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Águas do São Francisco

FSP, Editoriais, p. A2
20 de Fev de 2005

Águas do São Francisco

O governo pretende iniciar em breve o projeto de transposição de águas do rio São Francisco, que, idealizado pela primeira vez em 1847, ganhou desde então várias versões. A atual prevê que uma fração, segundo o Ministério da Integração Nacional correspondente a 1% do volume de água que o rio despeja no mar, seja desviada por meio de um sistema de 700 km de canais para beneficiar 12 milhões de pessoas no semi-árido do Nordeste.
A obra, que se anuncia custosa, exigindo investimentos de cerca de R$ 4,5 bilhões, tem gerado ruidosas controvérsias entre técnicos, políticos e representantes do governo. O presidente Lula, que não lançou até aqui nenhum projeto de porte comparável, diz encarar a obra como um "legado pessoal à região".
A transposição não tem como objetivo solucionar o histórico problema da seca ou da inexistência de água em volume suficiente para irrigar os cinco Estados a serem beneficiados -Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas. A proposta visa perenizar alguns rios, manter o estoque de oito açudes e permitir que as populações da região disponham de água para consumo próprio e para o uso de rebanhos.
Há pontos ainda um tanto obscuros na proposta. O principal deles está na gestão do sistema, que é complexo e custoso. São nove estações para o bombeamento por eletricidade da água a uma altura de 160 metros num dos canais e de 500 metros no outro. O governo afirma ter entregue a questão à Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), mas o fez, ao que se sabe, sem a assinatura prévia de contratos para a partilha dos gastos entre os Estados, municípios ou particulares beneficiados -correndo o risco de que a conta fique mesmo com a União.
Há ainda uma questão técnica, levantada sobretudo pelos governos de Minas Gerais e da Bahia. Mesmo com uma captação mínima de 26 m3 por segundo, a transposição afetaria a piscosidade e a vazão de um rio que já está a exigir, antes de mais nada, investimentos para melhorar suas condições. O governo responde acenando com um plano de revitalização no qual já estaria investindo R$ 127 milhões.
Existe, além disso, a questão do impacto ambiental. O governo publicou editais de concorrência para os 14 lotes em que os canais foram divididos antes de um aval preliminar do Ibama. É uma prática duvidosa, pela qual a administração, na tentativa de criar fatos consumados, atropela regras que ela própria estabeleceu.
Cabe lembrar, por fim, a motivação recôndita de uma parcela significativa de adversários da obra. Ela centraliza recursos que o governo poderia pulverizar para atender outras demandas regionais. A transposição secará fontes financeiras, o que evidentemente gera e gerará protestos.
Não há dúvida de que o objetivo de levar água ao semi-árido é louvável. Porém ainda resta ao governo dissipar as dúvidas e demonstrar que não há riscos de o país receber mais um "elefante branco" semelhante àqueles que, há algumas décadas, herdou do regime militar sob a forma de obras faraônicas inconclusas.

FSP, 20/02/2005, Editoriais, p. A2

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