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Atingidos por barragens

O Globo, Vida, p. A19
Autor: KELMAN, Jerson
14 de Mar de 2008

Atingidos por barragens

Jerson Kelman

No dia do leilão da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, muitos servidores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não puderam trabalhar devido à ocupação da portaria da Agência por integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens, da Via Campesina e de outros movimentos supostamente populares, mas pouco conhecidos. Eles protestavam contra o leilão. E, adicionalmente, contra a transposição do Rio São Francisco, que nem sequer é de alçada da Aneel. A expulsão dos invasores pela Polícia Militar do Distrito Federal foi firme e serena, o que evitou a ocorrência de alguma tragédia. Durante a ocupação, que durou quatro horas, os militantes praticaram atos de vandalismo e entoaram palavras de ordem.

Essas serviram mais para manter a turma animada do que para ajudar a entender o que pretende o movimento. Seria assegurar a justa compensação às comunidades reassentadas ou arregimentar os atingidos por barragens para engrossar o exército dos que lutam contra o capitalismo?

A Aneel e o movimento convergem no entendimento que uma usina hidroelétrica só é bem-feita quando há respeito pela população a ser reassentada. Pagar a justa indenização é condição necessária, mas não suficiente. Tratar com respeito significa também compreender que não há dinheiro que pague o constrangimento de uma senhora que, na velhice, é forçada a abandonar a casa onde viveu toda a sua vida. Nesse tipo de situação é preciso atenção e carinho. Não arrogância.

O problema surge quando essa mesma senhora não quer a construção da barragem e ponto final. Nesse caso, o movimento entende que o desejo dela tem que ser respeitado, não importa que, em substituição à hidroelétrica, se construam usinas térmicas, que geram energia mais cara e poluente.

A Aneel, por outro lado, entende que o interesse legítimo dessa senhora não pode se sobrepor ao de milhões de brasileiros que desejam uma economia competitiva, com energia abundante a baixo custo, para garantir mais empregos e boa qualidade de vida.

Tanto quanto o movimento, a Aneel também entende que "as águas são para a vida". Todavia, não há como concordar com a postura do movimento, e das demais entidades invasoras, em querer impor o seu ponto de vista pela força, sem atentar que o ponto de vista oposto não é o de um regime ilegítimo. Ao contrário, é de um governo democraticamente eleito, que tem o direito e a obrigação de materializar as obras que interessam à maioria da população, desde que respeitados os direitos das minorias. E entre esses direitos não se inclui o de veto.

Jerson Kelman, é diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O Globo, 14/03/2008, Vida, p. A19

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