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Assassino de sapos invade mata atlântica

FSP, Ciência, p. A14
01 de Fev de 2006

Assassino de sapos invade mata atlântica

Fungo ligado a extinções de anfíbios em todo o mundo está amplamente distribuído pelo ecossistema, diz estudo
Como se os anfíbios da mata atlântica já não tivessem problemas suficientes, o fungo que está sendo considerado um dos principais responsáveis pelo desaparecimento de muitas espécies do grupo acaba de ser identificado em várias áreas do ecossistema mais ameaçado do Brasil.
Os dados, levantados por pesquisadores do Brasil e da Costa Rica ao analisar exemplares de sapos, rãs e pererecas preservados em museus, indicam que pelo menos cinco espécies da mata atlântica já estão contaminadas pelo fungo parasita Batrachochytrium dendrobatidis.
Embora peça cautela ao interpretar os resultados, Ana Carolina Carnaval, pesquisadora da Universidade da Califórnia em Berkeley que coordena o estudo, diz que se trata de "um alerta, um sinal amarelo". A urgência pode ser ainda maior quando se leva em conta que parece haver uma correlação entre o aquecimento global e a expansão do fungo pelo mundo. "Os dados disponíveis no Brasil são condizentes com a idéia da interação fungo-clima levando a declínios populacionais, ainda que não a comprovem", diz ela.
Há outros motivos para preocupação além da mera presença do parasita, que só foi achado no país pela primeira vez no ano passado, em Camanducaia (MG). Os espécimes infectados vieram de lugares tão distantes quando Pernambuco e o litoral de São Paulo e dos mais variados relevos, do nível do mar até montanhas com 2.400 m de altura. Portanto, podem ser apenas a ponta do iceberg -e isso num ecossistema que já perdeu 93% da área original e no qual 60% das mais de 450 espécies de anfíbios são endêmicas, ou seja, só podem ser achadas ali.
Quem procura acha
Carnaval conta que os resultados não a surpreenderam. Até então faltava um esforço para identificar o fungo no país, mesmo porque ele é um tema relativamente novo de pesquisa. "No ano passado, um herpetólogo [especialista em anfíbios e répteis] equatoriano, Santiago Ron, usou as características climáticas dos locais onde havia o fungo para prever sua ocorrência em áreas até então não estudadas. E a probabilidade resultou alta para toda a mata atlântica. Esse trabalho foi o empurrão que faltava para a gente", diz.
A equipe, que inclui também Vanessa Verdade e Miguel Rodrigues, da USP, Oswaldo Peixoto, da Universidade Federal Rural do Rio, e Robert Puschendorf, da Universidade da Costa Rica, examinou a pele de 96 exemplares de museu, pertencentes a 25 espécies, em busca de anormalidades ligadas à infecção. O método é menos preciso do que uma análise de DNA, por exemplo, o que significa que mais animais poderiam estar contaminados.
Outro dado sombrio: o primeiro registro de contaminação entre os espécimes de museu, de 1981, coincide com as primeiras quedas populacionais entre anfíbios no Brasil, as quais também estão ligadas a anomalias climáticas. Ainda é cedo para dizer o que isso significa, segundo a pesquisadora.
J. Alan Pounds, pesquisador que apresentou há duas semanas indícios ligando o aquecimento global à expansão do fungo, comemorou a pesquisa de Carnaval e seus colegas. "É um trabalho muito bom", diz Pounds, da Reserva de Floresta Tropical de Altitude de Monteverde, na Costa Rica. Já Reuber Brandão, biólogo do Ibama, diz que os resultados preocupam. "Eles podem até representar uma mudança na postura com que o tema dos anfíbios ameaçados vinha sendo tratado pelos herpetólogos brasileiros."
Os cientistas, conta, andaram rebatendo estimativas altas de espécies sob risco no país. "Esse trabalho da Ana mostra que, embora não tenhamos certeza sobre riscos imediatos de declínio, os anfíbios brasileiros estão mais ameaçados do que se imaginava."
"É um motivo premente para investir em conservação e pesquisa", afirma Carnaval. "Como precaução, eu colocaria todas as minhas fichas na proteção do que resta da mata atlântica. Nossos resultados só reforçam essa mensagem e mostram que a situação pode ser mais complicada do que imaginávamos até agora", diz a pesquisadora de Berkeley.

Mistério ainda cerca ação do fungo
Enquanto a preocupação com a fauna única de anfíbios da mata atlântica aumenta, uma série de mistérios ainda precisa ser elucidada em relação ao fungo. Ninguém ainda sabe muito bem como ele consegue infectar os bichos, nem como os mata.
"Um dos primeiros estudos em andamento sobre a ação do fungo sugerem que ele possa afetar os mecanismos reguladores de troca de sódio, potássio e magnésio na pele dos anfíbios", conta Carnaval. Ou seja: a epiderme dos animais não funcionaria direito na hora de trocar essas substâncias com o meio externo.
Como a pele de sapos, rãs e pererecas é extremamente permeável e é usada para regular a quantidade de água no organismo deles, dá para imaginar a bagunça que essa desregulação geraria. Há também registros de girinos infectados cujos dentes e boca são defeituosos. Quanto à transmissão, o fungo precisa da água para propagar seus esporos, e talvez "prefira" água corrente -as espécies infectadas no Brasil parecem todas precisar desse tipo de ambiente aquático em alguma fase de suas vidas.
A hipótese de J. Alan Pounds é que o aquecimento global favoreça o fungo principalmente em áreas montanhosas de altitudes médias (entre 1.000 e 2.000 m de altitude). Nessas regiões, o fenômeno geraria nuvens, tornaria os dias mais frescos e as noites mais quentes. É uma espécie de "efeito Cachinhos Dourados", por analogia com a personagem infantil que gosta do mingau nem muito quente, nem muito frio. Tudo conspira para gerar as temperaturas ao redor de 23C, que são apreciadas pelo fungo. (RJL)

FSP, 01/02/2006, Ciência, p. A14

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