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Contra-ataque ao invasor

O Globo, Ciência, p. 22
15 de Jan de 2013

Contra-ataque ao invasor
Ministério Público Federal investiga empresas por dano ambiental na Baía de Ilha Grande

FLÁVIA MILHORANCE
flavia.milhorance@oglobo.com.br

Uma medida inédita do Ministério Público Federal (MPF) pode incriminar os responsáveis pela introdução de espécies marinhas exóticas no Brasil. O órgão instaurou inquérito civil público para apurar a bioinvasão do chamado coral-sol, trazido na década de 1980 por plataformas de petróleo e que tem prejudicado o equilíbrio do ecossistema da Baía da Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro. De acordo com o inquérito, os potenciais pontos de introdução do coral foram tanto na área do terminal da Petrobrás (Tebig) quanto do estaleiro BrasFELS, em Angra dos Reis, que estão sendo investigados.
Cientistas acreditam que o coral tenha viajado incrustado nas estruturas das plataformas desde o Oceano Pacífico e encontrado um ambiente adequado para sua proliferação nos costões rochosos da baía, hoje se estendendo por mais de 900 quilômetros. Há registros também em Bahia, Santa Catarina e Espírito Santo, mas em menores proporções. Uma série de espécies marinhas são introduzidas em ecossistemas de maneira acidental, por exemplo, por aves migratórias e correntes marinhas. Quando ocorre pela ação humana, configura-se crime ambiental. Por se tratar de uma espécie exótica invasora, o coral tem ocupado o espaço das nativas de Ilha Grande, entre elas o coral-cérebro, encontrado apenas no litoral brasileiro.
Ações preventivas para controle do coral
- Em termos jurídicos, o dano ao meio ambiente independe de culpa. Por exemplo, se alguém compra uma propriedade desmatada, mesmo que ele não seja o responsável, ele é obrigado a reparar, e se exerce atividade lucrativa, também é responsável pelo dano. Isto independe da época. Ainda assim, neste caso, é possível aferir culpa. Está identificado - afirma a procuradora da República em Angra dos Reis, Monique Checker, autora do inquérito, que garante ter laudos comprovando a responsabilidade das empresas.
Ambas foram notificadas por meio de ofício e têm até o dia 23 deste mês para se pronunciarem. A procuradora defende a linha da conciliação para responsabilizá-las pelos prejuízos ambientais:
- Pretendo chamá-los para estabelecer um cronograma de medidas repressivas, ou seja, de extração dos corais que ainda podem estrar incrustados nas estruturas, e preventivas, de inspeção de navios e plataformas que ingressem na baía. Se fôssemos quantificar isso, seriam valores bem altos, possivelmente na casa dos milhões, dada a amplitude e o tempo do dano - diz Monique, não descartando a aplicação de multa.
Atualmente, o Projeto Coral-Sol tenta controlar o alastramento da espécie em Ilha Grande, cujo trabalho é feio manualmente por catadores-mergulhadores, em geral, moradores da própria ilha. Dada à dificuldade da tarefa, o coral continua se desenvolvendo rapidamente. O projeto tem, até março, um patrocínio da Petrobras Ambiental.
- Depois disto, não se sabe o que ocorrerá - preocupa-se o coordenador do projeto Joel Creed, professor do Laboratório de Ecologia Marinha da Uerj.
Segundo Creed, outra possibilidade discutida é que o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que poderá ser aplicado à Chevron pelo vazamento de óleo ocorrido na baía em dezembro de 2011 inclua o custeio do controle do coral-sol. Enquanto nada é definido, o pesquisador vê com bons olhos a iniciativa do MPF.
- Espero que isto estimule a geração de políticas públicas federais para tratar do problema do bioinvasor por bioincrustação (inscrutação em estruturas, como plataformas) - ressalta.
As duas principais formas de introdução de espécies exóticas invasoras pela ação humana são a água de lastro e a bioincrustação. Para se ter ideia, o transporte marítimo movimenta mais de 80% das mercadorias e transfere internacionalmente entre 3 e 5 bilhões de toneladas de água de lastro por ano, cuja prática está sob forte legislação internacional. Quanto à bioincrustação, o tema é mais recente e carece de normatização. A Organização Marítima Internacional (OMI), agência especializada da ONU, tem diretrizes para a água de lastro, das quais 36 países (29% do mercado marítimo mundial), entre eles, o Brasil, são signatários. Para a bioincrustação, há apenas um esboço de normas. Procuradas, a assessoria da Petrobras não se posicionou até o fechamento da edição. Já a da Brasfels não foi encontrada.

Fauna importada causa conflitos no estado do Rio
Perda de biodiversidade é uma das principais consequências de problema em expansão

RENATO GRANDELLE
renato.grandelle@oglobo.com.br

O avanço das espécies invasoras já é a segunda maior causa de perda de diversidade ecológica no planeta, atrás apenas da destruição de habitats - em ilhas, estas posições são invertidas. O tráfico de animais silvestres, uma das causas para sua "exportação" a outras regiões, corresponde à segunda atividade ilícita mais lucrativa do mundo. O descontrole na entrada e disseminação desta fauna e flora é, por enquanto, alvo apenas de políticas pontuais em todo o planeta. Este debate volta a ser fomentado agora, com o lançamento do livro "Exóticos invasores", da Editora da UFF.
Autor da publicação, Sávio Bruno lista dezenas de espécies que, por ação de mudanças ambientais ou do homem, foram introduzidas na fauna fluminense nos últimos séculos. Algumas acabaram sendo úteis - a lagartixa-de-parede, passageira involuntária dos navios negreiros, é uma importante predadora da venenosa aranha-marrom. A maioria das espécies exóticas, porém, trouxe problemas à fauna local.
O mico-leão-dourado, há décadas símbolo dos animais ameaçados, já teve um de seus últimos refúgios - a Reserva Biológica Poço das Antas, em Silva Jardim - invadido pelo mico-estrela. E outro sagui, o mico-leão-de-cara-dourada, também ensaia uma expansão da Serra da Tiririca, em Niterói, em direção ao interior fluminense.
Há duas situações que tornam indesejáveis o encontro dessas espécies. Uma é a agressão - como os saguis são territorialistas, os dois grupos podem brigar e, ocupando áreas muito limitadas, ocorreria escassez de alimentos. Outra seria o cruzamento das espécies, um processo chamado hibridização.
- A prole que surge daí é muitas vezes infértil, facilitando a extinção das espécies envolvidas - explica Sávio. - O ecossistema é como um jogo de varetas. Introduzir indivíduos estranhos àquele local compromete o equilíbrio de todo o ecossistema e desencadeia uma competição.
Presente em todo o Brasil, à exceção da Amazônia, o pardal ocupa abrigos e compete pelos mesmos alimentos com espécies nativas do Rio, como a andorinha-pequena, o canário-da-terra, o joão-de-barro e o tico-tico. O pardal dissemina os vírus da peste aviária e é comum encontrar agentes patológicos em seus ninhos, inclusive dois que causam dermatites em humanos. O mico-de-cheiro é outro risco à saúde pública. Ele é reservatório do protozoário Trypanosoma cruzi , causador da doença de Chagas.
Estado admite dificuldade
O estado do Rio abriga grande diversidade de animais nativos de seu território - são 166 espécies de anfíbios, 128 de répteis, 730 de aves e 185 de mamíferos. Por isso, espécies invasoras são um desafio para a gestão pública.
- Muitas espécies chegam a novas regiões por terem escapado ou sido libertadas de cativeiros, e o tráfico de animais silvestres não está controlado - ressalta o biólogo Eduardo Lardosa, chefe do Serviço de Planejamento de Pesquisa do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) do Rio.
Lardosa comandou programas pontuais de controle ao boom populacional do mico-estrela. A atividade, porém, esbarra em limitações.
- Não há como levá-los para seu habitat, porque ele já está saturado. Uma parte dos micos apreendidos pode ir para instituições de pesquisa, mas ainda assim sobram muitos animais - explica. - Uma solução extrema seria sacrificá-los, o que é um tema sensível para a opinião pública.

O Globo, 15/01/2013, Ciência, p. 22

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