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Bancos discutem critérios socioambientais do crédito

FSP, Dinheiro, p. B11
24 de Jun de 2008

Bancos discutem critérios socioambientais do crédito
Resolução do BC obriga instituições a dar crédito só a produtor sem risco ambiental
Regra, que vale a partir de 1o de julho, provoca polêmica: até que ponto o banco é responsável por avaliar o risco ambiental do cliente?

André Palhano
Colaboração para a Folha

A partir da próxima terça-feira, dia 1o de julho, entra em vigor uma resolução do Banco Central que determina aos bancos públicos e privados restringirem a concessão de crédito rural apenas a produtores que estejam devidamente regularizados com os órgãos de fiscalização. Ainda que restrito à Amazônia Legal e de eficácia questionável, o documento deu fôlego a um debate que vem sendo travado há algum tempo no sistema financeiro no Brasil e no exterior: até que ponto os bancos são responsáveis pela avaliação dos riscos socioambientais de seus tomadores de crédito?
"Há pessoas que acreditam que os bancos são totalmente responsáveis pela avaliação socioambiental de seus clientes. Outras, que os bancos não têm responsabilidade alguma, pois isso caberia ao Estado. A resposta correta deve estar em algum lugar no meio do caminho", diz Christopher Wells, principal executivo da força-tarefa para América Latina da Unep-FI, braço do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas para o setor financeiro).
O debate tomou forma em 2002, quando o IFC (International Finance Corporation), braço financeiro do Banco Mundial, e um grupo de bancos privados lançaram os Princípios do Equador, que originalmente reuniam um conjunto de critérios de avaliação socioambiental que passariam a ser exigidos na concessão de créditos para empresas e projetos de infra-estrutura a partir de determinado valor. O objetivo: evitar o financiamento de empresas e obras potencialmente desastrosas para a sociedade e o ambiente.
O tema da sustentabilidade cresceu. E diversos bancos passaram a incorporar princípios semelhantes em suas operações cotidianas de crédito, criando áreas específicas ou em parcerias com ONGs (organizações não-governamentais) e consultorias para avaliar os riscos socioambientais de seus clientes. É uma avaliação interessante para as instituições financeiras, na medida em que o risco de inadimplência de uma empresa potencialmente sujeita a multas ambientais e trabalhistas, ou a acidentes, é consideravelmente maior.

Discussão avançada
Mais recentemente, a utilização maciça da sustentabilidade como estratégia de negócios e de marketing por parte dos bancos agregou um novo fator de risco relacionado ao tema: o de imagem. "A responsabilidade que um banco tem de avaliar os riscos socioambientais de seus clientes se torna maior quando esse assunto é utilizado em seu posicionamento estratégico. Quanto maior esse uso, maior o telhado de vidro", afirma Gustavo Pimentel, gerente do Programa Eco-Finanças, da organização Amigos da Terra -Amazônia Brasileira.
Segundo os especialistas, o Brasil é um dos países mais avançados na discussão sobre critérios e responsabilidades socioambientais relacionados ao crédito bancário. O que pode ser explicado, em boa parte, pelos conhecidos problemas da fiscalização do setor público, entre eles o de falta de pessoal, de recursos e a corrupção. Em outras palavras, uma empresa pode estar em dia com os órgãos de fiscalização trabalhista e ambiental e, ao mesmo tempo, representar enormes riscos de inadimplência, de garantias e de imagem para as instituições financeiras.
Essa realidade acabou funcionando como um verdadeiro acelerador do tema socioambiental nas áreas de crédito das instituições financeiras locais. "Em alguns países, estar em dia com os órgãos de fiscalização já basta para que os bancos tenham segurança nesse quesito ao emprestar os recursos. No Brasil, os problemas que temos nessa área são justamente a causa desse debate no sistema financeiro", diz Wells.

Formação especial
Quase todos os bancos de maior porte já possuem ou estão estruturando áreas específicas de avaliação de critérios sociais e ambientais no segmento de pessoas jurídicas. Nelas, a formação dos funcionários foge do padrão da indústria financeira: são geólogos, biólogos, cientistas sociais e técnicos ambientais, entre outros, que realizam o trabalho.
O que a resolução do BC trouxe de novo foi regulamentar um assunto que os bancos preferem relacionar às suas próprias decisões e práticas na área socioambiental. E cujos limites ainda não parecem muito claros sequer para os bancos. "Há um grande debate no setor financeiro, que é justamente se a responsabilidade socioambiental dos bancos tem ou não limites. A única coisa que se sabe até agora é que, em um cenário de evolução do tema da sustentabilidade, esses limites serão cada vez mais estendidos", diz Sônia Favaretto, diretora de responsabilidade social da Federação Brasileira de Bancos.
Outro dilema enfrentado pelos bancos é a concorrência. Afinal, um banco pode se recusar a conceder crédito para um cliente, seguindo critérios socioambientais, e esse mesmo cliente conseguir o crédito em outro banco. "Isso é uma coisa que acontece, ainda que seja cada vez menos comum. É por isso que precisamos de políticas setoriais, coordenadas, pois é do interesse de todos ter um bom radar para detectar clientes que representem riscos socioambientais", diz Wells.

Resultado será restrito, dizem especialistas

Colaboração para a Folha

A resolução no 3.545, aprovada em fevereiro pelo CMN, terá efeito praticamente nulo em relação à conservação das matas na região da Amazônia Legal, apontam especialistas.
Segundo análise da Febraban, a restrição para a concessão de crédito para quem não estiver em dia com os órgãos ambientais na região só vale para o crédito rural. Ficam de fora madeireiras e empresas de agropecuária, responsáveis por grande parte do desmatamento.
E mesmo os produtores rurais, diz Gustavo Pimentel, da Amigos da Terra, podem tomar outras linhas de crédito que não a de crédito rural. Além disso, a norma permite que o produtor não regularizado tome o crédito com a apresentação do protocolo do pedido de sua regularização no órgão competente.

FSP, 24/06/2008, Dinheiro, p. B11

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