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Com sementes crioulas ameaçadas, comunidades quilombolas dizem #TáNaHoradaRoça

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Autor: Roberto Almeida
21 de Ago de 2018

Uma espiga de milho diferente, amarelo forte de palha fina, chegou pelas mãos de Leonila Priscila da Costa Pontes, do Quilombo Abobral Margem Esquerda, e amanheceu dentro de uma sacolinha na Praça Nossa Senhora da Guia, em Eldorado (SP). Esperava pelo início da 11a. edição da Feira de Troca de Sementes e Mudas dos Quilombos do Vale do Ribeira.

Logo apareceu, sob a chuva fina da manhã, Benedita Rosa de Oliveira, do Quilombo Maria Rosa, que gostou do que viu. Não demorou e aquela espiga diferente, pequenina, amarelo forte de palha fina, estava sob uma festa de perguntas e sorrisos. A conversa entre as duas espantou o frio de agosto. Companheiras de luta, como gostam de dizer.

Será que esse milho faz fubá bom? Faz pixé [uma paçoca de milho com amendoim e rapadura]? A palha fininha assim desse milho vai aguentar o frio?

Como o milho é novidade, tudo é motivo de curiosidade para Leonila e Benedita-e motivo para trocar sementes, mudas e conhecimento até encontrar as respostas.

Em troca, Leonila recebeu de Benedita espigas de milho amarelão branco de palha roxa. Palha resistente, palha do milho dos avós, reforçou a quilombola. Uma variedade de milho resgatada pelas comunidades.

"Vamos ver qual que vai dar melhor. O nosso ou esse que a Leonila trouxe. Ano que vem a gente vai trazer aqui na feira de novo para descobrir", comemorou Benedita. E estava feita uma das milhares de trocas de mudas e sementes que já aconteceram em 11 edições de feira.

Uma pergunta ainda ficou no ar: mas de onde veio o milho novo de Leonila?

Partilha e companheirismo
A origem do milho diferente, amarelo forte de palha fina, carrega a história da partilha de mudas e sementes, da força das roças quilombolas e do companheirismo entre as comunidades que, mesmo sob pressão, estão unidas pelo Sistema Agrícola Tradicional Quilombola (saiba mais aqui).

A história dessa simples troca de variedades entre Leonila e Benedita, por exemplo, é uma saga que envolve três comunidades e atravessa quilômetros até a divisa entre São Paulo e Paraná.

Leonila havia deixado de plantar por quatro anos. "Ainda deu uma seca! Perdi a muda de milho", lamentou. Por um acaso, Sueli Berlanga, da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eeacone), estava voltando de uma visita ao Quilombo Ribeirão dos Francos, em Adrianópolis (PR), com mudas de milho daquela comunidade. E as entregou a Leonila.

Sozinha, aos 61 anos, a quilombola não conseguiria abrir uma roça sozinha. Pediu ajuda a Antonio Jorge, do Quilombo Pedro Cubas, que atendeu prontamente com braço e disposição. "É como a gente faz nossos mutirões. Abri a roça para a Leonila sem cobrar nada, a gente se ajuda", disse. "Queremos liberdade para trabalhar em nossas roças. Nós nunca fomos predadores, somos preservadores de toda vida. É meio ambiente com gente."

Milho novo posto, milho novo crescido, milho novo que, conta Leonila, tem destino certo. "Alguns eu trouxe para trocar na feira. E eu vou continuar o que mais velhos faziam. Vou fazer com ele um bolo de roda. Botar [o milho] de molho e pilar para tirar o fubá. Ano que vem eu trago na feira para vocês experimentarem", disse.

Sem semente não tem feira, não tem roça, não tem alimento
Perder variedades de sementes crioulas, para Benedita, é o mesmo que perder a família. O que se segue é desalento. Os jovens das comunidades, sem horizonte, apertam o passo rumo a trabalhos precários nas cidades próximas. O êxodo rural continua para as novas gerações.

"Nós temos como viver sem ter que ir para as periferias", afirma a quilombola. "Mas os jovens perguntam: como é que vai ter cooperativa se o governo não deixa vocês plantarem?"

O desafio foi aceito. A campanha #TáNaHoradaRoça, lançada pelas associações quilombolas do Vale do Ribeira e seus parceiros nesta sexta-feira (17/08), exige que o governo de São Paulo libere as licenças de plantio de roças no tempo certo (apoie você também, assine a petição!), sem burocracia. Assista ao vídeo da campanha abaixo.

Pesquisas da Universidade de São Paulo já comprovaram que as roças dos quilombolas do Vale do Ribeira ajudam a manter a Mata Atlântica preservada (assista aqui ao documentário). Não por acaso, a região abriga o maior trecho desse tipo de floresta em todo o país.

"O trabalho não pode parar. Se parar, o que será do futuro das comunidades? Crianças negras baleadas nas periferias", disse Elvira Morato, do Quilombo São Pedro, durante o lançamento da campanha. "Queremos nosso direito de fazer roça e sempre plantar nossas sementes."

"O modelo de desenvolvimento que tem aí não é o modelo que queremos", reforçou Denildo Rodrigues de Moraes, o Biko, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). "Somos detentores de direitos e protagonistas de nossa história. As correntes se soltaram, mas continuamos presos pela invisibilidade."

Entre os quilombolas, a questão das licenças é urgente. As roças são sua maior riqueza-tanto que a produção, sem agrotóxicos, chega à merenda escolar. "Uma vez me disseram: coitados dos quilombolas! Eu disse não, coitados de vocês que são empregados e tem que comprar cebola. A gente tira todo nosso sustento da roça", contou Hermes Modesto, do Quilombo Morro Seco.

A realização anual da Feira de Troca de Sementes e Mudas, para os participantes, é acreditar no futuro. "Conseguimos resgatar a diversidade das nossas sementes com a feira", disse Edivina Maria Tiê Braz da Silva, do Quilombo Pedro Cubas de Cima. "A comida saudável, sem droga, sem veneno, vai voltar para a mesa das pessoas", garante Benedita, com milho novo para plantar.

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