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Ataque à Constituição

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: MOLON, Alessandro
02 de Abr de 2012

Ataque à Constituição

Alessandro Molon

A bancada ruralista da Câmara dos Deputados se uniu novamente em torno de uma bandeira que pode levar a um retrocesso que anulará décadas de conquistas sociais em nosso país: a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania admitiu a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000 e de outras dez anexas a ela.
Uma decisão contrária à Constituição, à Justiça, e à Cidadania - exatamente o que a Comissão deve proteger.
Em síntese, as emendas admitidas, se aprovadas pelo Congresso, farão com que nenhuma reserva indígena, quilombola ou zona de conservação ambiental venha a ser criada sem votação no Legislativo.
Considerando a força da bancada ruralista, isto significa, na prática, que não haverá novas reservas indígenas, áreas de conservação ambiental ou quilombolas. Os defensores destas propostas argumentam que, por ser o Legislativo mais plural e representativo do que o Executivo, ao se dar àquele esta atribuição, a proposta seria um avanço democrático. Falso.
Antes de mais nada, tais propostas são flagrantemente inconstitucionais.
Jamais poderiam ter sido consideradas admissíveis porque violam o artigo 60, parágrafo 4, da Constituição Federal, que estabelece que "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (III) a separação dos Poderes" e "(IV) os direitos e as garantias individuais". De uma só vez, as emendas propostas violam essas duas proibições constitucionais.
Primeiro, porque o ato de demarcação de terras indígenas é administrativo e cabe, exclusivamente, ao Executivo - conforme entendimento do STF no julgamento da ação popular em torno da Reserva Raposa Serra do Sol.
Assim, o Congresso tomar esse poder do Executivo representa usurpação, uma afronta à separação de Poderes republicanos. Segundo, porque os constituintes de 1988 consideraram as terras indígenas direitos originários destes povos e, portanto, anteriores à atual Constituição, que precisam ser reconhecidos e respeitados. Na medida em que as propostas de emendas constitucionais criam obstáculos ao reconhecimento e ao respeito a estes direitos, tendem a aboli-los e, portanto, violam, evidentemente, a Constituição (artigo 60, parágrafo 4,).
A aprovação da PEC 215/2000 foi mais uma demonstração de força da bancada ruralista na Câmara. É a sanha por mais terras para o agronegócio.
A nova fronteira, depois da mutilação do Código Florestal. Impedir que continuem sendo reconhecidas terras indígenas e quilombolas e criadas zonas de conservação ambiental parece ser fundamental para quem só pensa em derrubar árvores para ganhar mais dinheiro. Mesmo que isto represente uma ameaça aos ecossistemas de nosso país e violações aos direitos de indígenas e afrodescendentes.
Mesmo que isto signifique fazer a Câmara retroceder décadas.
Perdeu-se a primeira batalha, mas não a guerra. Vamos recorrer da decisão, lutar contra este atentado à Constituição e combater este absurdo. Se não for suficiente, rumo ao STF - para impedir esse absurdo retrocesso.

Alessandro Molon é deputado federal (PT-RJ).

O Globo, 02/04/2012, Opinião, p. 7

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