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Após 50 anos, bororos reiniciam luta pela terra

OESP, Nacional, p. A10
11 de Jul de 2006

Após 50 anos, bororos reiniciam luta pela terra
Etnia em extinção encontra resistência pois área foi invadida com aval do poder público

Nelson Francisco

Expulsos por invasores brancos há 50 anos da Reserva Jarudóri, localizada em Poxoréu, a 250 quilômetros de Cuiabá, sul de Mato Grosso, famílias de índios bororos iniciaram no mês passado um movimento para tentar recuperar uma área de 4,7 mil hectares. A estratégia ousada é outro capítulo na história da etnia em extinção no Brasil Central em mais de 7 mil anos de existência, segundo historiadores e antropólogos.

A tentativa do grupo quase dizimado por guerras, epidemias e fome encontra resistência, pois a área é ocupada por 2,6 mil invasores desde 1958, com o aval do poder público. As terras que pertencem à União foram vendidas ilegalmente para posseiros que criaram o Distrito de Jarudore, numa área de 142 mil hectares, a 5 quilômetros da cidade.

A reserva dos índios, que corresponde a apenas 3,3% do total, foi engolida. No local, existem 218 imóveis entre residências, comércio e prédios públicos. A área foi demarcada para os índios pela primeira vez em 1912, pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Em seguida, a União homologou o território. No entanto, o ex-governador de Mato Grosso Pedro Pedrossian distribuiu títulos para posseiros das terras que não pertencem ao Estado.

O procurador da República Mário Lúcio Avelar vai ingressar com uma ação civil pública pedindo a reintegração de posse. Ele ameaça recorrer à Corte Internacional para manter as terras em poder dos índios - a área demarcada de 100 mil hectares foi reduzida para 4,7 mil hectares. "É dever do Estado recuperar as terras dos bororos e indenizar integralmente os não-índios", disse. "Há ausência da Funai e conivência dos governantes."

A insatisfação dos índios bororos gera um clima de medo e apreensão na região. Eles ameaçam tomar maquinários da prefeitura de Poxoréu enquanto a Justiça não devolve as terras demarcadas. O líder da nação bororo, Agnaldo Komaekuru, e a líder do movimento de retomada das terras, a cacique Maria Aparecida Toro Ekureudo, estão dispostos a partir para o confronto com armas caso seja necessário. "Estamos cansados de esperar pelas autoridades", disse Agnaldo.

A população bororo, que no século 19 era de cerca de 10 mil índios, se reduziu a 1.024 habitantes distribuídos em 6 áreas do Estado, conforme dados do IBGE, Missão Salesiana e Funai. "Queremos juntar o nosso povo que ainda resta e queremos ficar na terra que tudo mundo sabe que é nossa", afirmou Maria Aparecida.

A subprocuradora Débora Duprat, coordenadora da 6ª câmara do Ministério Público Federal, classificou como um "clássico de genocídio" o drama dos bororos, que têm contato com não-índios há 300 anos. "Genocídio não é só a morte física, é também expropriar a terra, envenenar ou contaminar a água, é introduzir o álcool e depois denegrir a imagem dos povos indígenas porque bebem." Ela não poupou críticas à Funai. "Para se resolver a questão dos bororos basta vencer o preconceito e interesses políticos espúrios", disse Débora Duprat. Procurada pelo Estado, a direção da Funai não quis responder às críticas do MP.

OESP, 11/07/2006, Nacional, p. A10

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