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11 de Dez de 2021
Contra determinação do TCU, União e governo de Rondônia dão guarida a grileiros
Em vez de acatar as recomendações do Tribunal, Brasília e o governo estadual assinaram um acordo para ampliar o poder das oligarquias rurais
por ANA FLÁVIA GUSSEN
11 DE DEZEMBRO DE 2021
Nos últimos dois anos, sob o governo Bolsonaro, a ocupação irregular de terras públicas na Amazônia deu um salto de 56%, segundo dados do Instituto Socioambiental. O caso mais emblemático é Rondônia, onde 33% da área doada pelo programa Terra Legal foi, ironicamente, tomada de forma irregular, conforme auditoria do Tribunal de Contas da União. Trata-se de um pedaço de chão equivalente a 21 mil hectares e avaliado em cerca de 1 bilhão de reais. Mas, em vez de acatar as recomendações do TCU e combater as ilegalidades, Brasília e o governo estadual, comandado pelo Coronel Marcos Rocha, assinaram um acordo para, segundo ambientalistas, ampliar o poder das oligarquias rurais. O objetivo do convênio é acelerar o processo de regularização fundiária e expedir 10.584 títulos de posse. "Em decorrência do convênio, o governo de Rondônia contratou 35 funcionários, sem concurso público, e os cedeu ao Incra. Eles emitem pareceres jurídicos como se fossem procuradores federais ou advogados da União", aponta o procurador Raphael Bevilaqua, que acionou o instituto federal e o governo estadual para suspender o repasse de terras a particulares até que todas as irregularidades sejam sanadas.
O Ministério Público Federal avalia que a contratação de funcionários diretamente pelo poder local tende a acelerar a regularização fundiária em áreas de crimes ambientais e invasões de terras indígenas e quilombolas. O convênio, dizem os procuradores, coloca em risco o Programa Nacional de Reforma Agrária e perpetua conflitos históricos. A cadeia de ilegalidades no caso de Rondônia atinge quase todos os espaços de poder: de servidores indicados por políticos e empresários com interesses em terras às bancadas parlamentares em Porto Velho e Brasília. A ação alerta para a postura do estado nesse sentido. "Há uma deliberada ação governamental visando a acelerada regularização fundiária sem obediência às normativas legais e sem observância às determinações do TCU", descreve o texto do Ministério Público, que cita um Projeto de Lei apresentado pelo próprio governador. O PL 080 previa a redução de 219 mil hectares da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim e atendia a interesses de pecuaristas da região. No texto do projeto, Rocha admite a existência de 120 mil cabeças de gado na reserva Jaci-Paraná sem licenciamento ambiental ou autorização para supressão de mata nativa. Chega a ser inacreditável o tom do projeto, que, de acordo com especialistas, legaliza a grilagem. "Rocha não é pecuarista, mas está comprometido com o programa de Bolsonaro e seu eleitorado, que aqui em Rondônia é formado por esses pecuaristas e empresários", descreve uma fonte local. Um terço da área doada pelo programa
Terra Legal é ocupado de forma irregular
A relatoria da proposta na Assembleia Legislativa de Rondônia ficou a cargo do deputado emedebista Jean Oliveira, alvo da Operação Feldberg, que apura esquemas de rachadinhas e nomeação de assessores fantasmas. Durante a operação foram interceptados áudios do deputado com um pecuarista acusado de tentar grilar 64 mil hectares de terra em Guajará-Mirim. Na conversa, os interlocutores aventam até o assassinato de um procurador responsável por emitir pareceres e que não avalizava os crimes. O projeto foi aprovado na Assembleia, onde 11 dos 25 deputados são pecuaristas ou foram financiados por criadores de gado, segundo um cruzamento de dados realizado pelo site Repórter Brasil. Depois de sancionada pelo governador, a lei acabou derrubada pelo Tribunal de Justiça de Rondônia por ser inconstitucional. Em Brasília, dois projetos para liberar a grilagem têm apoio maciço da bancada de Rondônia ligada ao agronegócio. Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Regularização Fundiária, Júlio Mosquini, do MDB, incluiu no chamado PL da Grilagem a proposta de anistiar invasores. Segundo apurou esta revista, o programa Titula Brasil, lançado neste ano pelo governo federal, foi inspirado no convênio com Rondônia que se tornou alvo do Ministério Público. Criticado por camponeses, ambientalistas e deputados que se opõem ao avanço dos ruralistas, o programa terceiriza aos municípios as atribuições de regularização fundiária de glebas da União, na mesma linha do acordo assinado com o Coronel Rocha. Para a execução do Titula Brasil, as prefeituras vão indicar técnicos que comporão núcleos de regularização fundiária responsáveis por checar os dados. Parlamentares também afirmam que o programa contribui para o desmonte do Incra, que reduziu em 90% o orçamento para a melhora dos assentamentos rurais. Enquanto isso, Bolsonaro e aliados insistem na criminalização de povos originários, trabalhadores sem-terra e quilombolas, enquanto estimulam a posse de armas. O resultado é o maior aumento da violência no campo em 35 anos: 2.054 ocorrências em 2020, segundo a Comissão Pastoral da Terra. Em nota, a superintendência regional do Incra informou que, desde julho, uma equipe de servidores analisa os processos referentes ao acórdão do TCU e que foi apresentado o Plano de Trabalho local, incluindo uma planilha com os 1.242 processos que apresentaram indícios de irregularidades. Quanto às denúncias de grilagem e ilegalidades no âmbito do convênio, a superintendência alega que "os processos de regularização fundiária para titulação tramitam atualmente na Plataforma de Governança Territorial (PGT) e Sistema de Gestão Fundiária (Sigef Titulação), de modo que há cruzamento de dados com outros órgãos governamentais para a verificação da regularidade para a titulação e o atendimento dos requisitos". - PUBLICADO NA EDIÇÃO No 1187 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE DEZEMBRO DE 2021.
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