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Brasil abandonou índios, diz Anistia

FSP, Brasil, p. A6
07 de Jan de 2006

Brasil abandonou índios, diz Anistia
Para órgão, governo e Judiciário falharam na proteção ao direito à terra

Fábio Victor

Em comunicado emitido ontem à imprensa mundial, a Anistia Internacional afirmou que o governo e o Judiciário brasileiros fracassaram na proteção ao direito dos índios à terra.
A manifestação foi motivada episódios envolvendo indígenas guaranis-caiuás em Mato Grosso do Sul, na região da fronteira com o Paraguai. Em 15 de dezembro, cerca de 700 índios foram retirados, pela Polícia Federal, de uma terra em disputa na cidade de Antônio João e está acampado à beira da rodovia MS-384. Nove dias depois, o índio Dorvalino Rocha, 39, foi morto com um tiro no peito. O autor do crime foi, segundo a Anistia e membros da Fundação Nacional do Índio, um segurança contratado por fazendeiros.
"No Brasil, a população indígena continua a sofrer violência e severa situação de pobreza como resultado do fracasso do governo e do Judiciário em proteger seu direito constitucional à terra", afirma a nota, intitulada "Brasil: Governo e Judiciário abandonam povos indígenas mais uma vez".
A Anistia diz que a PF, apoiada por fazendeiros, usou violência na retirada dos índios de sua "terra ancestral" (uma mulher teria sofrido aborto) e que os guaranis-caiuás acampados estão sem comida nem abrigo. Os guaranis-caiuás são uma das etnias mais afetadas pela miséria no Brasil. Em 2005, ao menos 15 crianças morreram de desnutrição.
O Judiciário é responsabilizado por ter determinado o despejo -a PF atendeu a uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. A área de 9.300 hectares disputada com os fazendeiros foi homologada como terra indígena em março pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas a decisão judicial mantém os guaranis-caiuás fora das terras.
Citando um relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), a Anistia informa que Rocha foi o 38o ativista indígena morto em 2005, o maior número em mais de uma década. Vinte e oito mortes aconteceram em MS.
A Anistia disse ter alertado o governo que o despejo traria mais violência aos guaranis-caiuás. "Havia grandes expectativas em relação ao governo Lula, que começou prometendo homologar todas as terras indígenas. Apenas parte das terras foi homologada, e verificamos que os problemas continuam os mesmos de outros governos", disse à Folha Patrick Wilcken, pesquisador da Anistia para a questão indígena no Brasil.

MS tem 27 crianças desnutridas
Hudson Corrêa
Vinte e sete crianças indígenas menores de cinco anos estão com desnutrição grave, segundo agentes da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), no acampamento de 74 barracos de lona montado pelos índios guaranis-caiuás que foram retirados pela Polícia Federal de três fazendas em Antônio João (MS) em 15 de dezembro.
Uma criança de um ano e cinco meses morreu de desidratação no dia 19 passado e outra nasceu morta no dia da desocupação.
Além da desnutrição e da desidratação que atingem as crianças, há risco de conflito com fazendeiros. O acampamento, às margens de uma estrada estadual sem asfalto, fica a alguns metros da porteira da fazenda Morro Alto, onde foi morto com um tiro no peito e outro no pé, no dia 24, o índio Dorvalino Rocha, 39. Os disparos partiram do segurança da fazenda João Carlos Gimenes Brites.
Uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, levou à desocupação nas fazendas, cuja área de 9.300 hectares havia sido homologada como terra indígena pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março. A PF usou 150 homens para retirar cerca de 700 índios guaranis-caiuás do local.
Ao menos 370 deles montaram um acampamento com barracos de lona preta, madeira e palha. Nesse local vivem 81 crianças menores de cinco anos, segundo os agentes comunitários da Funasa, os índios Sebastião Pedro, 37, e Dácio Gonzaga, 20.
Pedro diz dar assistência a 49 crianças, das quais 19 "estão com desnutrição severa". Gonzaga cuida de 32 e tem oito desnutridas em estado grave. Eles afirmam que a mudança das fazendas para o acampamento agravou o estado de saúde das crianças.
Eduarda Vilalba, de um ano e cinco meses, morreu devido a desidratação, vômito e diarréia. "No dia do despejo, o pessoal estava fazendo os barracos e a criança ficou sem comer. Ficou muito tempo no sol, na estrada", diz Pedro.
"A família também não recebia cesta básica do governo porque não tem documentos", acrescenta a professora indígena Léia Aquino, 38. "Ela [a criança] assustou muito com o avião e começou a vomitar. Chegou ao hospital e morreu", relata a mãe de Eduarda, Fátima Vilalba, 30, referindo-se ao helicóptero que a PF usou na ação para desocupar as fazendas.
Cristiane da Silva, de um ano e seis meses, pesava 8,7 kg no dia 19 de dezembro. Segundo Pedro, na quinta-feira passada ela estava com 7 kg. Conforme o pai, André da Silva, 29, a menina está sofrendo com vômito e diarréia.
"Essa aí [aponta para a filha, no colo da mãe] não parava. Andava e brincava o tempo todo, agora está triste", afirma Silva.
"Quando acabei de fazer uma casinha com uma baita sombra, tiraram a gente de lá", acrescenta o índio. Ele diz ter perdido mais de um hectare de milho.
Outra criança perdeu quase dois quilos, segundo a mãe Célsia Flores. Lurdes tem um ano, mas parece bebê de poucas semanas de vida. Pesa 7,5 kg. Na tarde de quinta-feira, ela tomava mamadeira com leite doado pelo governo de Mato Grosso do Sul. As cestas básicas para famílias de cinco pessoas duram pouco mais de uma semana, diz Léia Aquino.
Os índios conseguiram puxar água do distrito de Campestre, a 50 m do acampamento, mas o que sai da torneira é quente demais para beber durante à tarde.

Outro lado
"Nunca existiu aldeia aqui", diz dono de fazenda
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ANTÔNIO JOÃO (MS)
"Se quisesse matar índios, já tinha matado há muito tempo", afirma o fazendeiro Pio Silva, 90, dono da fazenda Fronteira, em Antônio João (MS), que afirma nunca ter havido aldeia na região. Ele lidera número de ações para impedir que as terras passem aos guaranis caiuás.
Silva contratou a empresa Gaspem para proteger sua fazenda. João Carlos Gimenes Brites, funcionário da empresa, matou com um tiro o índio Dorvalino Rocha. A PF indiciou Brites e pediu a prisão preventiva dele, mas a Justiça Federal negou.
"Os índios fizeram um emboscada dentro da fazenda Morro Alto", afirma Silva. A PF diz que o crime ocorreu na porteira da fazenda.

FSP, 07/01/2006, Brasil, p. A6

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