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Bird rejeita transposicao do rio

CB, Brasil, p.14
02 de Fev de 2005

Bird rejeita transposição do rio
Defendido pelo governo Lula como solução para a falta de água no semi-árido nordestino, projeto não conta com o aval do Banco Mundial, que defende obras mais baratas para resolver o problema
Bernardino Furtado
Do Estado de Minas
O projeto de transposição do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional, formado pelo Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, encerra uma pergunta que não quer calar: por que um empreendimento concebido há 155 anos nunca conseguiu financiamento? A resposta está na opinião que o Banco Mundial (Bird) tem sobre a obra.
Principal organismo de crédito para projetos de infra-estrutura voltados para o desenvolvimento econômico e para a redução da pobreza no planeta, o Bird vetou a obra. Essa posição foi comunicada em uma carta confidencial em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, e reiterada em apresentações a membros do alto escalão do governo Lula, em 2003 e 2004, a começar pelo vice-presidente, José Alencar.
As duas administrações federais preferiram esconder da sociedade brasileira os documentos do Bird. O governo Lula foi além e contratou uma empresa de comunicação, a Companhia de Notícias (CDN), para inundar as redações de jornais com textos ufanistas sobre a transposição e assim justificar a megaobra. Segundo o governo, os canais, represas e estações de bombeamento custarão US$ 1,5 bilhão. Esse orçamento é de 1999 e certamente foi elevado depois de seis anos de inflação nos Estados Unidos. Para 2005, estão previstos no Orçamento Geral da União (OGU) recursos do Tesouro Nacional no valor de R$ 622 milhões para a obra.
O Estado de Minas e o Correio tiveram acesso à carta, assinada pelo diretor da representação do Banco Mundial no Brasil em 2001, Gobind T. Nankani, e aos slides da exposição feita ao vice-presidente José Alencar em agosto de 2003. Num dos slides, intitulados Mensagens Principais, está escrito, com a sutileza típica dos diplomatas, que devido às restrições fiscais, projetos poderiam ser mais eficientes na utilização dos escassos recursos de investimento e financeiramente viáveis”.
Traduzido para um português mais assertivo, o Bird quis dizer que, num país com pouco dinheiro para investir e muitas carências, em vez de gastar US$ 1,5 bilhão numa megaobra sem viabilidade econômica, é melhor aplicar recursos em pequenas e médias adutoras, sistemas de distribuição de água , na melhora da eficiência das companhias de saneanento básico do Nordeste e das lavouras irrigadas existentes.
Empréstimo
O Banco Mundial não pode ser acusado de insensiblidade ao Nordeste, aos nordestinos e à seca que os atormenta. Em 1998, o Bird emprestou US$ 198 milhões para o Proágua Semi-árido. Trata-se de um programa federal em parceria com os estados da região que pode ser resumido no conceito de fazer a água andar”. Ou seja, levar, por meio de dutos, o líquido armazenado nos grandes açudes a cidades desabastecidas e às comunidades rurais, a chamada população difusa que mais sofre com a seca, além de suprir projetos de agricultura irrigada já implantados ou em obras.
Desgraçadamente, no vencimento do contrato com o Bird, em 2003, o governo brasileiro não havia conseguido dar destino a uma parcela do financiamento no valor de US$ 40 milhões. Nesses casos, o Banco Mundial cobra juros sobre o montante não aplicado a título de penalidade pela ineficiência na execução do contrato. Para fugir desse desembolso, o governo devolveu os US$ 40 milhões ao Bird. O contrato foi prorrogado para dezembro de 2005, mas ficou resumido à conclusão de obras já começadas.
No conjunto de slides, o Bird informa que, ao câmbio de agosto de 2003, o Proágua tinha um orçamento total de R$ 438 milhões, que beneficiariam 1,9 milhão de pessoas, graças à construção de 2.230 quilômetros de adutoras. Na ocasião, 15 obras tinham sido concluídas, numa soma de 658 quilômetros de adutoras para uma população de 930 mil habitantes. Estavam em andamento 12 adutoras, numa extensão total de 768 quilômetros, para beneficiar mais 437 mil nordestinos.
A manifestação do Bird sobre a transposição do São Francisco não foram meros palpites. O banco analisou o projeto, em atenção a um pedido do governo brasileiro em maio de 1999. Contratou consultores e empregou seu próprio pessoal para produzir uma análise consistente. Ao ser procurado novamente no governo Lula, o banco reafirmou suas posições. Uma das mais importantes é a previsão de que o abastecimento urbano e das comunidades rurais no Nordeste Setentrional pode ser atendido com muita folga pela água já existente na região, no mínimo, até 2025.

MINISTÉRIO NÃO RESPONDE
O Correio e o Estado de Minas tentaram na tarde ontem ouvir o Ministério da Integração Nacional sobre os documentos do Banco Mundial a respeito da transposição do São Francisco. Egydio Serpa, assessor do ministro Ciro Gomes, prometeu responder ao pedido, mas não o fez até o fechamento desta edição. Em várias oportunidades, o ministro e altos funcionários da pasta vêm sustentando que o projeto vai permitir a criação de um novo pólo de desenvolvimento econômico no Nordeste Setentrional, que sofre restrições por causa da insegurança de suprimento de água para irrigação e indústrias. Esse pólo, segundo o ministério, geraria empregos e renda no Ceará, Rio Grande do Norte, na Paraíba e em parte de Pernambuco.

Banco defende o uso de fontes de água já existentes
Nos documentos do Banco Mundial, a contraposição entre o Proágua Semi-árido e a transposição do São Francisco não é pontual. O Bird defende claramente a prioridade para investimentos no sistema de abastecimento suportado pelas fontes já disponíveis nos estados.
Inclusive em soluções simples e baratas, mas de grande impacto para a população pobre, como a construção de cisternas de cimento com captação de água da chuva. Incorporada no programa Um Milhão de Cisternas (PM1C), essa alternativa tem sido implantada pelo governo federal num ritmo que exige 30 anos para cumprir a meta milionária.
A escala de prioridade defendida pelo Bird está expressa num dos slides da série Mensagens Principais. A lista de ações de curto prazo começa pela revitalização do São Francisco, uma tese abraçada pelos governos estaduais e organizações ambientalistas da bacia do São Francisco, especialmente de Minas Gerais, projetos existentes como o Proágua Semi-árido, que poderia ser ampliado, e iniciativas locais em diferentes escalas, como as cisternas. Cumpridas essas metas, partiria-se para a implantação modular (em etapas) de grandes projetos, como a transposição do São Francisco.
Numa outra seqüência de slides denominada Principais Considerações e Desafios, o Bird esmiuça os equívocos no encaminhamento do projeto da transposição, que estão na raiz de manifestações de indignação da sociedade, a exemplo da obstrução das audiências públicas do licenciamento ambiental da obra em Belo Horizonte, Salvador e Aracaju. O governo federal tem chamado essas manifestações de ataques à democracia, mas o Bird parece dar razão aos opositores da megaobra, que apontam autoritarismo na condução do processo.
Entre os tópicos em linha com as críticas de segmentos respeitados da sociedade estão: "Interesses conflitantes entre dez estados e diferentes setores usuários; direitos de uso da água ainda não claramente definidos; necessidade de uma negociação política adequada; o Rima (Relatório de Impacto Ambiental) do projeto não está completamente discutido e aceito entre os órgãos ambientais, organizações não-governamentais (ONGs) e sociedade”. (BF)

O que diz o Bird

CB, 02/02/2005, p. 14

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