego cresceu 3,26 milhões.
A concentração econômica foi "brutal" em praticamente todos os setores, segundo trabalho da consultoria Austin Assis, publicado pelos jornais.
Levantamento do IBGE/UFRJ em 104 setores mostra que, na média, as quatro maiores empresas detêm 42,8% dos ativos. Não há inovação tecnológica, quase:
o Brasil só teve 0,2% dos pedidos de patentes em 2003, segundo a Organização Mundial de Propriedade Industrial.
Que fazer? Vai-se continuar colocando a ênfase num modelo exportador fortemente baseado em commodities e produtos de pouco valor agregado, para atender às necessidades dos países industrializados e de seu consumo perdulário, condenado por vários relatórios internacionais? Um modelo que não considera nem remunera os fortíssimos custos sociais e ambientais dos países ditos em desenvolvimento e deixa nas mãos dos importadores os mecanismos de preço no que compram? Nesse modelo, as carnes brasileiras, por exemplo, perderam em uma década 17% de seu valor real, a soja só agora está retornando aos preços do final da década de 1980. Exportamos cada vez mais para ficar no mesmo lugar: o Brasil tinha 1% do comércio mundial em 1964, hoje temos menos que isso.
Há poucos pontos de convergência nos diagnósticos. Um deles é de que só haverá crescimento do emprego com o aumento da demanda interna. E aí talvez valha a pena retornar a um livro do professor Ignacy Sachs, uma das pessoas que mais conhecem o quadro brasileiro e universal: Desenvolvimento Humano, trabalho decente e o futuro dos empregadores de pequeno porte no Brasil (edição Pnud/Sebrae 2002).
Entende o professor Sachs que no quadro brasileiro a condição indispensável está mesmo no fortalecimento do mercado interno e, neste, numa política adequada capaz de atuar no campo da informalidade. Isso implica abrir o sistema Fácil/Sebrae aos pequenos e microempreendedores; aperfeiçoar o Simples tributário (hoje só existe na área federal), estendendo-o às áreas estadual e municipal; estendê-lo também ao setor de serviços e abri-lo para autônomos; permitir cooperativas de crédito para empresas com capital de até R$ 1,2 milhão; abrir para os pequenos o sistema de compras públicas; criar centros de difusão tecnológica para pequenas e microempresas.
A saída para o Brasil - diz ele - será o crescimento puxado pelo emprego, o que implica também envolver fortemente a agricultura familiar, que, segundo a Fundação Getúlio Vargas, tem 4,14 milhões de estabelecimentos (85% do total), 107 milhões de hectares de área (30% do total), 38% do PIB do setor e responde pelo sustento de 17,3 milhões de pessoas.
Quatro setores podem ser decisivos, de acordo com Sachs: obras públicas e infra-estrutura; serviços sociais, educação e saúde; habitação popular; e gestão de recursos naturais. Talvez se possa acrescentar que será preciso mexer em todo o sistema tributário, de modo principalmente a deslocar incentivos para setores e atividades geradores de empregos. Não faz sentido - como ficou claro na discussão sobre guerra fiscal - a União continuar renunciando a uns 2% do PIB a cada ano em subsídios, sem exigência de contrapartidas na geração de empregos. Não faz sentido Estados, para atrair empresas, concederem subsídios fiscais ao custo de até R$ 1 milhão por posto de trabalho criado, quando os sistemas, dos mesmos governos, de financiamentos populares geram um posto de trabalho com empréstimo - não doação - inferior a R$ 1 mil.
Há muitas possibilidades. Mas é preciso correr. A crise vai em alta velocidade.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 19/03/2004, Espaço Aberto, p. A2

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