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Anistia: Brasil falhou

CB, Mundo, p. 22
27 de Mai de 2004

Anistia: Brasil falhou
Relatório denuncia aumento da violência policial no primeiro ano do governo Lula

SANDRA LEFCOVICH
DA EQUIPE DO CORREIO

Em seu primeiro ano, o governo Lula não conseguiu frear as violações dos direitos humanos, aponta a Anistia Internacional (AI) em relatório divulgado ontem em Londres. O documento destaca os esforços para criar uma política nacional de segurança pública, mas denuncia aumento no assassinato sobretudo de jovens pela polícia. O Brasil também registrou no ano passado uma escalada nas mortes de indígenas e sem-terra.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, admitiu que "existem problemas" no país na área dos direitos humanos, mas garantiu que eles "estão sendo enfrentados com planejamento estratégico". 0 ministro, porém, evitou comentar em detalhes o documento da Anistia.
"As medidas adotadas pelos governos estaduais para combater os altos níveis de crime urbano continuaram resultando em crescentes violações", afirma o relatório da AI sobre direitos humanos no mundo em 2003. Segundo o texto, milhares de pessoas, sobretudo jovens solteiros, pobres, negros ou mestiços, foram assassinadas em confrontos com a polícia brasileira, muitas vezes em situações descritas oficialmente como "resistência seguida de morte".
A AI acusa os governos de São Paulo e do Rio de Janeiro de continuar "defendendo o uso de métodos policiais repressivos". Segundo o relatório, a polícia matou 915 pessoas em São Paulo (11%o mais que em 2002) e 1.124 no Rio de janeiro entre janeiro e novembro (crescimento de 34%). 0 documento diz que "esquadrões da morte" envolvidos em "limpeza social" e no crime organizado estiveram ativos em 15 dos 26 estados brasileiros.
0 ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, lembrou que a violência policial é assunto de competência dos governos estaduais. "A Polícia Federal não tem responsabilidade sobre uma morte de civil desde setembro de 2002", explicou o ministro ao Correio Braziliense. Miranda disse que estão em andamento na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americano (OEA), 103 processos envolvendo o Brasil, dos quais 97 são contra os estados.
Embora elogie o governo federal pela criação do Sistema, único de Segurança Pública (Susp), o encarregado do Brasil na AI, Tim Cahill, diz que falte colocá-lo em prática.
Indígenas
A AI registrou aumento também dos assassinatos e prisões de sem-terra e índios. Segundo o relatório, 23 líderes indígena foram mortos entre janeiro 0 outubro de 2003. "É o número mais alto em dez anos", afirmou Cahill. Segundo a Anistia um dos motivos para a escalada da violência é que a demarcação de terras indígenas foi interrompida em muitas áreas; muitas vezes devido a barganhas políticas.
Nilmário Miranda diz que com a mudança de governo, no ano passado, houve um número "anormal" de mortes de índios. Entidades de defesa dos indígenas denunciaram 24 mortes em 2003, o que seria um recorde no Brasil. Segundo Miranda, a Fundação Nacional do índio (Funai) registrou nove mortes de índios por problemas de terra. Os outros casos teriam sido causados por atropelamento, alcoolismo e criminalidade comum.
Terra
"Violência, ameaças, intimidação e perseguição política de ativistas rurais continuam sendo endêmicos", denuncia a organização internacional. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), 53 sem-terra foram mortos entre janeiro e setembro do ano passado - mais da metade no sul do Pará. Em 2002, foram 17 vítimas no campo.
Miranda diz que o governo fará a reforma agrária e assentará 400 mil famílias até 2006. "Não podemos tapar o sol com a peneira", diz o ministro sobre as denúncias. "Nossa disposição é reconhecer e enfrentar os problemas, e o Brasil tem sido referência positiva".

Asiáticos matam mais

DA REDAÇÃO

O relatório anual da Anistia Internacional (AI) afirma que a Ásia é recordista mundial em execuções de pessoas. A China admite ser responsável por 1.639 condenações à morte das 2.756 registradas no planeta em 2003 e por 726 execuções - cerca de 63% das 1.146 estimadas em todo o mundo. 0 Irã, com 108 execuções em 2003, está em segundo lugar, seguido pelos Estados Unidos, com 65 mortes, e Vietnã, com 64. Cingapura, que executou mais de 400 pessoas desde 1991, mantém há nove anos a maior taxa de penas capitais por habitante do mundo.
A Anistia Internacional acredita que o número de execuções na China seja bem maior que o divulgado, pois as autoridades mantêm sigilo sobre essas informações. A pena de morte entre os chineses ainda é aplicada, em muitos casos, para crimes não-violentos, como sonegação de impostos. A Índia recentemente reservou a pena de morte aos casos "mais escassos", mas, mesmo assim, 33 condenações à morte foram divulgadas em 2003.
O Paquistão tem 5,7 mil condenados à espera da execução. Informações divulgadas pela imprensa contabilizam 64 execuções, geralmente públicas, no Vietnã - onde 103 pessoas foram condenadas à morte em 2003 -, mas também neste caso a realidade pode ser pior. A Malásia executou sete pessoas no último ano. No entanto, a Anistia critica as condenações a golpes de bastão, uma punição cruel e desumana, segundo a organização.
De acordo com a AI, a situação dos direitos humanos não melhorou na Ásia, principalmente em países como China, índia, Malásia, Paquistão e Tailândia, que teriam aproveitado a guerra contra o terrorismo para violar os direitos das populações. A Ásia é o único continente que não possui um sistema regional de defesa dos direitos humanos.

Entrevista TIM CAHILL

Violações iguais as dos EUA

Os abusos de direitos ; humanos cometidos na ,; guerra contra o terrorismo, liderada pelos Estados Unidos, e na luta do governo brasileiro contra a violência urbana são parecidos. A opinião é do inglês Tim Cahill, 36, pesquisador sobre o Brasil da Anistia Internacional. Segundo ele, tanto os EUA como o Brasil negam direitos protegidos pelo direito internacional.
Como a guerra ao terror afeta o Brasil?

TIM CAHILL - A guerra ao terror afeta todo o mundo. Muitas situações de graves abusos de direitos humanos têm escapado do enfoque internacional, porque estamos concentrados na situação do Iraque. Em relação ao Brasil, o governo tem adotado posicionamento positivo na defesa dos direitos humanos em nível internacional. Mas não há dúvida de que os recursos internacionais estão sendo destinados para Ásia e Oriente Médio.

Qual a diferença entre os abusos de direitos humanos cometidos por Bush no combate ao terror e na luta do governo brasileiro contra a violência urbana?

CAHILL - Nos dois casos, temos visto a negação de reconhecidos direitos protegidos pelo direito internacional. Neste sentido, os abusos são parecidos: a tortura, as mortes ilegais, as más condições de detenção.

Onde o governo brasileiro falha na repressão policial?

CAHILL - A questão da segurança pública e os abusos cometidos por policiais são, predominantemente, da responsabilidade dos governos estaduais. Sistematicamente, temos visto o uso político do discurso de segurança. O governo federal apresentou proposta de reforma a longo prazo, que daria a si a responsabilidade de monitorar a política de segurança pública. Mas até hoje não vimos sua implementação. Parece que o governo perdeu o rumo.

Como o senhor vê a atitude do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que durante visita à China não criticou as violações chinesas?

CAHILL - Para a Anistia, o importante é que o Brasil use essas oportunidades sempre para reforçar o discurso e a defesa dos direitos humanos da maneira mais efetiva para assegurar que todos os povos possam viver em verdadeira paz e segurança.

CB, 27/05/2004, Mundo, p. 22

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