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A Constituição do Brasil e os povos indígenas

O Globo - https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/07/
Autor: WEBER, Rosa
18 de Jul de 2023

A Constituição do Brasil e os povos indígenas
O STF e o CNJ concluem projeto audacioso que resultou na primeira tradução de nossa Carta Magna para uma língua indígena

Por Rosa Weber
18/07/2023 00h05 Atualizado há 2 dias

A Constituição Federal de 1988 é a expressão máxima dos valores e das aspirações de nossa sociedade, e torná-la acessível a todas e todos é uma tarefa cujo significado vai além da transposição de barreiras de ordem prática. Cumpre-se função precípua do Estado na promoção das garantias, direitos e deveres nela previstos, assegurando-se o próprio acesso à Justiça.

Cientes do papel do Judiciário no reconhecimento e respeito à pluralidade étnico-cultural, verdadeira riqueza de nossa nação, o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça concluem hoje projeto audacioso que resultou na primeira tradução de nossa Carta Magna para uma língua indígena. O nheengatu é na atualidade o principal meio de comunicação interétnico da Amazônia, língua amplamente falada pelos povos que habitam a região do Rio Negro.

A partir do protagonismo de tradutoras e tradutores indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós, além de apoio institucional da Academia da Língua Nheengatu, nossa Constituição está mais próxima de 12 povos indígenas. Trata-se de entrega de valor imaterial para gerações atuais e futuras, além de ato simbólico em que revisitamos nossa História para reafirmar o compromisso com um país de todas e de todos.

Destaco o competente trabalho da equipe responsável por essa realização. A experiência de tradução envolve sempre um exercício intercultural e abertura epistêmica para outra compreensão de mundo, pois a linguagem é, em si, uma manifestação cultural. O feito é ainda mais notável considerando que, em pouco mais de três meses, foi desenvolvida a sofisticada tarefa de traduzir a segunda maior Constituição do mundo, que se apresenta de forma dogmática e programática em um denso arcabouço de matérias.

O lançamento será em São Gabriel da Cachoeira, reconhecida como a cidade mais indígena do Brasil, em programação que reúne lideranças indígenas, organizações indigenistas, representantes do Poder Judiciário, do Poder Executivo, da comunidade internacional e da academia. Discutiremos, entre outros temas, o monitoramento e efetividade das demandas relacionadas aos povos indígenas pelo Poder Judiciário.

Na Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), instituída pelas Assembleia Geral Nações Unidas, e de forma alinhada ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 - relativo à Paz, Justiça e Instituições Eficazes -, damos este importante passo para o cumprimento do objetivo de promover sociedades pacíficas e inclusivas, ampliando o acesso à Justiça e construindo instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

Com a expectativa de que sigamos avançando, este produto é uma forma concreta de reafirmarmos o reconhecimento dado pela Constituição de 1988 aos direitos originários dos povos indígenas. Esses direitos incluem o respeito e a preservação de seus próprios valores, costumes, tradições, idiomas e tudo que representa a sua autodeterminação, sua organização social e seu modo de vida: seus direitos à igualdade e à diferença.

Para além disso, é uma manifestação do compromisso do Supremo Tribunal Federal e de todo o Poder Judiciário brasileiro com a guarda da Constituição, com a defesa da democracia, com a promoção dos direitos humanos e com a construção de um país mais justo e igualitário.

*Rosa Weber é presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça

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