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Bispos de quatro estados criticam greve de fome

O Globo, O País, p.13
06 de Out de 2005

Bispos de quatro estados criticam greve de fome
Isabela Martine Gerson Camarotti
A greve de fome do bispo da Barra, dom Luiz Flávio Cappio, que protesta contra o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, foi criticada por bispos de quatro estados nordestinos, três dos quais serão beneficiados com a obra. Em nota divulgada ontem, a presidência do Regional Nordeste 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que engloba os estados de Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba, disse que desaprova o gesto do bispo baiano e lembra que, pela doutrina católica, ninguém é dono da própria vida. O bispo, em jejum há 11 dias, afirma que só interrompe a greve quando o governo federal recuar da decisão de tocar o projeto. O documento também reafirma a adesão dos bispos desses quatro estados à obra de transposição.
Afirmamos a nossa desaprovação à atitude extrema do nosso irmão dom Luiz Flávio Cappio, que provocou perplexidade e sofrimento a nós pastores e ao povo de Deus a nós confiado”, diz o texto. Queremos reafirmar nossa adesão ao projeto de captação de águas do Rio São Francisco para suprir as necessidades de água potável nas carentes bacias hidrográficas de nossos estados, de modo especial, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.”
Para arcebispo da Paraíba, protesto é ato pessoal
A nota é assinada pelo presidente do Regional Nordeste 2 da CNBB, dom Antônio Muniz Fernandes, bispo diocesano de Guarabira (PB); pelo vice-presidente, dom Jaime Viera Rocha, bispo diocesano de Campina Grande (PB), pelo secretário do Regional, dom Genival Saraiva de França, bispo Diocesano dos Palmares (PE), e pelo arcebispo da Paraíba, dom Aldo di Cillo Pagotto. Os bispos admitem que o assunto é polêmico, mas defendem o diálogo.
No dia anterior, o arcebispo da Paraíba, dom Aldo Pagoto, também divulgou uma dura nota dizendo que a CNBB não é contra a transposição e que o protesto do bispo Luiz Flávio Cappio era um ato pessoal. Dom Aldo Pagotto associou o gesto do bispo à eutanásia que é condenada pela Igreja.
Posso tentar respeitar o protesto pessoal do bispo, enquanto cidadão. A Constituição e a democracia garantem-lhe o direito de expressão. (...) A mesma e única Constituição não lhe garante o direito de praticar uma espécie de eutanásia. Ninguém é senhor da própria vida”, afirmou dom Aldo na nota.
Segundo dom Aldo, a carta que presidência da CNBB enviou ao presidente Lula foi mal compreendida. A CNBB não assume a posição contrária à transposição do Rio São Francisco. Não cabendo à missão da Igreja discutir soluções técnicas. Porém, cabe-lhe propor a discussão dos impactos antropológicos e das dimensões éticas”, informou.
Gesto de religioso já é motivo de constrangimento
O Vaticano também já enviou uma carta ao bispo de Barra com um apelo para que ele suspenda a greve de fome. Segundo fontes da CNBB, na Santa Sé o protesto de dom Luiz já é motivo de constrangimento. Mas o recado do Vaticano para Lula foi de que a Igreja não vai interferir em questões próprias do governo brasileiro.
A carta enviada a dom Luiz Cappio pela Congregação dos Bispos faz um apelo para que ele suspenda a greve de fome e preserve a própria vida. A Congregação é uma das mais importantes do Vaticano e já teve como prefeito o ex-cardeal brasileiro dom Lucas Moreira Neves. A carta foi entregue pessoalmente pelo bispo de Floresta, dom Adriano Ciocca Vasino, diocese responsável também por Cabrobó. Dom Adriano manifestou-se contrário ao protesto:
— Tenho grande esperança que ele considere o apelo feito pelo Vaticano e suspenda a greve. É difícil encontrar respaldo no Evangelho para uma decisão como essa.

Governo fará hoje proposta a religioso
O governo federal espera fazer ainda hoje um acordo com o bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, para que ele encerre a greve de fome que já dura 11 dias. A proposta será feita ao religioso pelo ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, e pelo Núncio Apostólico no Brasil, dom Lorenzo Baldisseri, que embarcam hoje de manhã para Cabrobó, onde o bispo de Barra faz seu protesto contra a transposição do Rio São Francisco. O ministro avisará também ao bispo que Lula está disposto a recebê-lo no Palácio do Planalto.
— Vamos oferecer o prolongamento do diálogo para sanar dúvidas a respeito do projeto. Não tem data marcada para o início das obras, mas o prolongamento do debate não é ad infinitum . Não precisamos de um trauma para que se implante esse projeto — disse Wagner.
A proposta inclui a promessa da revitalização do rio. O governo também vai se empenhar na aprovação da proposta de emenda constitucional que cria o Fundo para Revitalização Hidroambiental da Bacia do São Francisco, parado na Câmara dos Deputados.
Projeto garante receita de R$ 500 milhões anuais
Pelo projeto, a União repassaria 0,5% da receita de impostos para a revitalização. Seria algo em torno de R$ 500 milhões anuais.
— Houve um andamento da proposta que, graças a Deus, agradou ao frei Luiz. A proposta foi feita pelo núncio e meu tio pediu que fosse feita por escrito — disse o juiz Luiz Roberto Cappio, sobrinho de Dom Luiz, que esteve em Brasília para negociar com autoridades do governo uma solução para a greve de fome.
Frei Luiz Flávio Cappio recebeu ontem seu primeiro atendimento médico: ele começou a sentir falta de ar e já apresenta lapsos de memória, mas se recusou a seguir recomendação médica para reduzir o ritmo de atividades, o que evitaria um desgaste físico maior. Ele rezou missa, cumprimentou populares e ainda deixou seu retiro na capela de São Sebastião para se reunir com índios que queriam homenageá-lo. Quatro pequenos produtores rurais aderiram ao movimento e também estão em greve de fome
— Se o meu movimento for isolado, ele não terá força. Ele precisa mobilizar a população — afirmou o religioso.
Em São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou ontem que o governo tenha suspendido as obras de transposição por causa da greve de fome.
— Não poderia haver suspensão de uma obra que não tem data marcada para começar. Ainda está se discutindo a questão do meio ambiente. Tem que ter licença do Ibama — disse Lula no 4 Salão Internacional de Inovação Tecnológica.
Presidente lembra que fez greve de fome no ABC
O presidente lembrou que fez greve de fome quando era líder sindical no ABC. Embora discorde da posição do bispo, Lula disse que ele tem dado uma demonstração de grandeza.
— O bispo tomou uma posição pessoal e eu respeito porque também já tomei na minha vida uma decisão de fazer greve de fome. Acredito que todas as pessoas que tomam uma decisão dessas têm grandeza. Por isso, estou consciente que a gente vai encontrar um bom termo. Tem outras pessoas conversando. A Igreja está conversando e a Igreja tem um comportamento que todos sabemos em relação à greve de fome.

O Globo, 06/10/2005, O País, p. 13

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