VOLTAR

Caçadores de javali

FSP, Cotidiano, p. 4-5
30 de Ago de 2015

Caçadores de javali
Grupo no interior de SP sai à noite com rifles atrás do animal; no país, 7 mil pessoas têm aval do Ibama para a atividade

EDUARDO GERAQUE ENVIADO ESPECIAL A MONTE AZUL PAULISTA (SP)

Três batidas na cabine da picape, dadas pelo passageiro na caçamba, são a senha para o motorista parar. O alvo está por perto.
"Cuidado com os ouvidos", diz um dos três integrantes do grupo. Poucos segundos depois, soa um barulho seco, alto, vindo de um projétil especial disparado por um fuzil 7 mm. O alvo está a algumas dezenas de metros do carro, sob a mira a laser do rifle.
No meio da noite, iluminada apenas por três lanternas potentes, o atirador pula do carro e corre em direção ao campo de sorgo, cereal semelhante ao milho.
Vê as marcas de sangue no solo e chama os dois amigos para, por terra, continuarem a busca. A cerca de 100 metros da primeira marca de sangue, o javali está caído, morto. O animal pesa aproximadamente 90 quilos. O tiro acertou a lateral do corpo.
O abate -o primeiro de três naquela noite- ocorreu na zona rural do município de Monte Azul Paulista (a 400 km de SP), na madrugada da última terça-feira (25).
Na região onde fica a cidade, perto de Ribeirão Preto, o javali é considerado uma praga pelos agricultores.
Pela devastação que causa no ecossistema, principalmente no Sul (veja texto na pág. 5) o animal é o único no país cuja caça é liberada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente).
Segundo o órgão federal, há hoje 7.000 pessoas cadastradas para o abate do animal. Mas, segundo técnicos que estudam o assunto, o número real é maior, pois a burocracia faz com que muitos não se regularizem.
Em Monte Azul Paulista, os caçadores têm o cadastro e autorização do Exército para portar o armamento pesado.
"Fazemos tudo dentro da lei. O risco desse animal para a fauna nativa, as plantações e o gado é enorme", diz Mardqueu França Filho.
Advogado na cidade e atirador esportivo em provas olímpicas por hobby, ele foi o autor dos disparos que mataram três javalis e feriram um naquela madrugada, em cerca de duas horas.
DEVASTAÇÃO
Antes de o sol cair, uma volta pelo sítios e fazendas da região basta para perceber o estrago que os javalis fazem.
Enquanto o campo de sorgo -onde o maior javali da noite foi morto- tem diversas crateras, as plantações vizinhas de seringueiras têm várias árvores jovens destruídas pelos dentes dos animais.
A plantação de milho também é alvo dos bichos, que passam o dia escondidos em canaviais ou nos brejos.
Nascentes das fazendas têm seus cursos interrompidos porque os bandos e as famílias de javalis chafurdam na região atrás de alimento, como sementes e insetos.
Moradores da região relatam também que os javalis comem ninhos de espécies de aves que põem seus ovos no chão, como o quero-quero, a perdiz e as codornas.
"Nem mesmo as plantações de batata-doce, com cercas elétricas, são poupadas", diz Mardqueu, que sai a caça, em média, três vezes por semana na região.
Os javalis também podem passar doenças ao gado, como a febre aftosa.
"Estamos enxugando gelo. São milhares de animais, e um atirador assíduo como eu, por exemplo, não matou nem 70 neste ano", diz.
CARNE
A norma do Ibama, além de exigir o cadastramento do atirador e de suas armas -e do local onde serão feitos os abates-, também proíbe que a carne do javali seja comercializada. A saída é usar para consumo próprio.
Por isso, o jantar antes da caçada na segunda-feira (24), teve lombo ao forno com limão-cavalo, fruto da expedição da semana anterior.

Abate precisa ser incentivado, diz agrônomo

DO ENVIADO A MONTE AZUL PAULISTA (SP)

O controle da população de javalis no Brasil está sendo feito ainda de forma muito incipiente, afirmam grupos de pesquisa que estudam o tema no país.
"A burocracia tem que ser menor. Precisamos incentivar que mais pessoas conheçam o problema, para que mais gente também participe do controle", diz o agrônomo Rafael Salerno, coordenador de uma rede que reúne técnicos, cientistas e caçadores legais de javali.
"É importante dizer que isso não é crime. Mas o controle é caro, e hoje feito apenas por voluntários com condições econômicas para isso", afirma. "Muitos fazendeiros não têm meios para fazer o abate de forma correta."
Neste ano, em julho, a notícia sobre um curso de caça de javali feito na Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, recebeu críticas de ativistas que defendem animais. Foi feito um abaixo-assinado em protesto, com mais de 30 mil assinaturas.
"Em um tempo onde as pessoas buscam viver em harmonia com o meio ambiente e com a natureza", diz o manifesto, o curso "caminha na contramão da evolução e do bom senso".
Os ativistas dizem que existe a alternativa de castrar e confinar os animais em determinados locais, para que os prejuízos econômicos e ecológicos não ocorram.
A medida é descartada por pesquisadores e pelo Ibama. É impossível, dizem, controlar os javalis sem o abate. Atualmente, estão à solta pelo país centenas de milhares dos animais.
Existem relatos documentados, explica Salerno, de grupos de javalis que cresceram de 50 para 900 animais em quatro anos.
Segundo o agrônomo, já ocorreram três ondas de invasões de javalis no Brasil.
A mais recente, e que gerou o problema atual em centenas de municípios, ocorreu nos anos 90.
"Vários produtores trouxeram os javalis para o país com o intuito de criar o animal para fins econômicos, mas isso acabou sendo abandonado na maior parte dos casos".
Soltos na natureza, e sem predadores naturais, a espécie exótica virou invasora.
A situação existe em outros países. Dados mostram que na França, onde existe mais de 1 milhão caçadores, ocorrem mais de 500 mil abates por ano de javalis.

FSP, 30/08/2015, Cotidiano, p. 4-5

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/231283-cacadores-de-javali.s…
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/231285-abate-precisa-ser-inc…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.