OESP, Cidades, p. C3
06 de Out de 1997
Comissão pode alterar lei que protege mata atlântica
Substitutivo do deputado Paulo Bornhausen propõe a transferência da União para Estados e municípios da competência para administrar o ecossistema para ambientalista, manobra regimental é irregular
Pablo Pereira
A Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados deve votar nesta semana alterações na atual legislação sobre a mata atlântica. A comissão vai apreciar substitutivo apresentado pelo deputado Paulo Bornhausen (PFL-SC) ao projeto de lei n. 3.285/92, do deputado Fábio Feldmann (PSDB-SP). 0 texto de Bornhausen altera o projeto de Feldmann (atual secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo), que é apoiado por entidades de ambientalistas, e muda orientação do Decreto n. 750/93, assinado pelo ex-presidente Itamar Franco (PMDB-MG).
Bornhausen transfere da União para Estados e municípios a competência de administrar a questão ambiental no que se refere ao ecossistema da mata atlântica. "0 projeto de Feldmann é cópia do decreto", argumentou Bornhausen sexta-feira. Em Lisboa, de onde retorna esta semana acompanhar a votação do substitutivo, ele disse por telefone que "o decreto já esgotou sua fase".
A argumentação do parlamentar catarinense provocou protestos de ambientalistas. Em São Paulo, João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Instituto Socioambiental e fundador do SOS Mata Atlântica, acusou Bornhausen de tentar uma manobra regimental irregular para alterar a legislação. "0 texto aprovado na Comissão de Meio Ambiente não pode ser alterado na Comissão de Minas e Energia porque o regimento não permite mudanças de mérito", afirmou Capobianco.
"Mudar o decreto é um retrocesso", declarou Jairo Costa, presidente da Federação Brasileira para Conservação da Natureza (FBCN), no Rio. Ainda no Rio, o almirante Ibsen Câmara, que preside o conselho curador da FBCN, também defendeu o Decreto n" 750/93. Segundo Câmara, a floresta não pode ser fragmentada e cada parte entregue ao controle de um Estado. Ele lembrou que a mata atlântica é o "bioma mais ameaçado do País".
A mata ocupa hoje menos de 10% da área original, que se estendia do Nordeste ao Sul pela faixa litorânea. Estudo do SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontou que somente 8% da mata ainda resistia em 1990. O Atlas da Evolução dos Remanescentes F instais e Ecossistemas Associados do Domínio da Mata Atlântica, feito com imagens do satélite Landsat, revelou que o País perdeu 533 mil hectares de floresta na região entre 1985 e 1990. Pelos cálculos do Ibama, das 202 espécies de animais ameaçadas de extinção no País, 171 vivem na área.
Ameaça - Considerada patrimônio nacional pela Constituição - e reserva da biosfera pelo Unesco -, as formações de florestas atlânticas mais ameaçadas são encontradas na Serra do Mar e em ilhas do litoral dos Estados de São Paulo, do Paraná e de Santa Catarina.
Na semana passada, os ambientalistas contrários ao substitutivo receberam apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em Rio do Sul (SC), a 4ª. Reunião Nacional da Rede de ONGs da Mata Atlântica também atacou o deputado. 0 encontro, que teve representantes de 122 entidades, decidiu conferir ao deputado o título de Inimigo número 1 da mata atlântica".
Para não ficar somente nos discursos, os dirigentes das entidades recorreram ao deputado Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). 0 deputado enviou requerimento ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), solicitando encaminhamento imediato à Comissão de Constituição e Justiça do texto aprovado na Comissão de Meio Ambiente.
Temer acatou o pedido e comunicou a decisão a Ferreira em correspondência n. 932/97, de 24 de setembro. Mas o quadro mudou nos últimos dias. "Depois de falar com Bornhausen, Temer retirou a ordem, afirmou Capobianco. "Virou um jogo de regimento." 0 requerimento de Ferreira baseou-se no artigo 52 do Regimento Interno da Câmara.
Ferreira entende que, depois de aprovado na Comissão de Meio Ambiente, em 1995, com os prazos observados, o projeto de Feldmann deve ser enviado à Comissão de Constituição e Justiça, de onde deverá seguir para o Senado, sem que haja nenhuma alteração de mérito na Comissão de Minas e Energia. "0 projeto ficou na gaveta dessa comissão por 23 meses", justificou Capobianco.
Mas Bornhausen discorda 'Podas as comissões temáticas podem discutir a matéria", alegou. Ele disse que o argumento de Capobianco "não procede". De acordo com Bornhausen, o substitutivo representa um avanço na legislação ambiental. Ele explicou que mantém a delimitação proposta por Feldmann e não muda as regras de preservação. "Mas o substitutivo descentraliza as ações e cria um conselho integrado por entidades ambientalistas, prefeitura e Ministério Público", defendeu.
Para o deputado, "há entidades que trabalham a questão ambiental com uma visão de passado, que era a radicalização pelo centralismo das leis". Ele acha que havia "uma histeria" na discussão. "Essa atitude preserva pela lei, mas não na prática"
Polêmica - A polêmica está longe de ser encerrada. Os ambientalistas criticam o argumento usado para levar o projeto de Feldmann para a Comissão de Minas e Energia. "Ele alega que havia necessidade de análise de eventuais prejuízos à matriz energética dos Estados", disse Capobianco, referindo-se a Bornhausen. "0 Código Florestal não permite que a mata seja usada como lenha"
Para o presidente da FBCN, Jairo Costa, a alteração nas regras do decreto "é um absurdo". 0 decreto foi feito com apoio das entidades porque a tramitação do projeto do Feldmann poderia demorar e os ambientalistas queriam garantir uma proteção urgente. 0 presidente da FBCN condenou a estadualização do controle sobre a mata. "Em Alagoas o governo nada fez para proteger a mata", afirmou. "É a última mancha de floresta do Nordeste e estão cortando", criticou.
De acordo com o almirante Câmara, a intenção de Bornhausen faz parte de uma tentativa de mudança nas regras de proteção ambiental em todo o País: "0 governo está fazendo corpo mole, deixando correr."
Para Câmara., o que está ocorrendo com a mata atlântica segue a mesma linha de atuação do governo na Amazônia, que recebe investimento de madeireiros asiáticos. "Exploração de floresta tropical com manejo sustentável é um engodo."
OESP, 06/10/1997, Cidades, p. C3
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