VOLTAR

Belo Monte: inviável?

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/
Autor: Por Lúcio Flávio Pinto
09 de Fev de 2021

O Ministério Público Federal é o fiscal da lei e o dono da ação penal pública. O MPF já ajuizou dezenas ações contra a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, a quarta maior do mundo, desde que a licitação para a sua construção foi realizada, mais de 10 anos atrás, no governo Dilma Rousseff. Logo, não só em tese, mas, concretamente, o MPF é parte interessada na questão.

Mas foi pela imprensa que o órgão ficou sabendo, ontem, que o Ibama, o órgão ambiental do governo federal, teria acertado assinar um novo acordo com a Norte Energia, a concessionária da usina (a maior inteiramente nacional), modificando as exigências em vigor para o manejo da água do rio Xingu, que aciona as turbinas da hidrelétrica.

Aparentemente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) retrocedeu e fez a Norte Energia também voltar atrás na disposição de não reduzir o volume de águas que desvia da calha do rio e desviar a maior parte para o canal artificial que se conecta à tomada de água da casa de força.

A empresa queria manter no curso do Xingu apenas 1,1 mil metros cúbicos (1,1 milhão de litros) de água por segundo. O Ibama queria que a descarga fosse elevada para 3,1 mil m3 e o MPF para 9,3 mil m3. É um volume próximo do que o MPF vinha exigindo já em janeiro, mas ainda abaixo da média - entre 10 mil e 14 mil m3 - da vazão histórica no trecho abaixo da barragem principal, no inverno, conhecido como Volta Grande do Xingu.

No início desse trecho, a jusante, de 130 quilômetros, o rio passou a ter dois cursos. O natural, que segue numa curva bem acentuada, e o artificial, construído com a abertura de vertedouros de ligação a um reservatório que retém parte da área, reservando-a para a geração. Para produzir o máximo de energia, de 11,3 mil megawatts (o suficiente para atender 60 milhões de consumidores domésticos), as turbinas precisam de 120 mil m3 de água por segundo.

Como alguns especialistas previam, a disponibilidade de água é crítica. Provavelmente não garantirá uma energia média em volume que assegure a viabilidade econômica da usina, sobretudo em temporadas com chuvas menos intensas. Belo Monte funciona abaixo da energia firma satisfatória, acumulando prejuízo, agravado pela indisponibilidade das linhas de transmissão para atender a produção já disponível. Instalar no local uma termelétrica até já foi sugerido, apesar do seu custo muito mais elevado do que o de uma hidrelétrica.

Os operadores da usina já devem ter se convencido da gravidade do problema, que ameaça a rentabilidade e o retorno de um investimento de 40 bilhões de reais, em grande parte coberto por financiamento do BNDES. E o Ibama, seguindo a orientação pragmática e economicista do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do seu chefe, o presidente Bolsonaro, pode estar optando não por defender a vida animal e social na Volta Grande do Xingu, mas os interesses do empreendedor.

Daí não ter convidado para participar do debate para a definição do novo acordo sobre o uso da água o fiscal da lei; O MPF decidiu então, hoje, requisitar os dados técnicos "que embasaram a mudança repentina de posição do órgão sobre o desvio das águas do Xingu". Aproveitou logo para lembrar que nos meses de janeiro e fevereiro, o Ibama "havia determinado que menor quantidade de água fosse desviada do rio, diante da gravidade dos impactos registrados e da insegurança para a sobrevivência dos ecossistemas e comunidades da região da Volta Grande do Xingu, afetada diretamente pelo desvio".

O MPF requisitou "vários detalhes sobre as negociações, os critérios técnicos e equipes técnicas responsáveis pelo termo de compromisso assinado entre as partes".

Assim, a possibilidade de um consenso que permita um novo acordo será impossível, tantos são os detalhes cobrados pelo Ministério Público Federal, conforme os itens que divulgou:

1 - Foi celebrado Termo de Compromisso entre o Ibama e a Norte Energia? Se positivo, quais os seus termos?
2 - Na definição das chamadas "medidas de mitigação" previstas no Termo de Compromisso como foram compostas as equipes técnicas do Ibama que apreciaram as propostas da Nesa? Qual o motivo de tais equipes técnicas não terem participado das reuniões técnicas em que discutido o Termo de Compromisso?
3 - Quais os critérios técnicos utilizados por tais equipes, bem como pelos seus superiores e pela Diretoria do Ibama para assegurar a relação de pertinência das mencionadas medidas de mitigação e os danos verificados com a aplicação das vazões reduzidas, especialmente ao se constatar que "deve-se sempre lembrar que os impactos ambientais em curso estão sendo observados sob vazões superiores ao teto do HCB indicando que as condições de degradação ambiental podem piorar com a implementação definitiva das vazões alternadas do hidrograma de teste" (Parecer Técnico 17/2021/COHID/DILIC)?
4 - Considerando os impactos ambientais em curso, qual o resultado esperado das medidas de mitigação em relação a eles? Como se chegou a tais projeções de resultados? Quais os critérios utilizados na sua formulação pela Nesa e na sua aceitação pelo Ibama (indicar, nominalmente, os autores de tais estudos e conclusões)?
5 - O que justifica a escolha técnica pela adoção de medidas de mitigação em vez da adoção de medidas de prevenção dos impactos, tal como aquelas já adotadas pelo Ibama, com a definição de vazão média mais elevadas para o Trecho de Vazão Reduzida? Indicar nominalmente os responsáveis por tais estudos e conclusões.
6 - A assinatura do Termo de Compromisso, com a adoção de medidas de mitigação, significa que o Ibama considera inviáveis medidas de prevenção do dano no Trecho de Vazão Reduzida? Se positivo, qual a fundamentação técnica de tal conclusão? Se negativo, o que justifica a adoção de medidas de mitigação se existentes medidas de prevenção do impacto ambiental? Em ambos os casos, indicar nominalmente os autores de tais estudos e conclusões.
7 - Quais os critérios técnicos que, a partir da adoção de medidas de mitigação, permitem afastar a conclusão constante do Parecer Técnico 133/2019/DILIC, que demonstra que "os dados presentes no processo de licenciamento são insuficientes para garantir que não haverá piora drástica nas condições ambientais e de modo de vida na Volta Grande do Xingu no caso de sua implementação"?
8 - Quais os critérios técnicos (e os autores de tais estudos e conclusões) que demonstram de que forma concreta as medidas de mitigação acertadas com a Norte Energia impedem que a aplicação do Hidrograma B do Hidrograma de Teste resulte em "piora drástica nas condições ambientais e de modo de vida na Volta Grande do Xingu no caso de sua implementação"? Como se chegou a tal conclusão?
9 - Quais as justificativas técnicas (e os autores de tais estudos e conclusões) que demonstram a pertinência e correlação entre os impactos decorrentes da aplicação do Hidrograma B do Hidrograma de Testes e as medidas de mitigação previstas no "Plano de Fortalecimento Comunitário, em especial, o Projeto Experimental de Biotecnologia Aplicada à Reprodução de Peixes Nativos na Volta Grande do Xingu; Projeto de Fortalecimento da atividade produtiva de subsistência; e o Projeto de Incentivo à Pesca Sustentável"?
10 - Quais as justificativas técnicas (e os autores de tais estudos e conclusões) que permitem afirmar que as medidas de mitigação acertadas com a Nesa, dentre elas "o Plano de Fortalecimento Comunitário, em especial, o Projeto Experimental de Biotecnologia Aplicada à Reprodução de Peixes Nativos na Volta Grande do Xingu; Projeto de Fortalecimento da atividade produtiva de subsistência; e o Projeto de Incentivo à Pesca Sustentável" são suficientes e adequadas para compor o dano decorrente do regime de vazão média previsto no Hidrograma B? Como se aferiu que tais medidas implicarão em evitar a perenização da "piora nas condições ambientais e de modo de vida na Volta Grande do Xingu no caso de sua implementação"?

https://amazoniareal.com.br/belo-monte-inviavel/

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.