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Casas que ameaçam o verde

O Globo, Rio, p.19
13 de Nov de 2005

Casas que ameaçam o verde
Construções irregulares de classe média ocupam encostas, ilhas e áreas de proteção
Nem só de tijolos aparentes ou de madeira são feitas casas em situação irregular no Rio. Tampouco essas moradias são encontradas apenas em favelas. É o caso das cerca de 900 residências construídas em 11 das nove ilhas da Lagoa da Tijuca, na Barra, onde só podem ser erguidos clubes e restaurantes. Acima da cota 100 (cem metros acima do nível do mar), o Condomínio Canto e Mello, na Rua João Borges 240, na Gávea, é outro exemplo: tem 25 casas, embora a legislação prevista para a área só permita duas, ou seja, uma por lote. Um pouco abaixo da cota 100 (na verdade, na cota 83), prédios da Chácara Sacopã, na Fonte da Saudade, ganharam cobertura sem autorização da prefeitura.
Por impedimentos da legislação, imóveis de classe média como esses foram construídos sem licença em encostas, ilhas e faixas marginais de proteção de cursos dágua, segundo a Secretaria municipal de Urbanismo e a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla). Diferentemente do que acontece com moradores de favelas, os donos ou cessionários de terrenos travam batalhas judiciais ou tentam negociar soluções administrativas para seus imóveis com a prefeitura e a Serla.
Casa demolida deu lugar a um abrigo
Os exemplos se sucedem. Na Barra, colada ao Canal da Joatinga, a casa 680 da Rua Presciliano da Silva escapou da demolição em 2003, quando as residências vizinhas — de números 576 e 578 — foram postas abaixo pela prefeitura. Todas foram construídas sem licença do município e na faixa marginal de proteção do canal. O dono da casa 680, que não quer ser identificado, conta que a prefeitura perdeu a ação movida contra ele e que há seis anos entrou com pedido de legalização de seu imóvel, até hoje em tramitação:
— Comprei o terreno da Companhia de Expansão Territorial — diz.
Apesar de ter o documento de compra do terreno da mesma companhia, o dono da casa 578, o representante comercial Emílio Correia, não conseguiu evitar que seu imóvel fosse derrubado em 2003. No lugar, ele improvisou um abrigo com madeira, coberto por plástico e esteiras, para guardar parte de seus móveis. Lá deixou um caseiro e três cachorros. Emílio conta que se mudou para uma quitinete na Tijuquinha, uma favela no Itanhangá. Mas pretende reconstruir sua casa. Ele elaborou um projeto seguindo as exigências legais, que vai submeter à Secretaria de Urbanismo.
— Mesmo com a casa demolida, este ano a prefeitura me cobrou R$1.244 de IPTU residencial — conta.
Ainda na Barra, o gerente regional da Serla, Wilson Júnior, estima que 200 casas erguidas nas ilhas da Lagoa da Tijuca ocupem a faixa marginal de proteção, de 30 metros. No início do ano, ele pediu ao Ministério Público a formação de um grupo de trabalho para decidir o que fazer.
— Tem de haver um plano conjunto para cuidar das ilhas envolvendo a União, o estado e o município.
As ilhas pertencem à União, mas nem todos os ocupantes pagam taxas anuais (entre 2% e 5% do valor do terreno) ao Serviço de Patrimônio da União (SPU). Há o registro de 301 pagantes. O gerente do SPU, Paulo Simões, alega que o órgão nada tem a ver com as construções:
— Isso é competência da prefeitura, que legisla sobre as edificações.
Da parte da prefeitura, o secretário de Meio Ambiente, Ayrton Xerez, criou um grupo de trabalho, que está concluindo um plano urbanístico e ambiental para as ilhas, a ser enviado ao prefeito Cesar Maia. Ele lembra que o decreto 9.160 limita a clubes e restaurantes a ocupação de ilhas.
Luiz Zanon, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Gigóia, a maior da Lagoa da Tijuca, conta que a ocupação do lugar começou há 50 anos:
— Embora muitas casas paguem IPTU, não temos licença da prefeitura. Isso nos deixa inseguros.
Na Chácara Sacopã, na Rua Sacopã 852, há 64 apartamentos, distribuídos por dois blocos (cada um com quatro módulos). Na década de 80, foram construídas, sem licença, coberturas em mais da metade dos apartamentos do segundo andar. O síndico José Francisco Costa diz que o condomínio nada tinha a opor, já que as coberturas estão previstas na convenção e nas escrituras dos imóveis. Há nove anos a prefeitura foi à Justiça contra os apartamentos que fizeram o puxadinho” e ganhou a ação no Superior Tribunal de Justiça, mas os moradores ainda tentam sustar a demolição.
Segundo a Secretaria de Urbanismo, o processo de legalização das coberturas foi indeferido depois de pareceres da Secretaria municipal de Meio Ambiente e da Procuradoria Geral do Município, por ficarem dentro da Área de Proteção Ambiental do Sacopã.
O escritório que administra o Condomínio Canto e Mello, na Gávea, foi procurado, mas ninguém quis falar sobre a situação das casas. Segundo o secretário de Urbanismo, Alfredo Sirkis, há ações em curso contra todas as casas do condomínio.
Ainda na Gávea, Raul Canto e Mello ergueu oito bangalôs num terreno de sua propriedade acima da cota 100, vizinho ao Parque da Cidade. Um deles foi derrubado ano passado pela prefeitura. Raul garante ter documento do Ibama autorizando-o a utilizar 60 mil dos 500 mil metros quadrados do terreno. Ele assegura que só usa mil metros. Raul foi alvo de ação criminal por corte de árvores e está sendo multado pelo Ibama.
— O lugar foi uma vila de colonos de uma fazenda de café. Tinha casas quando foi comprado por meu pai em 1972. Não cortamos uma árvore — diz Raul. — A burocracia para se construir no próprio terreno é grande. Por isso, as favelas crescem.

PREFEITURA EMBARGA OBRA DA AERONÁUTICA
Blocos com 96 apartamentos estavam sendo construídos sem licença
Até obras em áreas públicas descumprem normas urbanísticas. Por falta de licença da prefeitura, o secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, embargou na quarta-feira passada a construção de 12 blocos de dois andares sobre pilotis, com 96 apartamentos, num terreno do Ministério da Aeronáutica junto à Rua Raquel de Queiroz, perto do Aeroporto de Jacarepaguá e do Clube da Aeronáutica.
— Essa obra envolveu muito aterro e, aparentemente, devem tê-la iniciado há dois meses, sem que houvesse consulta à Secretaria de Urbanismo — diz Sirkis.
Segundo o secretário, o empreendimento está com a fundação concluída, vários blocos com a primeira laje pronta e um dos prédios em concretagem da segunda laje. A empresa responsável pelo serviço é a Prescon Construtora de Projetos e Estruturas, que venceu a licitação.
A obra prosseguiu normalmente no dia seguinte ao embargo. Sexta-feira, o subsecretário de Urbanismo, Augusto Ivan de Freitas, conversou com a Aeronáutica, que se comprometeu a suspender a construção, até que o pedido de licença, protocolado quarta-feira pela Prescon, seja analisado.
Diretor da Prescon, Sergio Fracassi atribui ao desconhecimento da legislação da área, até por parte do contratante (a Aeronáutica), o fato de a licença não ter sido solicitada à Secretaria de Urbanismo:
— A área é federal. Nessa subzona, é permitida a ocupação para aeroporto ou atividade institucional. Estão sendo construídos apartamentos funcionais, para serem ocupados por oficiais em trânsito ou transferidos. Trata-se de uma atividade institucional.
Procurada desde quarta-feira pelo GLOBO, a assessoria de imprensa da Aeronáutica não deu as informações pedidas.
Sirkis explicou que foram os fiscais da prefeitura que descobriram a construção irregular, após uma vistoria de rotina. Não houve, portanto, denúncia. De acordo com uma placa instalada no local, a construção custa R$16.455.764.

O Globo, 13/11/2005, p. 19

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