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'Blitz' ruralista para mudar PL sobre recursos genéticos

Valor Econômico, Agronegócios, p. B14
31 de Jul de 2014

'Blitz' ruralista para mudar PL sobre recursos genéticos
Dezenas de emendas procuram 'blindar' setor de agronegócios

Cristiano Zaia
De Brasília

No fim de junho, o governo encaminhou um projeto de lei ao Congresso, em regime de urgência, com a intenção de regulamentar o acesso a recursos genéticos no país e instituir um sistema de cobrança de royalties como compensação pelo uso da biodiversidade nacional. A iniciativa do Planalto visa adequar o país ao Protocolo de Nagoya, acordo internacional assinado por 92 países, incluindo o Brasil.
Pela proposta, costurada sob forte influência do Ministério do Meio Ambiente, empresas passarão a pagar ao governo federal 1% da receita líquida obtida com produtos oriundos do uso de recursos genéticos - um novo cosmético com semente de carnaúba, por exemplo. O PL prevê que esses royalties alimentem o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, cuja criação também prevê.
Ao apresentar o projeto de lei, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que o alvo das novas regras são pesquisadores e indústrias de fármacos, químicos e cosméticos - as que mais se queixam de multas e da burocracia no processo de autorização de pesquisas com recursos genéticos -, e não os setores agropecuário e de alimentos. Mas o projeto mal começou a tramitar na Câmara e gerou reações contrárias por parte do Ministério da Agricultura, de parlamentares ruralistas e de entidades do agronegócio.
Eles alegam que o texto não exclui totalmente o agronegócio do pagamento de royalties, como prometido. Assim, afirmam, se o PL for aprovado como está redigido, parte das empresas agropecuárias seria, sim, obrigada a repartir benefícios com o governo e com proprietários das áreas de exploração dos recursos, incluindo comunidades indígenas e quilombolas.
O projeto não cita especificamente grãos, frutas ou sementes, nem define listas de produtos sujeitos ao pagamento de royalties. Limita-se a afirmar que as diretrizes que traça não se aplicam "às atividades de acesso a patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado para alimentação e agropecuária".
"O governo tirou a agricultura com finalidade de alimentação do escopo do projeto. Mas produtos não destinados à alimentação, como fibras [algodão, por exemplo], biocombustíveis e micro-organismos acabaram ficando", disse ao Valor a coordenadora de Acompanhamento e Promoção da Tecnologia Agropecuária do Ministério da Agricultura, Andressa Beig.
"É por isso que o setor agropecuário, em conjunto com o ministério, sugeriu aos deputados emendas ao projeto para que seja excluída a agropecuária em geral e fiquem apenas as indústrias de fármaco e cosméticos", afirmou ela.
Nesse sentido, apenas a bancada ruralista na Câmara apresentou 79 emendas ao texto do PL. "O Ministério do Meio Ambiente fez o seu projeto de lei para debater apenas a biodiversidade, sem discutir com a gente detalhes que também interessam ao setor agrícola", diz o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), que esteve em Roma na última reunião da FAO, braço da ONU para agricultura e alimentação, sobre o tema.
Conforme Leitão, a Embrapa, por exemplo, deveria ter sido incluída no projeto entre os órgãos de governo que vão definir a lista de produtos submetidos à nova lei. Pela proposta apenas os ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento (MDIC) e da Ciência e Tecnologia terão essa tarefa.
Entre as 15 emendas que apresentou, o deputado tucano também propôs que insumos como sementes, defensivos, fertilizantes e rações animais permaneçam isentos do pagamento de royalties caso contenham recursos genéticos em suas respectivas formulações.
Um dos órgãos de governo mais preocupados com o PL é a própria Embrapa, que responde, hoje, por 59% das autorizações para pesquisa científica no Brasil. Contudo, uma fonte da estatal afirma que o melhor caminho encontrado pelo governo para isentar a pesquisa agropecuária do pagamento de royalties foi desistir desse projeto e debater em um novo PL, com regras específicas para o setor de agronegócios.
Outra polêmica que resultou em dezenas de emendas na Câmara para alterar o texto do Executivo é o artigo que mantém agropecuária e alimentos submetidos à atual lei sobre patrimônio genético e biodiversidade, de 2001. É consenso no setor rural que essa lei é burocrática - é preciso obter três autorizações do governo para acesso a recursos genéticos, o que pode demorar até oito anos - e inviabiliza pesquisas comerciais, como reforça Rodrigo Justus, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Segundo ruralistas, sob as regras da lei atual o setor também não poderá se beneficiar de pontos positivos do PL que tramita no Congresso, como o direito à anistia de multas. A proposta prevê anistia de 100% para multas já aplicadas envolvendo pesquisas com recursos naturais e de até 90% para as multas envolvendo empresas que venderam produtos oriundos desses recursos. E substitui as atuais autorizações para essas pesquisas por um cadastro para controle de pesquisadores e empresas.
O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, minimiza as polêmicas. "Não é nossa intenção tratar de agricultura e alimentos", resume. Segundo ele, o fórum adequado para a discussão sobre como serão repartidos os benefícios pelo uso de patrimônio genético pela agricultura é o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Agricultura e Alimentação (Tirfaa), da FAO.

Ministério da Agricultura prepara outro projeto

Por Cristiano Zaia | De Brasília

Após vários embates dentro do governo sobre o uso da biodiversidade brasileira pela agropecuária e pelo setor de alimentos, o Ministério da Agricultura "desistiu" do projeto de lei já encaminhado pelo governo ao Congresso sobre o assunto, que envolve espécies originais do país como caju, maracujá, mandioca, amendoim, guaraná, jenipapo, pitanga, seringueira e camu-camu.

Ancorado em informações da Embrapa, o ministério decidiu apostar na apresentação de um outro projeto de lei. A ideia é preservar as linhas gerais do PL que foi costurado pelo Ministério do Meio Ambiente, mas estipular regras específicas para tratar do acesso do agronegócio a patrimônio genético. Esse projeto está em fase de ajustes finais na Casa Civil e a expectativa é que esteja pronto para ser encaminhado ao Congresso nas próximas semanas.

Andressa Beig, coordenadora de Acompanhamento e Promoção da Tecnologia Agropecuária do Ministério da Agricultura, explica que, ao contrário do PL que já tramita na Câmara, essa nova proposta não é focada na cobrança de royalties sobre produtos oriundos de espécies nativas brasileiras.

"A lei vigente sobre patrimônio genético inclui tanta burocracia e atrasou tanto a pesquisa no país que o Ministério da Agricultura achou melhor também propor um PL novo". De acordo com Andressa, o PL da agropecuária também prevê a criação de um cadastro para substituir as atuais autorizações e propõe uma repartição não monetária de benefícios, por meio de projetos de pesquisa, serviços sociais e capacitação de pessoal nas áreas onde houver a extração de recursos genéticos para pesquisa ou uso comercial. Ao invés de uma empresa pagar um percentual de sua receita com o produto desenvolvido a partir daquele recurso explorado em áreas indígenas ou quilombolas, por exemplo, ela poderia entrar em acordo com essas comunidades e desenvolver atividades para conservar a biodiversidade da região em questão.

Apenas como alternativa, o projeto em concepção pelo Ministério da Agricultura propõe um percentual facultativo de pagamento de royalties equivalente a até 0,3% do faturamento líquido que a empresa obtiver com produtos oriundos de recursos genéticos. E transfere a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento de acordos de repartição de benefício de patrimônio genético pela agropecuária do Ibama para o próprio ministério.

Valor Econômico, 31/07/2014, Agronegócios, p. B14

http://www.valor.com.br/agro/3633058/blitz-ruralista-para-mudar-pl-sobr…

http://www.valor.com.br/agro/3633060/ministerio-da-agricultura-prepara-…

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