VOLTAR

Baixa no mercado de CO2

O Globo, Razão Social, p. 18
01 de Nov de 2011

Baixa no mercado de CO2

Amelia Gonzalez
amelia@oglobo.com.br

Discutido e negociado em Kyoto, no Japão, em 1997, na esteira da Conferência do Clima, realizada aqui no Rio de Janeiro em 1992 (a ECO-92), o Protocolo de Kyoto propôs um prazo para os países reduzirem suas emissões de carbono: 2012. Assinado por 55% dos maiores emissores (Estados Unidos não aderiu), o texto decreta que os países industrializados podem vender unidades de redução de emissões uns aos outros, bem como negociá-las com países em desenvolvimento para computá-las em suas metas de redução. Estava criado, assim, um novo mercado na economia: o de carbono.
Para alguns economistas, foi apenas uma forma de neoliberais orquestrarem à sua maneira uma solução para um grande problema da humanidade. Como já ficou provado através de vários estudos (entre eles o Relatório Stern, em 2006, que causou grande rebuliço no mercado), estamos acrescentando CO2 em doses cavalares na atmosfera, o que, como se sabe, faz o planeta aquecer e, consequentemente, torna muito mais dura a vida dos humanos por aqui.
A esperança da maioria, no entanto, é que a criação da possibilidade de negociar emissões seja o jeito certo para reduzi-las. Até a crise econômica mundial abalar as estruturas dos outros mercados, em 2008, o de carbono parecia ir muito bem. De acordo com a Divisão de Financiamento do Carbono do Banco Mundial, 337 toneladas métricas de CO2 foram negociadas por meio de projetos em 2008, mais do que o dobro do ano anterior, segundo informa Anthony Giddens em seu "A Política de Mudança Climática". Em valores, chegou-se à cifra de US$ 7,4 bilhões negociados em 2007.
Mas o último relatório do Banco Mundial, publicado em 2010, mostra que este mecanismo está perdendo fôlego. Enquanto de 2005 a 2007 foram negociados 20% do total do mercado global de carbono, em 2010 foi apenas 1%.
Para o pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP, Luiz Gylvan Meira Filho, era de se esperar que a crise econômica mundial abalasse as estruturas do mercado de carbono. Mas ele não acha que o sistema tenha falido:
- Na Europa e nos Estados Unidos, funciona assim: o governo manda cortar as emissões. A empresa faz os cálculos, vê que terá que gastar muito dinheiro para cortar e pergunta: "e se eu continuar emitindo?". A resposta a essa pergunta é simples: "vamos multá-la". Mas, antes que o empresário perca o sono, ele é avisado de que pode comprar emissão de outra empresa, até mesmo aqui no Brasil, que tem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) funcionando. É uma solução para o empresário, sai mais barato do que pagar a multa. O que aconteceu é que, com a crise econômica, o volume de produção das indústrias diminuiu e, como todos estão comprando menos, o preço caiu - disse ele.
Para o professor do curso de mestrado em Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Peter May, no entanto, na trajetória do mercado de carbono ficou esquecida uma parte importante do acordo: a transferência de tecnologia dos países do Norte para os países do Sul, em desenvolvimento.
- A inovação tecnológica é importante, torna-se uma vantagem competitiva. A lógica do MDL é essa, mas não foi atingida. Assim o mercado ficou capenga, reduzido em termos de quem cria o contexto do mercado financeiro para vir a ser interessante - disse ele.
Para Peter May, até que se tenha um quadro regulatório adequado, não vai haver mobilização de recursos de grande vulto associada ao mercado de carbono. Talvez por isso, o principal autor do Relatório Stern, Nicholas Stern, tenha proposto, recentemente, um novo acordo global sobre a mudança climática. Para ele, não há mais tempo para discussões e todos os países devem fazer seu papel.
Stern imagina, segundo relata Anthony Giddens, "um mercado mundial de emissões de carbono já instaurado em 2020, que abranja todos os países industrializados e também as mais ricas dentre as nações em desenvolvimento". Giddens critica o colega, acha que Stern está sendo muito otimista:
"É como se o acordo global pudesse ser alcançado assim que as nações do mundo derem ouvidos à razão. Stern deposita enorme confiança nos mercados de carbono, mas eles dependem de apoio político prévio".
Gylvan Meira entra na discussão com um argumento simples: para ele, o erro está em achar que o mercado de carbono vai resolver o problema das mudanças climáticas.
- A única coisa que o mercado faz é baixar o custo das emissões para a sociedade. E como eu entendo que a sociedade se interessa pelo custo mais baixo possível, eu acho que o mercado vai continuar a existir. Quer fazer baixar as emissões sem mercado? É simples. Basta regular, decretar uma lei através de um órgão ambiental. Aí vai diminuir, mas quem vai pagar a conta, no final, é a sociedade porque quem vai gastar dinheiro para diminuir as emissões vai querer passar esse custo para nós.
Ao que parece, esta discussão vai estar em várias mesas durante a realização da Rio+20, que vai acontecer aqui no Rio em maio do ano que vem.

O Globo, 01/11/2011, Razão Social, p. 18

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.