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Clima - desastres e esperanças

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
05 de Mar de 2004

Clima - desastres e esperanças

Washington Novaes

Em algumas regiões do Nordeste, choveu em janeiro até sete vezes mais que a média histórica. Em certas partes de Goiás, em 50 dias caiu tanta água quanto em todo o ano passado. No Nordeste ou no Centro-Oeste, açudes e barragens de hidrelétricas ou de projetos de irrigação estão-se rompendo ou abrindo comportas para evitar o rompimento - e com isso liberam um fluxo de água até seis vezes maior que o normal. Provocam enchentes e expulsam de suas casas pessoas que ocupam áreas de risco ou antigas planícies de inundação natural.
Por que tudo isso está acontecendo? As respostas são vagas. Parece não haver este ano conseqüências do El Niño ou do La Niña. Fala-se difusamente em maior freqüência de frentes frias ou em massas de ar tropical. Explicam pouco. Mostram com clareza - porque os tempos são outros - que precisamos avançar muito na montagem de um sistema de informações bem mais amplo em matéria de clima. Além de repensar nossa engenharia hidráulica e suas relações com a ocupação do solo e o manejo dos recursos hídricos.
É exatamente o que a Europa está fazendo - mostra a revista New Scientist (10/1/2004) -, depois de castigada durante dois anos seguidos por inundações terríveis, consideradas entre as piores desde a Idade Média - no sul da França, no Rio Danúbio, no Reno, na Inglaterra, na Escócia, na Áustria, na Alemanha, na República Checa, na Hungria, na Holanda. Elas custaram muitos bilhões de dólares.
Em praticamente todos esses lugares se cuida agora de evacuar as margens de rios e devolver-lhes suas antigas planícies de inundação natural. Abrem-se antigos diques de contenção. Restabelecem-se meandros de rios para que eles fluam mais devagar. Implantam-se drenos nas áreas urbanas para que as águas de chuvas possam voltar a infiltrar-se. No Reno, por exemplo, em 200 anos o rio perdeu 7% de sua extensão (por retificações da calha) e 80% das planícies de inundação - e a água aumentou em um terço sua velocidade.
A Europa tenta também melhorar seu sistema de previsões de tempo, assim como habilitar sua engenharia a lidar com inundações. Como diz um hidrologista europeu citado pela revista, é preciso ter uma nova visão da engenharia, que não se limite aos rios e abranja toda a paisagem; e, nela, a ocupação humana.
A Grã-Bretanha está entre os mais empenhados nessas direções. Desconstrói diques, restabelece planícies de inundação e antigos "furos" que ligavam os rios ao mar e foram fechados. A própria Holanda, país dos diques, autorizou seus técnicos a neles abrir passagens para a água e a restabelecer em um sexto do território áreas de inundação. A Alemanha, que também está restabelecendo milhares de quilômetros de planícies de inundação no Baixo Reno, testa em pequenas comunidades substituir o asfalto nas rodovias por paralelepípedos (que deixam entre eles áreas de infiltração para a chuva).
As revistas científicas publicam com freqüência cada vez maior anúncios de convocação de hidrologistas e meteorologistas para integrar equipes capazes de montar sistemas de informações hidrológicas, modelagens climáticas, modelos de relação com os oceanos, mapas de inundações, sistemas de previsão.
Mesmo nos Estados Unidos se acentuam as críticas aos velhos modelos de retificação e dragagem dos rios, pavimentação das margens, eliminação das planícies de inundação - como no Rio Mississippi, por exemplo. Em Los Angeles - cidade que tem 70% de seu solo impermeabilizado e importa do Arizona, a centenas de quilômetros, metade da água que consome - está sendo testada numa pequena comunidade uma "cidade porosa", capaz de permitir a infiltração da água e seu armazenamento. Um técnico lembra que ali "a água de chuva desperdiçada equivale a metade do consumo total", que custa uma fortuna importar. Talvez devêssemos fazer contas semelhantes por aqui.
Mudanças climáticas vão, assim, assumindo um destaque cada vez maior na comunicação mundial. Jornais do mundo todo comentam estudo preparado por um especialista do Pentágono - e já mencionado neste espaço há algumas semanas - que aponta mudanças climáticas como a maior ameaça dos próximos tempos, capaz de mudar toda a geopolítica global. Porque os países poderiam recorrer até à guerra nuclear para defender suas reservas de água, suas fontes de energia, sua produção de alimentos, num mundo profundamente transformado pelas mudanças climáticas.
Nesse contexto, ao mesmo tempo que a União dos Cientistas Preocupados dos EUA - com a assinatura de 60 especialistas, entre eles 20 Prêmios Nobel -, acusa o presidente Bush de haver manipulado as informações científicas sobre clima no mundo, outra cientista, Rosalie Bertell, citada pelo economista Michel Chossudowski, da Universidade de Ottawa, no Canadá, assegura que o Pentágono estuda usar mudanças climáticas como arma - produzindo tempestades, mudanças nos fluxos de evaporação para causar inundações, etc.
Tudo isso - que também estaria nos projetos russos - se desenvolveria no âmbito do HAARP, que é parte da Strategic Defence Initiative. Mas não há nenhuma evidência de que esses caminhos já estejam sendo trilhados.
Pelo ângulo positivo, o diretor do Tyndall Centre for Climate Change Research, John Schellnhuber, da Universidade de East Anglia, assegura que "80% dos políticos importantes dos Estados Unidos reconhecem - em 'princípio' - que mudanças climáticas são uma ameaça real e podem levar a mudanças de postura no governo". E o ministro do Meio Ambiente do Canadá, David Anderson, acha que "os Estados Unidos se unirão aos esforços para reduzir as emissões de gases poluentes, porque sua segurança nacional está em risco". Não será pelos caminhos do Protocolo de Kyoto, diz ele, e sim por "caminhos paralelos".
A União Européia impõe cotas de redução de emissões a seus países e estes fixam limites para suas indústrias. Que começam a comprar "créditos de carbono" mundo afora, inclusive no Brasil. A Austrália perde mercados para suas empresas na Europa, por causa dos níveis de poluição.
Parece ser, de fato, um ponto de inflexão. Mas os caminhos ainda não estão claros.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 05/03/2004, Espaço Aberto, p. A2

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