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Chernobyl, Wuhan e os Princípios do Direito Ambiental

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Autor: Guilherme José Purvin de Figueiredo
23 de Mar de 2020

Recentemente, um deputado federal comparou o comportamento da China, retardando a divulgação da pandemia de corona-vírus, ao da antiga União Soviética quando da tragédia de Chernobyl, ocorrida no dia 26 de abril de 1986, numa cidade próxima à fronteira entre a Ucrânia e Belarús. Para a maior parte das pessoas, esse acidente é algo distante demais para despertar algum sentimento mais forte. O Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética era Mikhail Gorbachev, o mesmo que, alguns anos mais tarde, promoveria o fim da URSS. Em 2015, a tragédia de Chernobyl foi relembrada em obra de autoria de Svetlana Aleksiévith, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura 2015 ("Vozes de Tchernóbil - A história oral do desastre nuclear").

Não há como negar que alguns paralelos são facilmente detectáveis. Da mesma forma que aconteceu com relação aos engenheiros responsáveis pela usina nuclear soviética, houve, da parte de Zhou Xianwang, prefeito da cidade de Wuhan, epicentro do surto viral, uma demora para torna-lo público. Sem a informação necessária, não foi possível buscar uma resposta imediata para o combate à doença.

Por conta dessa demora, o deputado federal brasileiro e presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional - CREDN, da Câmara dos Deputados, comparou Wuhan a Chernobyl e criou um grave incidente diplomático, ao concluir que as duas tragédias decorreram da ausência de liberdade e de transparência de informação em países comunistas (lembrando que a Ucrânia, na época do acidente, integrava a União Soviética).

O acidente de Chernobyl exerceu um papel crucial não apenas na história da guerra fria, como também na fixação das bases de ao menos dois princípios basilares do Direito Ambiental. São eles o princípio da informação e o princípio da cooperação internacional.

Cabe aqui recordar que em 1986 foram assinadas em Viena duas convenções sobre radioatividade - uma determinando a imediata notificação em caso de acidente nuclear de emergência radiológica e outra estabelecendo mecanismos de cooperação internacional.

Contudo, é importante destacar que a notícia da epidemia COVID-19 ocorreu em janeiro de 2020. Ou seja, há pelo menos dois meses as autoridades mundiais já estavam cientes desse fato. Ainda assim, não foram capazes de tomar as medidas imediatamente necessárias para a contenção da doença.

Esta impotência dos governos em impor com urgência medidas sanitárias eficazes talvez esteja relacionada com as próprias características do Estado Neoliberal, que por definição não se opõe às exigências impostas pelo mercado.

Ora, a fixação de restrições de circulação e o fechamento de estabelecimentos de grande afluxo de público, ou ainda o direcionamento da produção econômica para o combate à doença, seriam medidas inteiramente incompatíveis com o modelo capitalista contemporâneo.

Vale dizer, ainda que tivessem sido observados rigorosamente os princípios jus-ambientais da informação e da cooperação internacional pela China, isso nenhum resultado positivo traria se, do outro lado do planeta, não forem respeitados os princípios da obrigatoriedade da intervenção estatal (incumbe ao poder público tomar tempestivamente todas as medidas necessárias para a defesa da coletividade) e da prevenção (evitar o dano que decorrerá da inação, pois ele é reconhecido e incontroverso).

O quadro político-administrativo neste Brasil de 2020 exemplifica à saciedade que a menção a Chernobyl não passou, mais uma vez, de bravata, verborragia, guerra de narrativas. Não trouxe absolutamente nenhum proveito para a defesa da população e para a diplomacia internacional. Pelo contrário, como se tem notado pelo teor dos editoriais de alguns veículos de comunicação conservadores, além da ofensa ao povo chinês, o destempero verbal poderá ainda ocasionar danos ao setor do agronegócio brasileiro.

https://www.oeco.org.br/colunas/guilherme-jose-purvin-de-figueiredo/che…

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