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Belo Monte e as tentativas de viabilizar o inviável

Desafios do Desenvolvimento n. 55, out.-nov. 2009, p. 48
Autor: RAMOS, Adriana
30 de Nov de 2009

Belo Monte e as tentativas de viabilizar o inviável

Adriana Ramos

Recentemente, durante a abertura do 6 Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou ver "forças demoníacas" impedindo a realização de usinas hidrelétricas de grande porte no país. A manifestação se referia em especial à Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, em processo de licenciamento.

A polêmica em torno de Belo Monte é antiga. Planejada na década de 1980 como um Complexo Hidrelétrico que reunia as Usinas de Babaquara e Kararaô, previa, na época, a inundação de sete milhões de hectares e a remoção de 13 comunidades indígenas. Os impactos previstos levaram a uma grande mobilização indígena que culminou no 1 Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989, em Altamira (PA), quando os Kaiapó protestaram contra as decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios e contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu.

No governo FHC, já com o nome de Belo Monte e com o projeto remodelado para evitar a inundação da Terra Indígena Paquiçamba, aparece como uma das muitas obras estratégicas do programa Avança Brasil. Os impactos de Belo Monte foram reconhecidos no documento o lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil, parte do Programa de Governo do presidente Lula na campanha de 2002: "Dois projetos vêm sendo objeto de intensos debates: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e o de Gás de Urucu, no Amazonas. (...). Considerando as especificidades da Amazônia, o conhecimento fragmentado e insuficiente que se acumulou sobre as diversas formas de reação da natureza em relação ao represamento em suas bacias, não é recomendável a reprodução cega da receita de barragens que vem sendo colocada em prática pela Eletronorte".

Era de se esperar, portanto, que a decisão do governo Lula sobre a barragem de Belo Monte levasse em consideração a complexidade da obra e da região, alterando o modo padrão pelo qual as obras de engenharia vêm sendo historicamente planejadas e executadas na Amazônia. Para isso, a adoção de instrumentos de planejamento deveriam servir de base à tomada de decisão sobre a viabilidade e pertinência das obras.

Mas não foi essa a opção do governo federal. A Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Rio Xingu somente foi finalizada em março deste ano, mesmo período em que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) foi protocolado no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Não é de se estranhar que dificuldades para o licenciamento decorram das inconsistências e contradições de todo o processo. O EIA aceito pelo Ibama não correspondia aos termos de referência que o próprio Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai) elaboraram, o que motivou uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal. O prazo de 45 dias, previsto em lei para entrega e disponibilização dos estudos para as audiências públicas, não foi respeitado e as audiências não responderam à maioria das questões colocadas pelas organizações da sociedade. Além disso, declarações do próprio governo relativas aos custos da obra são extremamente desencontradas, variando de R$ 7 bilhões a mais de R$ 40 bilhões, o que, portanto, não permite afirmar ainda se o empreendimento é sequer viável economicamente.

Para agravar um quadro já tão complexo, o presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, em entrevista ao jornal Valor Econômico do dia 5 de outubro, disse que nenhuma contribuição ou questionamento sobre o EIA de Belo Monte havia sido entregue. Ocorre que movimentos sociais e cientistas de vários estados brasileiros protocolaram 230 páginas de análises críticas sobre o empreendimento, dentro do prazo previsto no regimento que o próprio Ibama definiu.

O Rio Xingu é um símbolo da diversidade biológica e cultural brasileira. A bacia hidrográfica do Xingu tem 51,1 milhões de hectares com 27 milhões de hectares de alta prioridade para a conservação da biodiversidade, abrigando 30 Terras Indígenas, 24 povos com 24 diferentes línguas e oito Unidades de Conservação da Natureza. A importância ecológica, social e cultural dessa região demanda mais atenção e critério para o estabelecimento de projetos como o de Belo Monte.

As empresas públicas envolvidas com o projeto - Eletrobrás e Eletronorte - são membros da Associação Internacional de Hidroeletricidade (International Hydropower Association - IHA), que, em fevereiro de 2004, publicou suas Diretrizes de Sustentabilidade para o setor. O documento afirma que "a abordagem de precaução é um dos valores subjacentes que orientam os esforços com vistas à obtenção de resultados mais sustentáveis para projetos novos e existentes. Na aplicação dessa abordagem, as decisões públicas e privadas devem ser guiadas pela: (1) avaliação para evitar, sempre que viável, danos sérios ou irreversíveis ao meio ambiente; (2) consideração da necessidade de eletricidade e de fontes confiáveis de água para reduzir a pobreza e melhorar os padrões de vida; e (3) avaliação dos riscos associados a diferentes opções.

Reclamar da morosidade do processo de licenciamento e exercer pressão política para a concessão das licenças tem sido um caminho mais fácil para os empreendedores do que cumprir essas diretrizes e os preceitos legais que garantem os direitos dos diretamente afetados pelas obras.

Adriana Ramos, secretária-executiva adjunta do Instituto Socioambiental (ISA)

Desafios do Desenvolvimento n. 55 out.-nov. 2009, p. 48

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