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Caos e correria

FSP, Cotidiano, p. C4
29 de Jan de 2015

Caos e correria

Anúncio de possível rodízio de água por 5 dias em SP vira 'piada' em condomínio na periferia, há 11 dias com as torneiras secas, e faz moradores começarem a estocar galões no centro e na zona oeste

Felipe Souza de São Paulo

Chorando copiosamente, a segurança Andreia Mafra Gentile, 38, abre a porta do apartamento em Guaianases, no extremo leste de São Paulo, para mostrar como vive há 11 dias sem água.
Moscas sobrevoam a louça suja na pia, enquanto o cheiro do esgoto acumulado na fossa do prédio invade as janelas do condomínio de casas populares da Vila Hortência, a cerca de 27 km do centro da capital.
Junto com outros vizinhos, ela chegou a tentar fazer uma vaquinha para comprar um caminhão-pipa, mas não deu. "A maioria não tem dinheiro nem para comer", afirma.
Andrea contou que está com uma infecção, e os lençóis da cama amanhecem sujos de sangue.
Sem uma gota na torneira, sai com os dois filhos --uma menina de 13 anos e um menino de 11-- e anda cerca de um quilômetro para buscar água na casa de amigos.
Cada criança carrega seis garrafas pet, enquanto ela leva um galão de 20 litros. "Nós somos em cinco, então temos de fazer mais de uma viagem. Com muita economia, gastamos só 40 litros por dia."
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), são necessários 110 litros por dia por habitante para atender às necessidades básicas de higiene e hidratação.
Na rua onde Andreia mora, pessoas passam com baldes e bacias a todo instante.
Ali, é tratado como "deboche" o possível rodízio de cinco dias sem água e dois com, previsto pelo governo em caso de agravamento da crise.
"É constrangedor alguém que toma banho de canequinha há mais de uma semana ter que ouvir isso", diz a empregada doméstica Lilian Rodrigues dos Santos, 44.
Aos 72, a aposentada Joana Ferreira dos Santos conta com a ajuda dos vizinhos. "Tenho dificuldade até de andar e agradeço cada litro que minhas amigas trazem."
Já o farmacêutico Reginaldo da Silva, 37, cogita se mudar de São Paulo. "Hoje faço minhas necessidades no banheiro do trabalho e, em casa, tomo banho com três litros de água", conta.
Morador de uma rua ao lado, ainda com água, o segurança Antonio Pereira Carvalho, 65, coloca uma bacia embaixo do chuveiro. "Depois que a gente tomar banho, vamos usar a água para lavar algumas roupas e, depois, reaproveitamos no quintal e no vaso sanitário", diz.
Quem se deu bem, mas em termos, foi o vendedor de galões de água mineral Clodoaldo José Amaro de Sousa, 44.
"Antes vendia no máximo 200 galões por dia, hoje são pelo menos 300", diz. "Mas o pior é que eu moro na Cidade Tiradentes, aqui perto, e passo pelo mesmo problema".

OUTRO LADO
A Sabesp informou, em nota no início da noite desta quarta (28), que o fornecimento de água estava sendo restabelecido no condomínio e que a área onde ele fica é uma das sujeitas à redução da pressão da água.
A empresa afirma que tem promovido "ajustes na gestão de pressão" para evitar que moradores fiquem mais de 24 horas sem água, "mas imóveis em regiões mais altas e distantes dos reservatórios podem levar mais tempo para ter o serviço retomado".
A companhia "ressalta a importância de as moradias contarem com caixa d´água".

Nem o porteiro Carlitos acreditou no que viu quando a distribuidora de água descarregou a encomenda do apartamento 82 do edifício Verona, na Pompeia, no início da tarde desta quarta (28).
"Jesus! Isso tudo é pra lá?", perguntou, ao se deparar com os cinco galões de 20 litros e quatro de 10 litros no chão.
Em um ato confesso de "desespero", uma das moradoras do local, Eliana Rossi, 42, resolveu comprar de uma vez 140 litros de água mineral, em vez dos 20 litros que suprem seu consumo habitual por uma semana.
"Eu entrei em pânico com o anúncio de [possível] racionamento de cinco dias sem água. Minha filha tem oito anos e só toma água e suco, a gente usa pra cozinhar, surtei!", diz a dona de casa.
Eliana não foi a única paulistana a sair às ruas nesta quarta para estocar água mineral e comprar utensílios de armazenamento do recurso natural em escassez no Estado de São Paulo.
O desespero dos cidadãos foi provocado pela declaração feita um dia antes pelo diretor metropolitano da Sabesp, Paulo Massato, de que a capital poderá adotar um esquema de rodízio de cinco dias sem água para dois com.
A dona de casa Fernanda Dias Costa não esperou a distribuidora Expresso de Água, na Pompeia, ter um horário disponível para a entrega. Estacionou seu carro no local e levou os últimos quatro galões de 6 litros à venda.
"Eu vim por causa do anúncio do racionamento. E todo dia vou vir comprar mais, estou em choque. Como vai ser? Eu também tenho filha pequena", fala.
Na distribuidora de água, as vendas aumentaram 50% de terça para quarta-feira. "Quem comprava dois galões, tá levando quatro, cinco. É o maior movimento que já tive", diz a dona, Nadir Oliveira, 54, que até as 14h já havia comercializado 4.573 litros de água mineral.

LATA D'ÁGUA NA CABEÇA

Outro comércio que viu as vendas crescerem foi o de baldes e galões. A loja Mileh, na avenida Alfonso Bovero, vendeu cinco recipientes plásticos com capacidade de 109 litros nos últimos dois dias.
A aposentada Mathilde Macedo negociava um desses recipientes para colocar na casa de sua filha. "Ela viu que agora tem que armazenar água da chuva, que não dá pra bobear. Estamos desesperadas", diz. E acrescenta: "E a raiva do governo é enorme. Ficavam falando que tava tudo sob controle e agora vem esse 5x2!".
Nos salões de beleza, o racionamento num futuro bem próximo era assunto.
No Lab Duda Molinos, em Higienópolis, a administradora Mariana Ribeiro, 34, grávida de três meses e já mãe de uma menina de dois anos, não sabia por onde começar a traçar um plano de contingência. "Estou desesperada. Não saí pra comprar água, mas vou arranjar mais baldes, pensar em alternativa."
Os donos de restaurantes também surtaram com o aviso de rodízio de água. Chef do Micaela, no Jardim Paulista, Fábio Vieira correu para instalar uma nova caixa-d'água.
Também comprou quatro galões de 20 litros de água mineral, já que na véspera as torneiras secaram. "Acordei em pânico. Se essa for a rotina em cinco dias seguidos, como manter esse negócio?"

FSP, 29/01/2015, Cotidiano, p. C4

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/205983-caos.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/205984--e-correria.shtml

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