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Cerrado: patrimônio nacional

CB, Opinião, p. 17
Autor: ROLLEMBERG, Rodrigo
03 de Nov de 2007

Cerrado: patrimônio nacional

Rodrigo Rollemberg
Deputado federal pelo PSB/DF

Tramita há 12 anos no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 115/95, que consagra cerrado e caatinga como patrimônios nacionais na Constituição Federal. Os constituintes de 1988 cometeram equívoco ao não incluir esses dois biomas na Carta Magna, a exemplo do que foi feito com a Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Pantanal, Serra do Mar e Zona Costeira.
O cerrado ocupa 24% do território nacional. Por sua localização central, serve de zona de integração entre os diversos biomas brasileiros. É o berço das águas, sendo responsável por 70% das descargas dos rios São Francisco, Paraná e Tocantins.
No que se refere à biodiversidade, é um dos biomas mais ricos do planeta. Estima-se que existam 10 mil espécies de plantas, das quais 4.400 são endêmicas, ou seja, encontradas apenas na região e constituem material genético precioso para melhoramentos e desenvolvimento de plantas resistentes a longos períodos de estiagem e mudanças bruscas de temperatura, fundamentais para possíveis adaptações ao aquecimento global.
Só no Centro-Oeste vivem 50 grupos étnicos, em 123 terras indígenas, com cerca de 82 mil pessoas, destacando-se os xavantes, guaranys, cintas largas, terenas, jurunas, karajás e kayapós. Recentemente tive a oportunidade de conhecer um grupo da etnia krahô, em Tocantins.
Mesmo com todas essas características, o cerrado corre perigo e pede socorro. Sua taxa de desmatamento, de 1,5% ao ano, é alarmante e já superou as taxas de desflorestamento da Amazônia. As carvoarias ilegais, que produzem carvão, sobretudo para as usinas siderúrgicas mineiras, são as grandes responsáveis por sua destruição criminosa. As ações de fiscalização dos governos federal e estaduais são tímidas e insuficientes.
A região que abriga o cerrado tem grande potencial econômico e constitui área nobre para a expansão da agroenergia. Esse potencial, se bem explorado, com zoneamento ecológico-econômico, deve significar desenvolvimento e geração de renda. Se explorado de forma desordenada, significará o fim do que resta de cerrado. No estado de Goiás existem 15 usinas de açúcar e álcool que ocupam 0,8% do território estadual.
Mais 51 novos projetos estão aprovados e, quando implantados, ocuparão 5% do território goiano, área equivalente à ocupada pela soja atualmente. Somente na região Centro-Oeste existem 50 milhões de hectares de pastagens degradadas que devem ser usadas para a expansão da agroenergia (etanol, biodiesel, florestas energéticas) evitando a expansão da agricultura sobre novas áreas de cerrado.
Instituições como a Embrapa, universidades federais e estaduais, ministérios da C&T e do Meio Ambiente já se articulam em torno da rede de pesquisa para conservação e uso sustentável do cerrado. O objetivo é ampliar o conhecimento sobre fatores ambientais e socioeconômicos que interferem na situação do bioma, com enfoque para o uso da terra e desenvolvimento de tecnologias de aproveitamento sustentável da biodiversidade e demais recursos naturais. É necessário tornar disponível o conhecimento científico para a formulação e implementação de políticas públicas na região.
Todas essas razões são suficientes para justificar a aprovação da PEC 115/95, que se encontra pronta para votação. Sua aprovação não gera efeitos práticos imediatos, mas reflete o reconhecimento pelo Congresso Nacional da importância desse bioma brasileiro, consagrando o que o eminente jurista Paulo Bonavides denomina de "supremacia dos princípios" na Constituição Federal.
O cerrado, ao receber status de patrimônio da nação na Constituição Federal, obriga a todos a agirem com responsabilidade em relação ao seu manejo, colocando os interesses públicos acima dos particulares. E será, sem dúvida, grande demonstração de sensibilidade e de sabedoria do Congresso brasileiro, que entenderá que o cerrado é patrimônio nacional de fato.
Precisa ser de direito.

CB, 03/11/2007, Opinião, p. 17

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