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Carvão, a vergonha nacional?

O Globo, Opinião, p. 19
Autor: OLIVEIRA, Nicole Figueiredo de
12 de Nov de 2016

Carvão, a vergonha nacional?

Nicole Figueiredo de Oliveira

Enquanto a delegação brasileira está no Marrocos tentando convencer os líderes mundiais presentes na COP 22 - a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima após a entrada em vigor do Acordo de Paris - de que as metas e compromissos assumidos são suficientemente ambiciosos e confiáveis, no Brasil, o presidente Michel Temer tem um importante dever de casa a fazer: não desafinar o coro, indo contra tudo o que está sendo debatido ali, ao aceitar a proposta que incentiva nacionalmente o uso de carvão.
Aprovada no Senado em 19 de outubro, o Projeto de Lei de Conversão 29/2016, que prevê a construção de novas centrais termelétricas alimentadas a carvão a partir de 2023, aguarda o crivo presidencial. No caso de um veto, o Congresso tem 30 dias para apreciar novamente a medida.
Uma vez aprovada, ela não só representará mais emissões para o país, já que o carvão é uma das fontes mais poluentes, como também uma alta nos valores das contas de luz elétrica de cada brasileiro. Isso porque as usinas térmicas que geram energia a partir de fontes fósseis possuem um custo de geração mais alto do que outras movidas a energias renováveis.
No último dia 28, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou, sob a justificativa de "uma condição hidrológica menos favorável", por conta das secas, que terá que acionar térmicas fósseis e, por isso, os consumidores pagarão uma taxa extra de R$ 1,50 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumido neste mês de novembro.
Ou seja, nem bem o programa de incentivo ao carvão foi aprovado, e os cidadãos já podem sentir no bolso os efeitos da crise energética, ambiental e econômica que está a caminho caso o governo acate a medida. Isso nos leva a pensar: termelétricas fósseis são mesmo parte da solução, como o governo quer fazer parecer, ou são parte do problema?
Vamos aos fatos. A queima de combustíveis fósseis emite gases causadores do efeito estufa, podendo elevar as temperaturas terrestres a níveis não suportáveis para a vida no planeta. O aquecimento global ocasiona mudanças climáticas extremas como o derretimento das calotas polares, o consequente aumento dos níveis do mar e o desregulamento do regime de chuvas, que causa desde alagamentos e deslizamentos de terra a secas cada vez mais intensas.
Estas últimas, por sua vez, colocam em risco o abastecimento dos reservatórios hidrelétricos que, no caso do Brasil, são a principal fonte da matriz energética. Esse fator leva o país a recorrer a fontes fósseis, o que contribui para o efeito em cadeia, agravando ainda mais a crise climática mundial.
Tirar o Acordo de Paris do papel, portanto, exigirá mais do que sair bem na foto da COP. Conter o aquecimento global demanda políticas de descarbonização, com retirada de investimentos em combustíveis fósseis e reforço dos recursos renováveis em todos os setores da economia.
Essa guinada é urgente e, com vontade política, ela é possível. Ao invés de seguir olhando para o século 19, o Brasil tem em suas mãos a chance de se colocar como exemplo para o mundo. Presidente Temer, não nos envergonhe.

Nicole Figueiredo de Oliveira é diretora da 350.org Brasil e América Latina e coordenadora nacional da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida

O Globo, 12/11/2016, Opinião, p. 19

http://oglobo.globo.com/opiniao/carvao-vergonha-nacional-20458421

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