VOLTAR

A batalha da ministra

CB, Brasil, p. 6
Autor: SILVA, Marina
21 de Jan de 2008

A batalha da ministra
Ambientalista vive à mercê de um cabo de força entre protecionismo e desenvolvimento econômico

Entrevista - Marina Silva

Citada no início do mês em uma lista do jornal britânico The Guardian entre as 50 pessoas que podem ajudar a salvar o planeta, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, prefere a modéstia ao comentar o destaque mundial. "É muito mais uma representação simbólica", diz, em entrevista ao Correio. Apesar do reconhecimento internacional, Marina vive, constantemente, à mercê de um cabo de força entre as ações de proteção ao meio ambiente e as propostas de integrantes do governo federal para o desenvolvimento econômico do Brasil.
Instigada a tomar partido sobre uma das ações mais polêmicas, o projeto de transposição do Rio São Francisco, Marina prefere uma saída diplomática. "Tecnicamente, o projeto é viável, do ponto de vista ambiental", destaca. Mas a queda-de-braço com grandes obras de infra-estrutura no governo de Luiz Inácio Lula da Silva tende a se intensificar.
Semana passada, o ministro Roberto Mangabeira Unger, da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo da Presidência da República, anunciou no Pará um plano de desenvolvimento sustentável da floresta, sem a presença da "dama-da-mata". Questionada sobre sua ausência na comitiva do Projeto Amazônia de Mangabeira, Marina alegou que enviou representantes e comentou que o documento apresentado pelo ministro é pessoal e para uma discussão com a sociedade.
Mesmo com as pressões que vêm do Palácio do Planalto, Congresso e Esplanada, Marina descarta atropelo das ações ambientais no Brasil e destaca que no mundo inteiro os ambientalistas buscam estratégias de desenvolvimento econômico aliadas à preservação dos recursos naturais.

Hércules Barros
Da equipe do Correio

A senhora foi citada em uma lista internacional de 50 pessoas que podem ajudar a salvar o planeta. Acredita ter força para isso?

É muito mais uma representação simbólica. Me deixa honrada pela qualidade das pessoas que constam da escolha. Mas o caráter da lista mostra que o desafio e a natureza da crise ambiental global que se está vivendo hoje é de tal magnitude que precisa perpassar todos os segmentos da sociedade.

Não era para a senhora estar à frente do Projeto Amazônia, apresentado pelo ministro

Roberto Mangabeira Unger, da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo da Presidência da República, dia 15 de janeiro, no Pará?
Primeiro que não é um projeto. Os projetos (ambientais) que têm no governo são o PAS (Programa de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), o Plano BR-163 Sustentável e toda a agenda no âmbito do plano de combate ao desmatamento. O que o ministro está fazendo é um debate de acordo com a natureza do que é a sua secretaria.

O ministro chegou a apresentar essas propostas ao Ministério do Meio Ambiente?

Conversamos pelo menos três ou quatro vezes. Ele apresentou um documento que é pessoal para uma discussão com a sociedade. O debate dentro do governo contará, inclusive, com essa contribuição. Não vou fazer provocação nas questões que o ministro levantou.

No Brasil, as ações ambientalistas são atropeladas pelas grandes obras?

No mundo inteiro, os ambientalistas buscam fazer com que as estratégias de desenvolvimento econômico sejam igualmente de preservação dos recursos naturais. É por isso que o licenciamento do Madeira (construção de hidrelétrica no rio) levou dois anos para ser feito. Tanto a sociedade quanto o governo querem energia, mas querem que se resolvam as ações que interferem no ecossistema. A diferença hoje é que se começa um diálogo entre os ministérios da área de desenvolvimento e o setor ambiental.

Então como está sendo conciliada a preservação ambiental e a produção de etanol no cerrado, por exemplo, que já perdeu 61% da sua cobertura original?

Para o bem dos biocombustíveis, eles precisam ser produzidos em bases sustentáveis. Isso está sendo trabalhado pelo Ministério da Agricultura, com o zoneamento agrícola do país. Nós estamos participando desse processo. Precisamos de uma fonte limpa de energia, sem produzir a destruição de qualquer ecossistema.

O cerrado só tem 3,8% de Unidades de Conservação, contando federais, estaduais e municipais. Não é pouco?

As primeiras reservas extrativistas do cerrado foram criadas na atual gestão. Esse conceito está aprovado há mais de 20 anos. De acordo com a Convenção de Biodiversidade Biológica, trabalhamos com a meta dos Objetivos do Milênio de chegar a pelo menos 10% em todos os biomas até 2015.

Comparada com o cerrado, a Amazônia está em melhor situação. Tem 17,7% de UC. Faz sentido as críticas de que o MMA supervaloriza os temas amazônicos?

Não. A prioridade é dada igual. A diferença é que na Amazônia há uma grande quantidade de terra pública, cerca de 42%. Em outras regiões, as terras são de particulares ou de governos estaduais, e a governança do ministério é mais baixa.

De julho de 2007 para cá, o desmatamento cresceu, comparado com o mesmo período do ano passado. A temporada de desmatamento começa em maio. Que medidas foram tomadas para barrar esse crescimento?

O reforço das operações de fiscalização. Estávamos com 23 operações simultâneas e aumentamos para 40. O trabalho da Polícia Federal e do Exército terá o reforço da Força Nacional de Segurança, que o ministro Tarso Genro (da Justiça) colocou à disposição das nossas ações. Agora, quem comercializar ou transportar produtos das áreas desmatadas estará também sujeito às penalidades que combatem o desmatamento.

A medida sai antes de maio?

Já estamos em fase de finalização da regulamentação do decreto. A portaria que será assinada por mim trará a lista dos municípios prioritários em que as ações irão acontecer. A lista é um processo complexo. O presidente Lula me pediu uma reunião com os governadores da Amazônia e com os prefeitos dos municípios da lista para que possamos fazer um esforço nacional.

Recentemente foi publicado o primeiro edital de concessão de florestas públicas à gestão privada. A primeira área é a Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, um dos estados onde o desmatamento é mais intenso. Não é arriscado?

O risco é deixar os predadores invadindo as florestas públicas, grilando e fazendo exploração predatória de madeira. O correto é dizer que as terras são públicas e que para serem exploradas passarão por uma concessão criteriosa do poder público, do ponto de vista ambiental, econômico e social.

No Congresso, o projeto de lei que reduz a reserva de floresta da Amazônia de 80% para 50% e estabelece a possibilidade de plantar espécies exóticas em áreas desmatadas acaba contribuindo para o desmatamento, não?

Procuramos que fossem contempladas as questões que estão previstas na Lei de Gestão de Florestas Públicas, de Zoneamento Ecológico Econômico e do Código Florestal, mas infelizmente houve uma radicalização por parte da bancada ruralista, que está fazendo uma proposta na contramão de tudo que estamos fazendo. O governo federal vai ser contra essa proposta.

O ministério não conseguiu ser mais enfático nas discussões no Congresso?

O ministério foi para o debate. Foram intensas reuniões, mas infelizmente não prosperou a idéia de ter uma sensatez. Agora estamos com uma posição de trabalhar contra a aprovação da medida.

E no caso do projeto da transposição do Rio São Francisco? Se teve a aprovação do ministério, por que não convence os contrários?

As pessoas não estão questionando os aspectos ambientais. O debate é sobre os aspectos de oportunidade e conveniência da obra. Quando dentro de um espaço público tenho que me manifestar contra ou favorável a um empreendimento, eu o faço. Como o fiz na questão de Angra 3 (usina nuclear). A minha opinião e a do ministério são contra. Mesmo assim, a minha posição política não vai prevalecer em relação aos aspectos técnicos do processo de licenciamento que têm que ser observados.

A senhora é favorável à transposição?

Tecnicamente, do ponto de vista ambiental, o projeto é viável. Se não, a licença não teria sido dada. Com relação aos aspectos de oportunidade e conveniência, mantenho minha posição de não fazer o debate.

A revitalização está tendo o mesmo peso que a transposição?
São de natureza diferente.

Por quê?

Um empreendimento termina quando a obra se consolida. Outra coisa é o processo que remonta desde a ocupação dos estados que são lindeiros ao rio, que jogaram durante todo esse tempo seus esgotos dentro das águas do São Francisco. Esse é um processo que não tem período definido. O cronograma deve ser permanente.

O orçamento do Meio Ambiente para este ano vai ter que se adequar a uma redução forçada com a não continuidade da CPMF. Não assusta a senhora?

É motivo de preocupação não só para a ministra do Meio Ambiente, como para os ministros da Educação, Desenvolvimento Agrário e, principalmente, da Saúde. Há que ter uma discussão solidária dentro do governo, compreendendo que áreas estratégicas não poderão ser subtraídas.

Qual é a previsão de recursos para o Meio Ambiente no Orçamento da União este ano?

Dois bilhões e 600 mil reais, sendo R$ 1 bilhão recurso da fonte do petróleo, que não é recolhido para o ministério. Trata-se de reserva de contingência. Só pode ser utilizado em acidentes com petróleo. O orçamento da pasta é pouco mais de R$ 1 bilhão, contando as secretarias.

Falando em secretarias, os dirigentes interinos tanto do Ibama quanto do Instituto Chico Mendes estão há quase um ano. Ficaram definitivos?

Não precisamos de pressa porque os interinos estão fazendo um bom trabalho. O que está sendo determinado é que o processo de estruturação do Chico Mendes seja tranqüilo. O que a gente busca é a eficiência da gestão.

CB, 21/01/2008, Brasil, p. 6

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.