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Biodiversidade, biotecnologia e o novo governo

Valor Econômico-São Paulo-SP
Autor: Jaime César de Moura Oliveira
26 de Mar de 2003

"O Brasil, detentor de cerca de 22% da biodiversidade do planeta, é um país sensível a tais questões"

A exploração da biodiversidade e a aplicação da moderna biotecnologia no setor agrícola, especialmente para a produção de alimentos destinados ao consumo humano, são temas recorrentes na agenda internacional. No Brasil, amplas discussões foram verificadas nos últimos cinco anos sobre a exploração dos recursos genéticos no país e a liberação comercial de culturas transgênicas.

O Brasil, detentor de cerca de 22% da biodiversidade do planeta e grande produtor agrícola, é um país especialmente sensível a tais questões. Nota-se uma atuação marcante de organizações não-governamentais e de representantes do Poder Legislativo na defesa de posições cautelosas não só com relação à liberação comercial dos transgênicos, mas também na garantia da obtenção de benefícios para o país e para as comunidades locais e indígenas em decorrência da exploração de recursos genéticos e da utilização dos conhecimentos tradicionais associados.

A legislação brasileira que regula o controle dos riscos inerentes aos organismos geneticamente modificados data de 1995, quando foi promulgada a Lei de Biossegurança. Essa lei traçou as linhas mestras para o desenvolvimento de atividades que utilizam técnicas da engenharia genética, e foi seguida de várias outras normas emitidas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Em 2002, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) regulamentou o licenciamento ambiental para a liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente, estabelecendo que a liberação comercial dependerá da realização prévia de estudos de impacto ambiental.

A criminalização da biopirataria, se aprovada, representará um grande incremento na proteção da biodiversidade do país

O acesso ao patrimônio genético, por sua vez, é atualmente regido por uma medida provisória, editada em 2001. A partir dessa norma, o acesso ao patrimônio genético existente no país passou a depender de deliberação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN). Em 2002, o Governo Federal definiu, ainda, os princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional da Biodiversidade, que será baseada, fundamentalmente, na conservação da biodiversidade e na utilização sustentável de seus componentes, com a repartição justa e eqüitativa dos benefícios.

Apesar da biossegurança e da exploração da biodiversidade contarem com um aparato legal definido durante o último governo, é provável que o panorama sofra alterações a partir desse ano, especialmente tendo a senadora Marina Silva assumido o Ministério do Meio Ambiente.

A senadora Marina Silva tem um histórico internacionalmente reconhecido de atuação em defesa do meio ambiente e, especialmente, da biodiversidade amazônica. Autora de um dos mais importantes projetos de lei para disciplinar o acesso ao patrimônio genético do país e combater a biopirataria, a senadora integra o rol das autoridades especialistas no assunto. Esse projeto já foi aprovado pelo Senado Federal e atualmente encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados.

Um dos destaques do projeto é a criminalização da comercialização e remessa para o exterior de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais sem a aprovação dos órgãos competentes e das comunidades detentoras desse conhecimento. Atualmente essas práticas são coibidas pelo Poder Público apenas através de mecanismos de natureza administrativa.

No polêmico campo dos organismos geneticamente modificados, a senadora Marina Silva assina um projeto de lei que veda a produção e comercialização em escala comercial de transgênicos pelo prazo de cinco anos, preservando, entretanto, a realização de pesquisas nessa área.

Apesar do cultivo de variedades geneticamente modificadas estar proibido por força de uma decisão judicial, hoje em fase de recurso, a aprovação do projeto de lei institucionalizaria uma moratória que tem sido debatida por vários setores do governo e da sociedade em razão das implicações que teria nas relações comerciais do Brasil no âmbito internacional.

Como já declarado pela senadora Marina Silva, os transgênicos e a proteção à biodiversidade terão atenção especial em sua gestão. A criminalização da biopirataria, se aprovada, representará um grande incremento na proteção da biodiversidade brasileira. Além disso, contribuirá para inibir a exploração clandestina dos recursos genéticos, que é uma atividade predatória e não possibilita o retorno de benefícios para o país.

Quanto ao cultivo de transgênicos, a prevalência da posição defendida pela ministra do Meio Ambiente poderá significar maiores dificuldades competitivas para o Brasil no mercado internacional, caso grandes países importadores passem a admitir alimentos e matéria-prima geneticamente modificados em seus mercados internos.

Recentemente, o Governo Federal constituiu uma comissão interministerial com o objetivo de aperfeiçoar as ações governamentais voltadas à formulação e implementação de uma Política Nacional de Biossegurança e de harmonizar a legislação que regula as atividades envolvendo organismos geneticamente modificados.

Esperamos que as decisões tomadas pela nova equipe de governo sedimentem a imagem do Brasil como país empenhado no uso racional dos recursos ambientais e contribuam para definir uma política de desenvolvimento econômico ambientalmente responsável.

Jaime César de Moura Oliveira é advogado especializado em biossegurança e direito ambiental d Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados

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