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10 de Set de 2024
BR-319: Lula cita seca para justificar pavimentação de rodovia no coração da Amazônia
Obra preocupa pesquisadores da área ambiental, pelos elevados impactos que o asfaltamento pode causar em uma das regiões mais bem preservadas do bioma amazônico
Luis Felipe Azevedo
10/09/2024
Em meio a seca severa e onda de queimadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou nesta terça-feira, em visita ao Amazonas, a pavimentação de um trecho de 20 quilômetros da rodovia BR-319, único acesso terrestre da capital amazonense ao restante do país, ao custo de R$ 157,5 milhões. Com cerca de 900 quilômetros de extensão, a estrada conecta Manaus, no coração da Floresta Amazônica, a Porto Velho, no "arco do desmatamento. Em julho, uma decisão liminar da 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas suspendeu a licença prévia para a reconstrução e asfaltamento do trecho do meio da via.
- É preciso parar com essa história de achar que a companheira Marina não quer construir a BR-319. Essa BR-319 foi construída nos anos 70. Ela foi abandonada por desleixo não sei de quem, ela ficou sem funcionar e hoje a rodovia tem uma parte para cá que funciona, uma parte para lá que funciona, e no meio são 400 quilômetros, que foram inutilizados - disse Lula durante discurso aos moradores de Manaquiri.
O presidente destacou que a importância da via se dá principalmente em momentos de seca e disse que a gestão federal vai reconstruir a estrada "com a maior responsabilidade", em uma parceria com os estados.
- Já tive muitas discussões e enfrentamos grandes desafios para construir essa estrada. Existem 400 km que nunca foram reconstituídos. Em vez de continuar a briga, propus à Marina e ao Rui (Costa, ministro da Casa Civil) que começássemos com 52 quilômetros, divididos em 20 e depois 32. Precisamos ouvir todos os envolvidos e garantir que a estrada seja construída sem permitir que seja destruída por grileiros - afirmou o presidente.
A pavimentação do meio da rodovia é apoiada pelo governo do estado e por parlamentares, mas preocupa pesquisadores da área ambiental, pelos elevados impactos que o asfaltamento pode causar em uma das regiões mais bem preservadas do bioma amazônico.
Na decisão que suspendeu a licença prévia, a juíza Maria Elisa Andrade aceitou a ação civil pública movida pelo Observatório do Clima, rede que reúne dezenas organizações da sociedade civil. O grupo pedia a anulação da licença concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A magistrada acatou a necessidade de preexistência de governança ambiental e controle do desmatamento antes da recuperação da via e apontou que, sem este trabalho, os danos ambientais previstos nas áreas ao redor da via - que compreende 13 municípios, 42 Unidades de Conservação e 69 Terras Indígenas - não poderão ser evitados.
Nos cerca de 400 km de comprimento do "trecho do meio", área correspondente à parcela mais preservada da floresta devido à dificuldade de acesso de desmatadores, o Ibama identificou sete Unidades de Conservação (UC), todas localizadas no estado do Amazonas. Segundo o Instituto, três dessas unidades são federais e as outras quatro estaduais.
A juíza também reconheceu a importância de considerar estudos de impactos climáticos para o asfaltamento da estrada.
"Em última análise, o subdimensionamento dos impactos ambientais de grandes empreendimentos tende a esvaziar compromissos nacionais assumidos para mitigar a crise climática", aponta a juíza na decisão.
Caso a determinação seja descumprida, uma multa de R$ 500 mil pode ser aplicada sobre a administração pública.
Coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo aponta que a licença prévia foi concedida por pressão política durante o governo Bolsonaro. A decisão ocorreu apesar de análises do Ibama mostrarem a gravidade do principal impacto da obra, a explosão do desmatamento na região, e a inexistência de governança para o controle do avanço da criminalidade.
- Toda licença prévia é um atestado de viabilidade socioambiental da obra e o completo asfaltamento da BR-319 gerará uma degradação sem precedentes. Por conta disso, a licença concedida deve ser considerada nula. A liminar fez justiça ao impedir a continuidade do processo na etapa de Licença de Instalação da obra - ressalta Araújo.
Ambientalistas condenam
Construída durante a ditadura militar, no início dos anos 1970, a via foi abandonada na década seguinte e costuma ficar intransitável entre dezembro e maio por conta do lamaçal do período chuvoso. Questionada pelo GLOBO em abril, a gestão de Wilson Lima defendeu a pavimentação como "forma de tirar o estado do isolamento em relação ao restante do Brasil".
Por outro lado, a rodovia foi definida como inviável "economicamente e ambientalmente" pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em sessão da CPI das ONGs do Senado em novembro do ano passado.
Um grupo de trabalho foi criado pelo governo federal em novembro para apresentar estudos e propostas que promovam a discussão de soluções de otimização da infraestrutura da rodovia. O projeto foi incluído Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pacote de medidas de infraestrutura prioritárias do Executivo.
Nos últimos sete anos, o governo federal gastou R$ 572,9 milhões na manutenção e na conservação da estrada, entre 2016 e 2023, segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Um dos pontos levantados por ambientalistas foi a possibilidade de crescimento do risco de zoonoses (doenças infecciosas transmitidas dos animais para os seres humanos), abrindo, inclusive, precedentes para uma nova pandemia.
Além disso, pesquisadores apontam que a pavimentação da rodovia visa a facilitar o acesso a áreas de exploração de petróleo e gás. Em dezembro, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental da obra e cria a possibilidade de uso de verbas do Fundo Amazônico - destinado a proteger a floresta tropical - no empreendimento.
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