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Água: direito humano e bem público

GM, Opiniõo, p. A3
Autor: JACOB, Stenio
04 de Mar de 2005

Água: direito humano e bem público

Stênio Jacob

No próximo dia 23 comemora-se o Dia Mundial da Água. Há uma articulação internacional que condena o movimento em curso para privatizar esse setor, estratégico para toda a sociedade. Em recente seminário realizado pelo governo do Estado do Paraná, Sanepar e Universidade Federal do Paraná, o índio txucarramãe Kaka Werà Jecupè alertou para o fato de que é preciso tomar cuidado com os olhos internacionais sobre as reservas de água no Brasil. Para Kaka, são olhos tortos, com interesses de dominação, lucro, manipulação. Se hoje vemos a dimensão da guerra pelo petróleo, podemos imaginar como serão os conflitos pela água. Ele não deixa de ter razão. O anteprojeto de lei sobre saneamento ambiental, a ser apresentado ainda em março no Congresso, tem vários equívocos das autoridades federais que atuam na área, pois a tendência desse documento é, além da crescente municipalização dos sistemas de água e esgoto, a desconsideração do conhecimento acumulado e os relevantes serviços prestados pelas companhias estaduais. Sabemos que o sonho de qualquer prefeito é dispor de recursos não-onerosos (gratuitos), cedidos por terceiros, para realizar todos os investimentos necessários. Na prática, recursos dessa natureza vêm dos respectivos governos estaduais ou da União por meio de transferências via convênios. Essas verbas exigem esforço de articulação política e solicitação consistentemente apresentada. Em geral, os recursos para saneamento constam dos programas de desenvolvimento urbano, saúde e meio ambiente do Orçamento Geral da União (OGU) e dos orçamentos estaduais. Os recursos para arcar com as despesas de investimento podem vir também do próprio orçamento da prefeitura por meio de arrecadação dos tributos de competência municipal, incluindo a taxa de limpeza urbana, transferências compulsórias do estado e da União. Entretanto, por ser responsável pela cobertura das despesas de custeio e pelo serviço da dívida, essa fonte dificilmente poderá dispor de todos os recursos que se farão necessários para suportar os investimentos. Certamente a disponibilidade para investimento do orçamento do município estará sendo arduamente disputada para atender as mais diversas reivindicações. Mas, para assumir um sistema de saneamento, a prefeitura tem de dispor de técnicos qualificados, alta tecnologia - garantindo água de boa qualidade para todos - , recursos para arcar com a rescisão e, sobretudo, levar em consideração que sempre há uma demanda crescente da população tanto para o abastecimento de água quanto para os serviços de esgoto. Para atender a essa demanda é necessário investir constantemente. Na hipótese de haver um serviço municipal de água e esgoto, é bastante provável que o volume de recursos originados da cobrança de tarifas não estejam dimensionados para atender às necessidades de investimento, além dos encargos com o custeio e o serviço da dívida - quando houver. E é praticamente certo que a receita decorrente da eventual cobrança de taxa de limpeza urbana não possa cobrir as despesas com os investimentos necessários ou mesmo o custeio. O maior argumento daqueles que defendem o anteprojeto de lei da forma como está é a fiscalização do serviço de saneamento. Ou seja: para onde vão os recursos, de onde vêm e como são aplicados. Reitero que não é necessária a municipalização para que a sociedade participe da gestão. Basta vontade política. Um problema a ser necessariamente enfrentado é a elevação das tarifas e taxas para viabilizar a prestação de serviço adequado para todos. Nesse caso, o custo do serviço e como ele está sendo pago têm de ser verificados para saber se o subsídio está sendo destinado à população menos favorecida. Com esse cenário, fica praticamente inviável implementar programas sociais como a Tarifa Social, a redução de 88% na taxa de ligação de esgoto e o desconto de 44% na tarifa mínima para micro e pequenos estabelecimentos comerciais - benefícios implementados pela atual gestão da Sanepar. A Companhia de Saneamento do Paraná atende a 342 dos 399 municípios, em 660 localidades do estado. Apenas para ilustrar: há enormes cidades, como Curitiba, Londrina, Maringá e Ponta Grossa, mas existem também municípios muito pequenos, como Sapopema, Quinta do Sol e Rebouças. É para isso que serve o subsídio cruzado. A manutenção dos contratos de concessão e do subsídio cruzado trará de volta as garantias exigidas pelo mercado para que possamos fazer os investimentos necessários para a universalização do acesso à água e esgoto tratados. De acordo com o anteprojeto em discussão, um município que tenha superávit tarifário tem de autorizar a empresa de saneamento a transferir recursos para as pequenas cidades. Hoje, nada disso é necessário. A contrapartida das companhias, e a Sanepar já partiu para isso, vai ser a criação de contratos mais transparentes e o cumprimento das metas estabelecidas. As companhias estaduais, destaco, são responsáveis pelo abastecimento de mais de 70% da população, e o Brasil tem companhias que são exemplo no mundo todo, como a Sanepar. O grande desafio é buscar a universalização do atendimento, invertendo as prioridades, e viabilizar os investimentos necessários, sem se curvar aos privatistas, que tentarão mostrar como seria fácil conseguir recursos com o serviço concedido à iniciativa privada. O fato é que o desenvolvimento econômico acelerado e os valores sociais atuais deixaram o mundo em desequilíbrio. Como disse o pesquisador Franklin Frederick, em coro com o secretário Luiz Eduardo Cheida, a água não pode ser vista como uma mercadoria e o tratamento e distribuição desse direito humano e bem público não podem visar ao lucro. Reforço, sim, a postura adotada pelo governador Roberto Requião.
kicker: A água não deve ser vista como mercadoria e seu tratamento não pode visar ao lucro

Stênio Jacob - Presidente da Sanepar.

GM, 04-06/03/2005, Opiniõo, p. A3

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