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Comerciantes de Roraima decidem fechar lojas sem data para reabri-las

O Globo, O País, p. 5
08 de Jan de 2004

Comerciantes de Roraima decidem fechar lojas sem data para reabri-las

Além de isolado, o estado de Roraima ficou ontem também sem comércio. Em protesto contra a decisão do governo de homologar a reserva indígena Raposa Serra do Sol, área de 1,7 milhão de hectares demarcada em 1998, a Associação Comercial e Industrial de Roraima fechou, por tempo indeterminado, a maioria das lojas do estado. Produtores rurais e índios da etnia macuxi mantêm bloqueadas todas as rodovias que ligam a capital a outros estados, à Venezuela e à Guiana Inglesa. Na cidade, são longas as filas nos postos de gasolina. Com o abastecimento prejudicado por causa do protesto, Boa Vista pode ficar, em breve, sem combustível.

Os manifestantes reivindicam que a reserva seja homologada em ilhas, ou seja, excluindo da área indígena terras cultivadas e vilas. O Ministério da Justiça, porém, avisou ontem que pretende homologar toda a área demarcada de forma contínua. O governador de Roraima, Flamarion Portela (sem partido), apóia as reivindicações dos fazendeiros e diz que as manifestações são pacíficas. Ele alega que Roraima já é sede da reserva ianomâmi, a maior do país. Se a Raposa Serra do Sol for homologada como quer o governo federal, 46% da área total do estado serão ocupados por áreas indígenas. A Polícia Militar não está interferindo nos protestos.

Nem grávidas furam bloqueio

A população do estado já começa a sentir os efeitos da manifestação. As rodovias BR-174 (que liga Boa Vista a Manaus e à Venezuela) e a BR-401 (entre a capital e a Guiana Inglesa) estão interditadas há dois dias. Ontem, no fim do dia, os manifestantes começaram a impedir também a passagem de carros com mulheres grávidas, doentes, caminhoneiros com cargas perecíveis e de policiais militares em veículos próprios. Houve muita discussão e até ameaças, nos pontos de bloqueio.

Dezenas de caminhões e carretas estão parados nas estradas. Muitos motoristas reclamaram que perderiam a carga (maçã, uva e banana), mas os manifestantes não os deixaram passar. Apenas os carros oficiais da Polícia Militar, dos bombeiros e as ambulâncias estão podendo furar os bloqueios.

Quem está faturando com a manifestação são os ambulantes. No engarrafamento provocado pelo protesto, vende-se de tudo: água, refrigerantes, bombons, lanches, frutas e até quentinhas. Dezenas de taxistas pararam próximo aos bloqueios esperando por quem desiste de aguardar uma solução e desce dos ônibus e carros particulares retidos pelos manifestantes. Passageiros que chegam do interior do estado ou de Manaus têm que andar alguns quilômetros para atravessar o bloqueio. Se quiserem mais conforto, são obrigados a desembolsar R$ 20 para pagar um táxi até o centro de Boa Vista.

Índios ocupam sede da Funai

O inspetor da Policia Rodoviária Federal de Roraima Walker Barbosa disse que espera uma decisão da direção do órgão, em Brasília, para tomar uma atitude. A PRF não tem agido para desobstruir as estradas.

Cerca de 200 índios da etnia macuxi também estão ocupando a sede da Funai em Boa Vista há dois dias.

Religiosos continuam reféns de índios

Três religiosos continuam reféns na aldeia Contão, no Norte de Roraima. Os padres Romildo Pinto de França e Cezar Avellaneda e o missionário Juan Carlos Martinez estão sob a guarda dos índios desde a madrugada de anteontem, quando houve a invasão da aldeia de Surumu, onde funciona uma missão religiosa. Os índios chegaram a anunciar que eles seriam libertados, mas, irritados com os boatos de que os religiosos haviam sido torturados, decidiram continuar com os reféns.

- Com essa mentira, nós só vamos liberá-los depois que autoridades vieram à região e trouxerem médicos para constatar que eles não sofreram qualquer tipo de agressão - disse o índio Jonas Marcolino.

Em Boa Vista, no início da tarde de ontem, 15 índios foram à Catedral Cristo Redentor, sede da Igreja Católica no estado. Humberto Rosa dos Santos, da comunidade de Água Fria, disse que o grupo pretendia falar com o bispo dom Apparecido para garantir a ele que o protesto dos indígenas é pacífico e contestar boatos de que eles planejavam invadir a igreja. Os índios não foram recebidos pelos religiosos.

Quando o grupo deixou a igreja e já chegava perto da sede da Funai, foi abordado por uma equipe da Policia Militar. Segundo os policiais, havia uma denúncia de que os índios queriam agredir os padres e depredar o prédio. Os PMs apreenderam arcos e flechas que estavam com eles.

- Fomos para dialogar e terminamos surpreendidos por denúncias infundadas. Não pretendíamos invadir a Diocese, queríamos apenas esclarecer as informações mentirosas que estão plantando através do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) - disse o índio Humberto.

O bispo não foi encontrado para comentar o assunto.

O Globo, 08/01/2004, O País, p. 5

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