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Amazônia retoma a produção de borracha

GM, Agribusiness, p. B12
29 de Jan de 2004

Amazônia retoma a produção de borracha

Aos 52 anos, Pedro da Gama Pantoja exibe com orgulho as mantas coloridas de borracha que acabou de fazer. O produto é resultado de uma técnica nova de beneficiamento do látex, introduzida na comunidade de Jamaraquá, na Floresta Nacional do Tapajós (PA), pela Universidade de Brasília. "Nem se compara com a que a gente fazia antes", diz, referindo-se ao cernambi, produto básico do seringueiro, sujo e de pouco valor agregado, no formato de tijolo. Ele também está satisfeito em poder voltar a ganhar a vida fazendo o que sempre fez - tirar o leite da seringa. Estava parado há dois anos, porque o preço pago pelo cernambi, entre R$ 1,10 e R$ 1,30 o quilo, não compensava a trabalho.

O depoimento de Pantoja é um bom exemplo do resultado de projetos que começam a pipocar na Amazônia para reativar a produção extrativista da borracha natural. Mais do que renda extra, eles estão recuperando a dignidade do povo que vive na floresta. Uma das iniciativas de destaque chama-se Tecbor (Tecnologia Alternativa para a Produção de Borracha na Amazônia), que emprega técnicas e materiais simples, de baixo custo, e elimina a entrega do produto bruto ao atravessador. A Tecbor já foi implantada nos estados do Acre, Amazonas, Pará e Rondônia, beneficiando cerca de 200 famílias.

O projeto começou há seis anos, no Laboratório de Tecnologia Química da Unb, e é liderado pelo professor Floriano Pastore Júnior, um grande conhecedor de borracha no Brasil. Mais recentemente, ganhou um aliado de peso, a Fundação Banco do Brasil, que está investindo R$ 451 mil no treinamento de seringueiros. Até final do ano, o valor chegará aos R$ 750 mil e beneficiará mais de 240 famílias. A iniciativa conta ainda com a parceria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e é um dos projetos estruturantes do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar.

A manta de borracha produzida de acordo com a técnica alternativa recebe o nome de Folha de Defumação Líquida (FDL). O látex é colhido da seringueira, misturado a água e a corantes, e coagulado com o uso de ácido pirolenhoso, subproduto da carbonização da madeira. Depois, esta mistura é passada em uma máquina chamada de calandra, que lembra as máquinas de fazer massa caseira. "Espichada", a borracha ganha formato de mantas e é seca em temperatura ambiente, ao ar livre. As folhas prontas podem ser usadas, por exemplo, para a confecção de mouse pads e jogos americanos, eliminando intermediários e usinas de beneficiamento. Esta borracha também pode ser processada sem a mistura vulcanizante e usada para outros propósitos, como solas de borracha para sapatos.

Segundo Pastore, a técnica FDL proporciona maior qualidade e menor perda de matéria-prima. No processo mais primitivo de extração, com "sangramento na tigela", o látex coagula a partir de defumação. É formado, então, o cernambi, que depois precisa ser fragmentado e limpo de impurezas, provocando perda de material. A tecnologia também livra a borracha de fungos.

Na Amazônia, a extração de látex, quando não é a principal atividade de sustento, é uma das formas que a população local encontrou para complementar a sua renda mensal, que geralmente fica abaixo de R$ 50. "Com o projeto as famílias podem dobrar esse valor." Quando a borracha é produzida para artefatos é possível receber até R$ 4,5 o quilo. A maior renda permite a permanência do seringueiro na floresta.

Um treinamento foi feito em Jamaraquá e reuniu seringueiros da região. A chegada do projeto nestas localidade tem uma simbologia importante, pois a comunidade faz parte de Belterra, que um dia sonhou em ser o maior produtor mundial de borracha. Os produtores passaram três dias em treinamento e construíram um galpão para produção.

Participação do Brasil no mundo caiu para 1%
O Brasil, que no início do século XX detinha o monopólio da produção mundial de borracha natural, hoje só responde por 1%, e não consegue sequer suprir as necessidades da indústria instalada no País. E o pouco que é produzido vem do Sudeste, e não do Norte como muita gente ainda pode imaginar.

A demanda nacional é estimada em 245 mil toneladas segundo o editor do projeto Borracha Natural, Heiko Rossmann. Mas os produtores dão conta de apenas 96 mil toneladas, sendo que São Paulo responde por 50% do total, com 2,5 mil produtores e 50 mil hectares plantados. O estado tem um clima que favorece o cultivo, com uma estação fria e marcadamente seca, o que impede a vida de um fungo chamado Microcyclus ulei, causador da "mal das folhas", doença que atinge as seringueiras amazônicas.

Entre os estados brasileiros ganham destaque ainda a Bahia e o Mato Grosso. "O Espírito Santo e o Paraná estão começando cultivos", diz. Nestas regiões, além do clima seco, há mão-de-obra especializada e maior volume de capital para investimento em tecnologia. Além disso, a maioria das indústrias consumidoras está ali instalada, reduzindo custos logísticos com o transporte da matéria-prima. Praticamente toda produção é absorvida no mercado interno. O principal produto chama-se granulado escuro brasileiro (GEN), vendido principalmente a três indústrias de pneumáticos - Firestone, Goodyear e Pirelli. Os maiores produtores são Tailândia, Indonésia, Índia e Malásia.

Cerca de 70 mil sementes de seringueiras (Hevea brasiliensis), exploradas de forma extrativista na Amazônia desde tempos imemoriais, foram levadas em 1876 para o Jardim Botânico de Londres pelo inglês Henry Wickham, num exemplo histórico de biopirataria da biodiversidade. Transplantadas no Sudeste Asiático, resultaram na virada do século 20 em seringais altamente produtivos, com os quais os países da região quebraram o monopólio brasileiro no setor. A Ásia abastece grande parte do consumo mundial, estimado em 7 milhões de toneladas anuais.

Vila americana
A cidade de Belterra, a 50 quilômetros de Santarém, tem uma história pouco conhecida da maioria dos brasileiros. É uma típica vila rural americana no coração da Amazônia, criada na década de 30, quando Henry Ford, proprietário da Companhia Ford, decidiu tornar a região a maior produtora mundial de borracha natural. A idéia do empresário era que o Brasil suprisse toda matéria-prima que sua empresa pudesse vir a usar e, com isso, se livrar do monopólio dos ingleses, que dominavam o mercado da borracha.

Inicialmente, a Ford se instalou entre os municípios de Itaituba e Aveiro, em uma área de um milhão de hectares que o governo brasileiro cedeu à empresa. A vila de Fordlândia teria toda a infra-estrutura de uma cidade moderna dos EUA. Mas as limitações de calado, impostas pelo leito do rio, a grande distância de Santarém (12 horas de barco à época) e os problemas sanitários nos seringais obrigaram a uma mudança de rumos em direção à Belterra.

O projeto então teve início na nova localidade e uma estrutura nunca antes montada em toda região deu vida à futura cidade modelo. Hospitais, escolas, casas no estilo americano (cerca de 300), mercearias e portos próximos à praia foram construídos para abrigar as famílias.

GM, 29/01/2004, Agribusiness, p. B12

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