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Anistia: canaviais desrespeitam lei

OESP, Nacional, p. A14
29 de Mai de 2008

Anistia: canaviais desrespeitam lei
Relatório diz que setor usa trabalho forçado e diplomatas temem que aumente reação da Europa contra etanol

Jamil Chade

Em seu relatório anual, publicado ontem na Europa, a Anistia Internacional acusou o setor canavieiro do Brasil de violar direitos humanos e usar trabalho forçado, principalmente de índios em extrema pobreza. O documento lista os locais do mundo onde os direitos humanos são menos respeitados. Diplomatas temem que o relatório ajude a inflar ainda mais as reações contra o etanol brasileiro - a União Européia (UE) não descarta criar exigências sociais para importar biocombustíveis.

"Muitos índios estão sendo forçados a trabalhar em canaviais por falta de opção e em situações análogas à escravidão", alertou Tim Cahill, especialista da Anistia para temas relacionados ao Brasil, frisando que a prática representa uma violação à Declaração dos Direitos Humanos da ONU. Segundo Cahill, há também uma expansão da cana-de-açúcar sobre terras indígenas.

"O governo precisa garantir a proteção dessas terras. Sabemos que o desenvolvimento econômico do Brasil é muito importante e a cana pode trazer resultados importantes. Mas o governo precisa regular essa expansão, até mesmo com policiamento. O desenvolvimento não pode ser baseado na violência ou em violações aos direitos humanos", destacou.

De acordo com o relatório, "o trabalho forçado e condições de exploração" foi constatado em vários Estados. O documento cita, por exemplo, que procuradores da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo resgataram, em março, 288 pessoas que faziam trabalho forçado em seis plantações de cana. As violações a direitos dos índios em Mato Grosso do Sul também foram apontadas.

A entidade admite que o governo adotou medidas para melhorar as condições no setor. "No Estado de São Paulo, que responde por mais de 60% da produção de cana do Brasil, o Ministério Público do Trabalho tomou a iniciativa de dar início a inspeções e de instaurar processos. No âmbito federal, o governo prometeu introduzir um esquema de credenciamento social e ambiental."

A Anistia cobra, porém, que essas medidas sejam cumpridas e promete publicar nos próximos meses um amplo relatório sobre o impacto do crescimento da agroindústria na proteção dos direitos humanos no Brasil. Madeireiras e o setor laranjeiro também serão alvo dessa investigação.

CONTRA-ATAQUE

O relatório da Anistia é mais uma crítica que vem se somar aos duros ataques ao etanol. O biocombustível é acusado de não gerar tantos benefícios ao meio ambiente como se previa, de gerar a alta nos preços de alimentos e de promover o trabalho forçado. Para reverter essa imagem, o governo instruiu todas as suas embaixadas no mundo para que mostrem, com dados, que a realidade não é essa.

Apesar disso, a ONU enviará ao Brasil o seu relator especial para o Direito à Alimentação, Olivier de Shutter, para apurar se de fato o etanol é ou não responsável pela alta nos preços dos alimentos.

Relatório é 'equivocado', diz entidade

Roberto Almeida

Um dos pontos mais impactantes do relatório da Anistia Internacional, que confere ao setor sucroalcooleiro a continuidade na exploração de mão-de-obra escrava, foi rechaçado pela União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica). A entidade, que representa 110 empresas do setor, descreveu em nota o relatório como "equivocado e fora de contexto".

Segundo a Unica, a Anistia Internacional privilegiou casos isolados e ainda sem conclusão judicial e, por isso, o documento não representaria a realidade. "Distribuir esse tipo de avaliação mundialmente afronta o argumento básico de que todos são inocentes até prova em contrário, e não culpados até que provem sua inocência", argumenta a entidade. "Os casos citados estão entre as autuações realizadas em 2008 no setor agrícola como um todo, e os processos administrativos ainda não chegaram a uma conclusão."

A Unica acrescenta ainda que mantém "relações estáveis com seus trabalhadores" e que cumpre "a legislação e as condições descritas em acordos coletivos", alegando que o setor emprega aproximadamente 1 milhão de pessoas com "o maior salário médio da agricultura nacional para trabalho braçal".

O tema também diz respeito ao ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Porém, ontem ele cumpriu agenda no Haiti e não foi localizado para comentar o relatório.

O Ministério do Trabalho, do pedetista Carlos Lupi, não comentou a questão.

Organização vê risco de País perder credibilidade

Jamil Chade, Pedro Dantas e Roberto Almeida

O Brasil corre o risco de perder credibilidade internacional se a situação dos direitos humanos não mudar de forma radical. O alerta é da Anistia Internacional, que vê persistência da impunidade e comportamento "confuso" do governo em relação aos direitos humanos. A entidade aponta "milhares" de assassinatos praticados por policiais e seu envolvimento com o crime organizado, especialmente no Rio de Janeiro.

"Hoje, o policiamento está baseado em violações aos direitos humanos e o discurso internacional do Brasil não condiz com realidade interna", afirmou Tim Cahill, especialista da Anistia para temas relacionados ao Brasil.

Outra crítica da entidade se refere às condições sanitárias precárias das prisões brasileiras. "Tortura, espancamentos e abuso sexual foram relatados em delegacias de polícia e em celas prisionais", aponta seu relatório.

A Anistia cita ainda a violência nas áreas rurais. "Estamos vendo reações cada vez mais fortes na Amazônia e o motivo é a frustração dos indígenas em não conseguir acesso à Justiça e a situação precária em que vivem."

Também critica o Brasil por ser "um dos únicos países latino-americanos" que até hoje não atacaram de fato os crimes cometidos no regime militar e pede a revisão da Lei de Anistia. "O Brasil precisa seguir os exemplos de Chile e Argentina e investigar os crimes", afirmou Cahill.

REAÇÃO

O governador do Rio, Sérgio Cabral Filho, reagiu ao relatório e afirmou que a "política de enfrentamento" ao crime continuará. "Não vou mudar a conduta do meu governo e acho que a Anistia deveria fazer uma análise avaliando o terror que os marginais fazem nas comunidades."

Em férias, o ministro da Justiça, Tarso Genro, não se manifestou sobre as críticas à política em relação aos crimes do regime militar. A Fundação Nacional do Índio (Funai) não se pronunciou sobre a análise a respeito da questão indígena. O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, em viagem ao Haiti, não respondeu à reportagem.

OESP, 29/05/2008, Nacional, p. A14

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