VOLTAR

Antropocentrismo, Ministerio Publico e sociedade

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: FINK, Daniel R.
30 de Mar de 2004

Antropocentrismo, Ministério Público e sociedade

DANIEL R. FINK

Este Espaço Aberto tem publicado artigos que discutem a relação do homem com o meio ambiente (Miguel Reale, 28/2 e 13/3, e José Goldemberg, 23/3), nos quais também se têm feito considerações a respeito da atuação do Ministério Público, confundida com o que se denominou de fundamentalismo ecológico. Sobre o assunto nos temos manifestado por meio de cartas. Mas, a fim de que o tema possa ser mais bem esclarecido à opinião publica, entendemos oportuno expor o pensamento institucional.
O Ministério Público tem por missão constitucional a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127). Assim, desde já se deve afirmar que a função primordial da instituição é zelar pelo cumprimento adequado do ordenamento jurídico, sendo o homem seu principal sujeito. Para tanto o Ministério Público não impõe nem decide, mas propõe perante o Poder Judiciário sua pretensão do que seja juridicamente adequado. Sua função é propositiva, razão por que seus membros, em geral, são nomeados promotores de Justiça. O meio ambiente está entre os temas de sua missão institucional. Mas qual meio ambiente?
Não há dúvida que o homem é o principal sujeito do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas não o único. Também não resta dúvida que o homem é o principal sujeito do dever de manter o equilíbrio ecológico (artigo 225). Completa a relação jurídica ambiental seu objeto, o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Por equilíbrio ecológico não se pode entender somente o conjunto de condições que possam satisfazer as necessidades do homem. Ao longo da História temos verificado um sem-número de exemplos de agressões ambientais em nome do desenvolvimento (Serra Pelada, Cataguazes, Condomínio Barão de Mauá, dentre inúmeros outros). Aliás, a própria Constituição federal fixa como princípio do desenvolvimento econômico - ou seja, o que vem primeiro - a defesa do meio ambiente. Inclui, ainda, como dever do Poder Público o controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. O conceito constitucional é amplo o suficiente para se afirmar que o equilíbrio ecológico depende de se considerar o homem como parte integrante do meio ambiente. Sua relação não é de superioridade, mas de equilíbrio. É evidente que o homem é sujeito privilegiado nessa relação e assim deve ser tratado. Mas não é o senhor absoluto da exploração ambiental, sob pena de comprometer a qualidade de vida das futuras gerações, tal como as gerações anteriores fizeram com as atuais.
No dizer de José Renato Nalini, "uma deformação do antropocentrismo tornou a criatura humana pretensiosa e arrogante. De senhor da terra passou a comportar-se como um terricida ou destruidor do planeta. (...) somente a ética poderia resgatar a natureza, refém da arrogância humana. Ela é a ferramenta para substituir o deformado antropocentrismo num saudável biocentrismo" (Ética Ambiental). Contra essa deformação e em favor de um biocentrismo saudável é que atua o Ministério Público; nunca desconsiderando o homem, mas inserindo-o no meio que não é só seu, mas de todas as formas de vida. Nosso futuro comum depende da compreensão desse paradigma.
Como afirma Buda, lembrado por Amartya Sen (Nobel de Economia), "por sermos enormemente mais poderosos do que as demais espécies, é preciso que tenhamos alguma responsabilidade para com elas, num esforço por minorar de alguma maneira essa assimetria".
É verdade que os governos em geral estão preocupados com a eliminação de desigualdades sociais e a satisfação das necessidades básicas da população.
Essa missão, contudo, não pode ser imediatista, pela utilização de mecanismos pseudodemocráticos, disfarçando suas decisões com uma legitimação inexistente. Ainda que não seja a mais confortável das missões, o papel do Ministério Público é lembrar a esses governos que há valores maiores que devem ser considerados na aprovação de empreendimentos. Nenhum governo gosta disso, mas a sociedade desinteressada aplaude.
É papel do Ministério Público, porque a Constituição lho deferiu, buscar um equilíbrio entre a cultura das humanidades e a cultura científica (E.
Morin). Sem esse equilíbrio poderemos estar diante da arrogância e prepotência já referidas.
É papel do Ministério Público ouvir a voz da sociedade e saber interpretá-la à luz do ordenamento jurídico. Mas não apenas do Ministério Público, mas do Poder Público em geral. Pena que alguns não queiram ouvir.
Daniel R. Fink, procurador de Justiça, é coordenador do Centro de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo

OESP, 30/03/2004, Espaço Aberto, p. A2

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.