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Atravessando a fronteira, euros

CB, Brasil, p. 14
20 de Abr de 2008

Atravessando a fronteira, euros
No norte do Amapá, índios vão à Guiana Francesa em busca do salário mínimo local - que equivale a R$ 1.230,00 e provoca uma enorme mudança de vida. Grande parte do pagamento, porém, acaba em álcool

Fernanda Odilla
Enviada Especial

Saint Georges L´Oyapock -Índio no norte do Amapá quer euro. Não-índio também. Todos os dias, brasileiros em busca de dinheiro atravessam o Rio Oiapoque em pequenas embarcações com destino à Guiana Francesa, estado ultramarino da França, onde a moeda local é o euro e o governo francês paga aos cidadãos do país benefícios como um salário mínimo de inserção a partir de 447 euros (cerca de R$ 1.230,00).
Para os índios que vivem no Amapá é mais fácil receber o benefício.
Basta comprovar residência no lado francês. Se forem casados e tiverem filhos, o valor do salário é ainda maior. A antropóloga Dominique Gallois, pesquisadora de diferentes etnias da região, explica que todos os grupos indígenas que vivem no Amapá têm parte de suas comunidades nos dois lados da fronteira. O mesmo acontece com as tribos do norte do Pará e de Roraima, estados que fazem fronteira com Suriname e Guiana.
"Na França, os índios não têm estatuto especial, são franceses e ponto. Portanto, recebem todas as ajudas legais, como qualquer francês", esclarece a antropóloga Dominique Gallois. O salário mínimo de inserção (Revenu Minimum d'Insertion, ou RMI) é pago a todo cidadão francês desempregado ou que não receba outro tipo de benefício. Um casal com duas crianças, por exemplo, recebe 940,62 euros (leia quadro).
Tudo pelo visto
Camopi e Saint Georges são as duas cidades francesas mais próximas à fronteira com o Brasil.
Além de policiais franceses da Gendarmerie e militares da Legião Estrangeira, elas abrigam brasileiros que fazem de tudo para conseguir visto ou nacionalidade francesa, como o goiano Ademar Marques Araújo, que se casou com uma mulher nascida na Guiana Francesa e hoje vive de bicos. Ele se orgulha de mostrar as notas de 100 euros que recebe do governo francês. "Foram essas notas que me fizeram atravessar o rio", diz.
Também circulam pelas duas cidades índios franceses e índios brasileiros. Em Camopi, são cerca de 1,1 mil pessoas - distribuídas por 10 aldeias. A maioria fala patoá, e alguns arranham português e francês. Do outro lado do rio, está a aldeia Vila Brasil, na fronteira norte do parque do Tumucumaqui, com um pelotão do Exército brasileiro e um assentamento ilegal, a sete horas de barco de Oiapoque. Lá, dizem os militares, índios franceses com euros nas mãos empregam trabalhadores temporários brasileiros para trabalhar em seus campos ou garimpar em suas áreas.
Heineken e bordel
Mas é o álcool que consome os euros dos índios. Em Saint Georges, no final da manhã de uma quinta-feira, é possível avistar índios alcoolizados em bares ou deitados em redes, dentro de barcos. Alcoolizados o suficiente para ter dificuldade de pronunciar o próprio nome, os índios bebem cervejas Heineken e Stela Artois. Na Vila Brasil, os euro-indígenas são facilmente enganados. Chegam a pagar mais de 30 euros por uma caixa de cerveja brasileira e 50 euros por uma visita ao bordel local. O comandante da área, capitão Sartori Aguiar, diz que acompanha de perto essa situação. Ele lamenta que outros órgãos da União não estejam presentes de forma mais efetiva para ajudar os índios brasileiros.
A cada três meses, há um controle para saber se os beneficiários do salário de inserção continuam em território francês. Por isso, explica a antropóloga Dominique, muitos índios da etnia Wayãpi de Camopi que se mudaram para o lado brasileiro e se esqueceram de voltar perderam o direito à ajuda. "Isso vale não só para os Wajãpi, mas para todos os grupos. Em Saint Georges vive uma grande comunidade de índios Palikur, que sempre atravessam a fronteira para visitar os parentes do lado brasileiro.

CB, 20/04/2008, Brasil, p. 14

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