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Conselho aprova exploracao da agua do rio Sao Francisco

FSP, Brasil, p.A4
18 de Jan de 2005

Uso tinha sido vetado em outubro; grupo promete recorrer à Justiça
Conselho aprova exploração da água do rio São Francisco
Luis Renato Strauss
Da sucursal de Brasília
O governo federal obteve ontem uma vitória em relação ao projeto de transposição do rio São Francisco -um dos projetos prioritários para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em uma disputa que levou mais de seis horas, o CNRH (Conselho Nacional de Recursos Hídricos) aprovou o projeto de integração das bacias do rio, garantindo o uso econômico das águas.
A aprovação de ontem era importante para garantir a continuidade do projeto.
Apesar dessa vitória, o governo ainda vai enfrentar as audiências públicas e a análise final do impacto ambiental da transposição que será feita pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Ontem, o assunto chegou a ser discutido na reunião de coordenação do presidente Lula com seus ministros.
Disputa
A queda-de-braço se deu novamente entre o governo e o Comitê da Bacia Hídrica do Rio São Francisco, que tem em sua composição usuários do rio, representantes de entidades civis e dos governos federal e de Estados e municípios da região.
O comitê havia vetado em outubro do ano passado o uso econômico das águas para atividades produtivas fora dos limites geográficos da bacia.
Ontem, o argumento era que a transposição criaria uma espécie de moratória para a aprovação de novos projetos de irrigação e acesso a água da população que está próxima do rio.
A preocupação se deve a uma cota estabelecida pelo Plano Hídrico do São Francisco, aprovado em outubro. Pela norma em vigor, todos os projetos de uso humano e econômico não podem ultrapassar uma vazão de 360 metros cúbicos por segundo. O problema é que 335 metros cúbicos já estão comprometidos com autorizações concedidas a empresários e governos estaduais e municipais. Se adicionados os 63 metros cúbicos por segundo de vazão de água que seriam disponibilizados após a realização da transposição do rio, o sistema ficará sobrecarregado em 11%.
A ANA (Agência Nacional de Águas), por sua vez, apresentou ontem um documento que mostra a "disponibilidade de sobra" de água para o projeto do governo, pois, apesar de ter sido autorizada a utilização de uma vazão de 335 metros cúbicos por segundo, somente 91 metros cúbicos por segundo estão sendo utilizados.
Agora cabe ao governo rever esses contratos, o que pode ser feito de forma "unilateral", segundo a própria agência.
O CNRH, que aceitou as explicações apresentadas por 36 votos favoráveis, dois contra e dez abstenções, aprovou o relatório e a transposição do rio.
Recurso
A Frente Nacional em Defesa do Rio São Francisco entrará com um recurso na Justiça questionando o resultado. A maioria do conselho nacional é composta por assentos do governo federal.
"Os representantes do governo foram orientados para votar a favor do projeto. Não aceitamos como o processo está sendo conduzido, não há necessidade de urgência na votação da matéria [o processo recebeu status de urgência]. O tema tem que ser debatido com calma", disse Luiz Carlos Fontes, secretário-executivo do Comitê da Bacia Hídrica do Rio São Francisco.
Ao longo das seis horas de discussão, a atenção dos jornalistas foi disputada para defender as versões contra e a favor do projeto de transposição. Em todo o período, somente houve um intervalo de dez minutos para os participantes "tomarem uma água". O auditório do Ibama, onde foi realizado o evento, esteve lotado durante toda a discussão.
O projeto de transposição prevê a construção de dois canais -um de 220 km e outro de 402 km-, que atenderão quatro Estados (PE,CE, PB e RN). Serão atendidos entre 9 milhões e 12 milhões de pessoas.
O governo estima que as obras devem ser iniciadas em abril. Para a execução da obra, ainda faltam ser realizadas oito audiências públicas nas regiões que serão atingidas pelo projeto, além da licença ambiental que deve ser concedida pelo Ibama.
O Ministério da Integração Nacional, no entanto, quer no início de fevereiro dar início ao processo de licitação, fazendo a consulta pública e a concorrência. Os ganhadores somente assinariam o contrato para a execução das obras quando fosse concedida a licença ambiental.

Análise do Ibama pode atrasar início de obras
O Ibama só vai analisar os impactos técnicos da transposição do rio São Francisco após ouvir a sociedade por meio de audiências públicas nos oito Estados envolvidos. O cronograma ameaça o início das obras no mês de abril, como planeja o governo federal.
Segundo o diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama, Nilvo Luiz Alves da Silva, é impossível, por ora, fixar prazo para a conclusão do processo de licenciamento ambiental -a principal pedra no caminho da obra com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer marcar seu mandato. "Entendemos as expectativas da Integração Nacional [ministério responsável pela obra], mas não há como antecipar os prazos", disse o diretor.
Após as audiências públicas -a segunda está marcada para hoje, em Natal- e uma análise sobre o conteúdo do Estudo de Impacto Ambiental da obra, o Ibama poderá emitir licença prévia ou determinar a complementação de estudos, adiantou Silva. "É possível que, nas audiências, surjam questões não tratadas no Estudo de Impacto Ambiental."
A licença prévia não autoriza o início das obras. Essa autorização só ocorre numa etapa posterior, depois da análise dos projetos executivos, que nem sequer foram submetidos ao Ibama. O diretor responsável pelo processo de licenciamento avalia que tem em mãos o projeto "mais complexo" na história do licenciamento ambiental do país.
O Estudo de Impacto Ambiental defende a obra, mas lista efeitos negativos, como a redução da geração de energia no rio e a perda de empregos diretos durante a desapropriação de terras. (MS)

Governo "blinda" terras para transposição no NE
Uma faixa de 2,5 km ao longo dos canais do projeto de transposição do Rio São Francisco, com 622 km de extensão, foi destinada pelo governo à reforma agrária por meio de um decreto do governo publicado em maio de 2004.
O texto, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, declara de interesse social uma área de 5.022 km2 ao longo dos canais, em um total de 310 mil hectares.
A medida -que tem a finalidade de inibir a especulação imobiliária às margens do canal- seria uma maneira de reforçar o caráter social da obra.
A transposição visa diminuir os efeitos da seca no semi-árido nordestino e promover o desenvolvimento da região. O início das obras está previsto para abril, mas pode haver atraso no cronograma proposto pelo governo.
Um levantamento feito pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) mostra que 50 mil hectares do total são próprios para a agricultura e devem dar lugar a projetos de assentamento.
Segundo o governo, 730 famílias que terão suas terras desapropriadas no eixo dos canais deverão ser reassentadas prioritariamente nos projetos de reforma agrária executados nas margens.
O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco estabelece a construção de dois canais -o Leste, que levará água para os Estados de Pernambuco e da Paraíba, e o Norte, que fará a passagem de água para o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte.
A primeira etapa do projeto receberá R$ 635 milhões. O custo total da obra está previsto em R$ 4,5 bilhões.

FSP, 18/01/2005, p. A4

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