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Ação de Lula é insuficiente e há 'estado de guerra', diz liderança yanomami

UOL - https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/01/26/
Autor: CHADE, Jamil
26 de Jan de 2024

Ação de Lula é insuficiente e há 'estado de guerra', diz liderança yanomami

Jamil Chade Colunista do UOL
26/01/2024 07h00
Atualizada em 26/01/2024 08h54

A Terra Indígena Yanomami ainda vive um "estado de guerra" e as ações do governo Lula são insuficientes para lidar com a crise. Essas são algumas das principais conclusões da Hutukara Associação Yanomami, que apresenta hoje uma avaliação da atuação do governo federal frente à emergência no território.

O documento é publicado um ano após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter declarado Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) no território. Além da Hutukara, o material é endossado pela Associação Wanasseduume Ye'kwana (Seduume) e a Urihi Associação Yanomami e conta com apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) e do Greenpeace.

Se o garimpo e o desmatamento apresentaram desaceleração em 2023 nas terras do povo Yanomami, a realidade é que a atividade ilegal ainda inviabiliza o atendimento de saúde às comunidades indígenas, a população "segue morrendo por doenças tratáveis", crianças continuam com baixa cobertura vacinal, armas entram nas zonas protegidas e servidores da saúde se sentem intimidados pelos invasores.

Eis algumas das principais conclusões do levantamento:
Garimpo desacelera em crescimento, mas ainda expande área de exploração em 7%
Área total acumulada de devastação já chega a 5.432 hectares com impacto em 21 das 37 regiões existentes. Esse número representa uma desaceleração na taxa de crescimento da área degradada, em comparação com o avanço dos últimos anos, nos quais a taxa de incremento anual foram de 42% (2018-2019), 30% (2019-2020), 43% (2020-2021) e 54% (2021-2022).

"Porém, este incremento revela também que a atividade ilegal continua operando com intensidade no território", diz o texto.

Os meses com maiores alertas de desmatamento associado ao garimpo foram janeiro, março e outubro com 67, 52 e 22 hectares devastados, respectivamente.

Estado de Guerra
308 indígenas yanomami morreram em 2023, sendo 129 por doenças infecciosas e parasitárias (63) e doenças respiratórias (66).
Ao menos sete indígenas morreram em 2023 em confrontos com armas de fogo levadas de forma ilegal ao território por garimpeiros ilegais.
Relatos apontam a presença de homens armados fazendo a segurança do garimpo e reagindo a operações.
Garimpeiros mudaram pontos de exploração para longe dos rios e passaram a usar novas tecnologias de comunicação para burlar operações.
Somando com as mortes de 2022, nota-se claramente que há um verdadeiro 'estado de guerra' na região.

A volta dos invasores
Estima-se que de 70% a 80% dos invasores foram retirados no primeiro semestre da Terra Indígena Yanomami. No entanto, no segundo semestre ocorreu retorno massivo.

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No segundo semestre, com maior protagonismo das Forças Armadas nas ações repressivas, pistas chegaram a ser destruídas, mas em pouco tempo foram recuperadas pelo invasores que retornaram.

Dados do Greenpeace demonstram que o número de áreas desmatadas voltou a crescer a partir de agosto, após uma redução abrupta de alertas até julho.

De acordo com o informe, foi identificada, por exemplo, a abertura de uma nova pista clandestina na região, distante 3 km do limite internacional e a pouco mais de 4 km de grandes cicatrizes de garimpo em território venezuelano. No país vizinho, nesta zona, também se observou a construção de uma nova pista de pouso de quase 500 metros, que era inexistente até março de 2023.

O garimpo ilegal no Alto Orinoco (Venezuela) tem se intensificando desde o início das operações em 2023, e parte de sua logística é operada no Brasil, em articulação com o garimpo do Alto Catrimani, Homoxi, Xitei, entre outros.

No rio Uraricoera, os relatos indicam uma intensificação no trânsito de garimpeiros, com o afrouxamento das operações no segundo semestre. Da mesma forma, os indígenas denunciaram a reativação de algumas pistas de pouso (Mucuim e Espadinha), depois que muitas delas foram neutralizadas no primeiro semestre de 2023.

Segundo os relatos, há uma média de três aeronaves por dia com destino à Pista do Mucuim. O primeiro avião costuma pousar às 6h, como forma de se esquivar de eventual fiscalização.

A barreira improvisada na altura da região do Palimiu também não tem sido eficaz para controlar o acesso de invasores ao território. De acordo com as lideranças locais, diariamente, antes de amanhecer (entre 4h30 e 6h) a comunidade é acordada pelo barulho dos motores transitando pelo rio, furando o "bloqueio".

A base de proteção que deveria estar instalada naquele local (Pakilapi) não foi implantada, em manifesto descumprimento à determinação judicial da Justiça Federal de Roraima.

Durante uma vista da Hutukara ao local, em novembro, observou-se que o efetivo do Exército Brasileiro contava com aproximadamente 15 pessoas - este bloqueio já contou com pelo menos 50 militares -, e ocupava a base da Funai no local.

Cerca de uma semana depois, os yanomamis relatam que todos os militares saíram do posto. A informação foi posteriormente confirmada pelo Ibama em reunião com MPF pela total retirada das Forças Armadas e as estruturas por eles instaladas.

Saúde sob ameaça do garimpo
Enquanto garimpeiros insistem na atividade ilegal, profissionais de saúde se sentem intimidados e não conseguem acessar comunidades mais vulneráveis.

Em muitas regiões, a cobertura vacinal não atinge nem metade das crianças, tanto as com menos de 1 ano, quanto as de 1 a 4 anos.

De acordo com o informe, no Xitei, região que possui uma população total de mais de 2 mil pessoas, a vacinação abrangeu apenas 1,8% das crianças de até 1 ano e 4,2% das crianças de 1 a 4 anos.

Nesta região, sabe-se que a equipe de profissionais de saúde, além de ser pouco numerosa, está impedida de realizar as visitas às casas-coletivas, porque o garimpo persiste no local, com inúmeros episódios de violência e ameaças. Ali, pelo menos 12 crianças menores de cinco anos vieram a óbito em 2023, sendo cinco por pneumonia.

De acordo com o informe, a "persistência de núcleos de exploração do garimpo no território impede a retomada das ações de promoção e prevenção em saúde em muitas das comunidades mais vulneráveis".

Devido ao clima de insegurança e conflito nessas zonas, os profissionais de saúde têm evitado realizar visitas em muitas aldeias, com sérias implicações para a realização de ações fundamentais de atenção básica, como vacinação, busca ativa de malária, pré-natal etc.

"Foi exatamente esse mecanismo que ajudou a produzir a crise, que atingiu seu ápice em 2022. Em 2023, já no cenário da declaração da emergência, a manutenção de altas taxas de mortalidade por doenças do aparelho respiratório, que vitimou pelo menos 66 pessoas na TI Yanomami, é uns dos maiores exemplos da correlação entre manutenção do garimpo e desassistência", constata o informe.

Recomendações feitas ao governo
As entidades apresentaram recomendações ao governo para que haja um enfrentamento da emergência sanitária. Entre elas:

A retomada urgente de operações de desintrusão (retirada de invasores) de garimpeiros no território yanomami.

A elaboração de um Plano de Proteção Territorial, que considere, por exemplo, o efetivo bloqueio fluvial e controle do espaço aéreo, além de ações regulares de fiscalização no entorno de pistas de pouso, portos e postos de combustível.

Desenvolver um plano para estimular o desarmamento voluntário nas regiões sensíveis.

Apoiar o reassentamento de comunidades afetadas pelo garimpo que manifestam o interesse de se mudar para um novo local por não ter condições mínimas de permanência.

Para conter a crise sanitária, são necessárias: reformas nas estruturas destinadas a atender os yanomamis; investimento na mobilidade dos funcionários dentro de território e criação de novas unidades de saúde.

Criação de uma força tarefa para o controle da malária.

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