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Amazônia perdeu verba de proteção de fronteira

Valor Econômico, Brasil, p. A4
15 de Jun de 2022

Amazônia perdeu verba de proteção de fronteira
Recursos do programa militar de vigilância caíram de R$ 30 milhões em 2016 para R$ 12 milhões em 2021

Maria Cristina Fernandes
15/06/2022

Um dos principais responsáveis pela proteção das fronteiras nacionais, o Ministério da Defesa manteve seu orçamento em termos reais, ao contrário de outras pastas, como Saúde e Educação, que enfrentaram redução, mas impôs uma redução na vigilância da fronteira amazônica.

Os recursos efetivamente gastos no Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) foram reduzidos a menos da metade entre 2016 e 2021. Caíram de R$ 30 milhões seis anos atrás para R$ 12 milhões no ano passado.

Até abril deste ano apenas R$ 3 milhões haviam sido gastos no principal sistema de proteção da Amazônia operado pelas Forças Armadas.

Em 2022, a Defesa tem o maior orçamento de investimentos da Esplanada. São R$ 8,7 bilhões de um orçamento de R$ 188 bilhões da pasta. Até abril deste ano, porém, só um terço havia sido gasto no Sipam.

O sistema integra o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF), que é gerenciado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e, além das Forças Armadas, engloba a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Receita Federal.

O Sipam faz a vigilância da fronteira e o controle e defesa do espaço aéreo e fluvial de apoio às ações militares. O sistema é formado por uma gama de satélites, radares e sensores que permitem reunir uma gama de informações que vão da localização de tribos indígenas não contactadas ao tráfego aéreo, terrestre e fluvial, passando por queimadas, desmatamento e meteorologia.

O embrião do sistema, nos anos 1990, foi o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), que notabilizou-se pela disputa entre duas empresas, a francesa Thomson/Alcatel e a americana Raytheon. A disputa foi vencida pela última depois de espionagem do governo dos EUA que permitiu àquele país superar as condições de financiamento oferecidas pela França para a aquisição dos equipamentos.

O sistema de vigilância foi incorporado ao Sipam, concebido como instrumento de gestão indispensável à afirmação da soberania brasileira numa fronteira ameaçada por crimes transnacionais de tráfico de drogas, contrabando de madeira e garimpo ilegal, como demonstra o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo e do jornalista britânico Dom Philips. A execução orçamentária, porém, demonstra que o sistema não recebe o tratamento prioritário que o discurso de defesa da soberania demonstra.

"O que ameaça o Brasil hoje não são as urnas eletrônicas, mas as fronteiras desguarnecidas para o narcotráfico, o garimpo ilegal e o contrabando de madeira", diz a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, sobre a insistência com a qual o ministro da Defesa, Paulo Sergio Oliveira, tem questionado o Tribunal Superior Eleitoral. Segundo a deputada, ao longo da tramitação do Orçamento, tampouco há pressão por recursos para o sistema. O lobby das Forças Armadas se concentra no jato KC-390, desenvolvido em parceria com a Embraer, e o programa do submarino nuclear.

O limbo em que vive o Sipam se deve, em grande parte, à criação de um outro programa, o Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteira), em 2012, que vem recebendo a maior parte dos investimentos de vigilância fronteiriça. A ideia é que o Sisfron alie o sistema de sensores, satélites e drones às unidades operacionais com capacidade de dar resposta, em tempo real, aos problemas detectados.

A implantação do Sisfron, porém, está atrasada. Pelo último balanço apresentado na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, o Sisfron ainda não passou de Mato Grosso, cabendo toda a vigilância a um Sipam desprovido de recursos. Até a conclusão desta edição, o Ministério da Defesa não havia respondido ao pedido de entrevista.

As deficiências do Sipam não tiveram início com o presidente Jair Bolsonaro, mas se agravaram em seu governo. Um relatório do Tribunal de Contas da União em 2018 avaliou que as políticas de fronteira do Brasil estavam "abaixo do mínimo aceitável". O país foi um dos nove, entre 12 avaliados, que apresentaram esta qualificação num levantamento do qual o TCU participou junto com outras entidades fiscalizadoras da América Latina e do Caribe.

O relatório cita dados das Nações Unidas sobre a violência na América Latina, que, apesar de não estar restrita às fronteiras, tem crescido exponencialmente nessas áreas. Segundo a ONU, a América Latina, que tem 8% da população mundial, é responsável por um terço dos homicídios no mundo, sendo considerada a região mais violenta do planeta. De lá pra cá, a situação pouco se alterou. Há uma guerra na fronteira brasileira, ignorada pelas prioridades orçamentárias das Forças Armadas.

Valor Econômico, 15/06/2022, p. A4.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/06/15/amazonia-perdeu-verba…

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