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Agência alerta para déficit energético

OESP, Economia, p. B6
27 de Out de 2004

Agência alerta para déficit energético
Agência Internacional de Energia diz que o Brasil terá de melhorar o marco regulatório do setor para atrair investimento externo

João Caminoto
Correspondente

A Agência Internacional de Energia (AIE) alertou que o Brasil terá de melhorar seu ambiente regulatório se pretende garantir os investimentos necessários para a sustentabilidade do setor energético nas próximas décadas. Em seu estudo "Perspectiva da Energia Mundial 2004", divulgado ontem, a agência estima que o consumo energético no Brasil vai crescer em média 2,5% anualmente até 2030.
Para atender a essa demanda, o setor vai necessitar de investimentos de cerca de US$ 450 bilhões no período. O economista-chefe da agência e coordenador do estudo, Fatih Birol, observa que o governo não será capaz de arcar com todo esse financiamento. "Por isso, um dos grandes desafios do Brasil, que já obteve avanços importantes nessa área, será o de oferecer um ambiente regulatório mais transparente e consistente que dê tranqüilidade aos investidores", afirmou.
Em entrevista ao Estado, Birol observou que o petróleo e energias renováveis continuarão sendo os principais componentes da plataforma energética brasileira, mas o País poderá ter de contemplar a expansão da geração de energia nuclear e a térmica para atender à demanda.
"O Brasil terá um importante crescimento de consumo energético, no petróleo principalmente por causa dos transportes, e na eletricidade devido ao consumo da indústria e doméstico", disse Birol. "Mas a energia nuclear, que tem custo barato, juntamente com o gás, certamente será um opção importante para o desenvolvimento econômico brasileiro."
A AIE acredita que os preços de energia no Brasil deverão se tornar cada vez mais orientados pelos mercados, com o avanço das reformas. Por causa disso, os preços de todos os produtos energéticos deverão convergir rumo às tendências dos preços internacionais ao longo das próximas décadas. A agência é vinculada à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e foi criada após a choque nos preços do petróleo na década de 70.
A agência afirma que o Brasil espera se tornar auto-suficiente em petróleo até 2006, quando a Petrobrás encerraria as importações da commodity. "Atingir esse objetivo vai depender amplamente do sucesso da empresa em ampliar a capacidade dos campos petrolíferos em águas profundas e ultraprofundas, cujos custos são elevados, em áreas como a Bacia de Campos, no Rio de Janeiro."
Segundo a agência, diante dos grandes recursos necessários para isso , a participação de investidores estrangeiros tem sido estimulada. "Recentemente, no entanto, as grandes empresas de petróleo têm demonstrado menos interesse no Brasil, por causa dos resultados decepcionantes das perfurações de exploração", disse a AIE. "Algumas políticas governamentais, como as exigências para a participação nacional e a imposição de condições de compras onerosas também têm prejudicado a atratividade do Brasil para as empresas estrangeiras de petróleo."
Em outro trecho do estudo, no entanto, a AIE mostrou maior otimismo com a produção petrolífera brasileira. Ela observou que o País tem reservas petrolíferas comprovadas de 8,5 bilhões de barris e "um enorme potencial para futuras descobertas". Esse potencial, segundo estimativas citadas pela agência, pode chegar a 55 bilhões de barris.
A AIE calcula que a produção de petróleo do Brasil, que atingiu 1,7 milhão de barris diários no começo deste ano, deverá atingir os 4 milhões de barris por dia em 2030.
A agência prevê que a demanda energética do País vai crescer em 2,5% anuais até 2030. O consumo anual vai se expandir um pouco mais intensamente até o ano 2020, caindo para 2,3% na terceira década.
O petróleo deverá continuar sendo o combustível dominante na composição energética brasileira. Sua participação na geração total deverá continuar em torno de 46% nos próximos 25 anos. A participação do gás no abastecimento total de energia vai crescer dos 6% registrados em 2002 para 16% em 2030.
O consumo de petróleo no Brasil vai dobrar até 2020. Segundo o estudo, o consumo, que era de 1,8 milhão de barris diários em 2002, vai saltar para 2,3 milhões de barris em 2010 e atingir os 2,9 milhões de barris 10 anos depois. Em 2030, ele atingirá os 3,6 milhões de barris diários.
A dependência do País das importações de gás vai crescer muito até 2010. Mas segundo a agência, assim que o Brasil começar a explorar as suas vastas reservas, essa tendência será revertida, e em 2030 o País será exportador da commodity.

Goldemberg: O mundo não vai agüentar
Energias renováveis são saída para o aumento do consumo, diz secretário
Renée Pereira
Antigo defensor das energias renováveis, o físico José Goldemberg, secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, faz um alerta para o aumento da demanda de energia, especialmente a fóssil, como prevê a Agência Internacional de Energia (AIE). Segundo a agência, o consumo mundial de energia deve crescer cerca de 60% até 2030. Para Goldemberg, "o mundo não vai agüentar" se a situação continuar como agora, com aumento de poluição e avanço no preço do petróleo. A saída, diz, são as energias renováveis. O que abre espaço para o País e a produção do álcool. Veja a seguir trechos da entrevista:
Estado - Qual o impacto do aumento do consumo energia previsto pela Agência Internacional de Energia?
José Goldemberg - Hoje, 80% do consumo de energia é de combustível fóssil, como o petróleo, carvão e gás. Se as coisas continuarem como estão, o mundo não agüenta. Primeiro pelo problema da poluição que se agravará e, segundo, pela questão do preço do petróleo, que tende a subir mais com esse aumento de demanda.
Estado - Qual a solução?
Goldemberg - Com o Protocolo de Kyoto, os países terão de fazer alguma coisa para diminuir as emissões de gases poluentes. Conseqüentemente, haverá redução do consumo de combustível fóssil. A saída será a energia renovável, como eólica, solar e biomassa. E haverá um esforço grande para a produção de energia nuclear.
Estado - O País vai se beneficiar do aumento de demanda por energias renováveis?
Goldemberg - Haverá uma abertura de espaço para o Brasil. A pressão sobre o preço do petróleo vai abrir caminho para o etanol (álcool). E, nesse assunto, o País está bem à frente. O sonho de qualquer ambientalista é que todas essas pressões empurrem o mundo para a energia renovável.
Estado - Os investidores já se perceberam desse mercado?
Goldemberg - No caso do álcool, deve haver aumento de 50% da produção até 2009 no Estado de São Paulo. O número de pedidos para licenciamento de novas plantações e usinas cresceu bastante nos últimos meses. Hoje, há cerca de 30 pedidos na secretaria.
Estado - Como avalia a aposta do Brasil no biodiesel?
Goldemberg - É preciso ter cuidado para não prejudicar o programa. Acho que esse combustível deveria ser desenvolvido por um instituto como o IBT (Instituto Brasileiro de Tecnologia), que tenha cuidado na criação do biodiesel para não prejudicar os motores. Além disso, não se pode tratar o programa como uma agricultura familiar. É preciso escala para tornar o produto competitivo.

No ranking da energia, Brasil é o 26.o colocado
O Brasil ocupa a 26.ª posição num novo ranking elaborado pela Agência Internacional de Energia (AIE), intitulado Índice de Desenvolvimento Energético. O estudo avalia qualidade e quantidade de serviços oferecidos pelo setor de energia de 75 países em desenvolvimento.
O Brasil está melhor classificado do que países como Chile, China e Índia, mas ficou atrás da Líbia, Venezuela, Argentina, Cuba e Iraque. O líder do IDE é Bahrein, seguido do Kuwait, Antilhas Holandesas, Cingapura e Brunei. A Etiópia aparece em último.
O IDE, que se baseou em dados de 2002, é calculado de uma maneira similar ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, mas com foco na energia. A agência disse que criou o levantamento para "melhor entender o papel que a energia exerce sobre o desenvolvimento humano". Ele deve ser usado como uma medida do progresso de um país ou região na sua transição para o uso de combustíveis modernos e do grau de maturidade de seu uso energético.
Para a elaboração do IDE, foram levados em consideração três fatores de cada país: o consumo de energia per capita, o porcentual de energia comercial no total do uso energético e a fatia da população com acesso a eletricidade.
Na comparação com o IDH aparecem diferenças claras. Os países produtores de petróleo são, em geral, muito melhor classificados no desenvolvimento energético do que no desenvolvimento humano. O IDE da Arábia Saudita, por exemplo, é melhor do que o do Brasil, mas o IDH é inferior. Os autores do estudo salientaram que os rankings dos países latino-americanos são em geral piores do que os obtidos no IDH por causa do consumo de energia per capita muito baixo da região. J.C.

Para a AIE, até 2030 o País precisa investir US$ 273 bi
A Agência Internacional de Energia (AIE) calcula que serão necessários investimentos de US$ 273 bilhões no setor de eletricidade do Brasil nos próximos 25 anos. Desse total, US$ 125 bilhões serão destinados à geração, US$ 46 bilhões na transmissão e US$ 102 bilhões na distribuição.
Segundo a instituição, a produção de eletricidade no Brasil deverá crescer 3,1% ao ano até o ano de 2030. Sua forte dependência das energia hídrica, que foi responsável por 83% da produção de eletricidade no País em 2002, provavelmente será reduzida no futuro em benefício do gás natural.
Segundo a agência,a construção de usinas hidrelétricas vai gradualmente declinar porque os locais que podem ser usados para esse fim estão acabando. Questões ambientais poderão também ter um impacto nos projetos de expansão, pois boa parte do potencial restante para isso está localizado na região amazônica.
A agência avalia que a fatia da geração hidrelétrica vai diminuir para 65% em 2030. "Novos projetos hidrelétricos provavelmente continuarão sendo uma responsabilidade do governo, pois os investidores privados não estão demonstrando interesse em construir novas usinas", diz o texto do relatório sobre energia da AIE.
A instituição ainda observa, no texto, que o governo pretende atrair investidores privados para a construção de usinas termoelétricas. "Mas ainda é incerto o quanto de capacidade de geração a gás será construída e isso vai depender do custo do gás natural, do desenvolvimento da infra-estrutura, das tarifas cobradas e dos contratos para o abastecimento do gás natural", diz.
"Se o desenvolvimento de um mercado de gás correr bem, a geração termoelétrica poderá atingir 22% do total em 2030. J.C.

Novo modelo: risco maior com geradoras
Para analista, estatais terão prejuízo com possíveis erros nas previsões de demanda
Nicola Pamplona
As geradoras estatais vão assumir grande parte do risco do setor no novo modelo regulatório instituído pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Pela análise do consultor Mário Veiga, reforçada pelo professor Luiz Pinguelli Rosa, as geradoras existentes terão de arcar com os prejuízos em caso de erro nas previsões de demanda. "Estamos seguindo a tradição segundo a qual toda a possibilidade de lucro do investidor privado desemboca em risco para as estatais", reclamou Pinguelli.
Segundo o novo modelo do setor elétrico, as distribuidoras devem prever o consumo de energia que terão de suprir pelos próximos 5 anos, dados que vão balizar os leilões anuais de energia. Se a estimativa for baixa, as empresas terão de pagar multa pelo volume de energia além do estimado. Se o consumo for menor, podem reduzir os volumes contratados, até o limite de 4% no período. A previsão do consumo é difícil, disse Veiga, porque leva em conta o desempenho da economia brasileira e mundial. De acordo com o consultor, 85% da energia existente é gerada por estatais. Na prática, serão elas que terão os contratos reduzidos, em caso de incorreção para menos nas previsões.
A medida foi tomada pelo MME para reduzir o risco das distribuidoras, que já assumem a responsabilidade pelas projeções acima do consumo real. As novas geradoras, que serão criadas a partir dos leilões de energia nova, porém, não poderão ter os contratos reduzidos. Desta forma, o governo pretende atrair novos investidores para a expansão do parque gerador brasileiro.
Na opinião do presidente de Furnas, José Pedro Rodrigues de Oliveira, o risco é mínimo, uma vez que o consumo de energia tende a crescer no Brasil. "Não há chance de haver excesso de energia nos próximos anos."
A energia chamada velha, gerada pelas usinas existentes, deve ir a leilão no final deste ano, na maior licitação de eletricidade jamais feita. São cerca de 28 mil megawatts (MW), em contratos que podem chegar a US$ 280 bilhões, segundo Veiga. "O maior leilão já feito até hoje, na França, foi de 3 mil MW", informou .
Todo este volume é descontratado ano a ano, dentro de um cronograma previsto no governo Fernando Henrique Cardoso e voltará ao mercado dentro dos conceitos do novo modelo do setor. No ano que vem, o governo licita um novo lote, desta vez com energia gerada por novos projetos, que devem entrar em operação a partir de 2009.
Estudo de alunos da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) apresentado por Pinguelli, porém, aponta para um equilíbrio entre oferta e demanda a partir do final de 2006. Depois disso, o risco de déficit no abastecimento aumenta.
O secretário executivo do MME, Maurício Tolmasquim, contestou os dados, que não levam em consideração usinas hidrelétricas em construção, mas com obstáculos à sua inauguração. "Posso afirmar que teremos uma situação extremamente tranqüila em 2008", assegurou.

Pinguelli ataca, Tolmasquim defende
NA DEFESA: O professor Maurício Tolmasquim poderia estar jogando em casa - para usar um jargão do futebol. Afinal, freqüenta o Congresso Brasileiro de Energia (CBE) desde que era estudante de engenharia e já presidiu o evento, interinamente, há três anos. Mas ontem, na abertura da 1 T edição do CBE, já como secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME), atuou como zagueiro, se defendendo de ataques dos ex-companheiros Luiz Pinguelli Rosa e Roberto D'Araújo. Há dois anos, os três colaboraram na criação do programa do PT para o setor.
O físico Pinguelli, presidente do CBE e ex-professor de Tolmasquim, por pouco não passou pela mesma situação. Há seis meses, foi demitido da presidência da Eletrobrás e reassumiu o papel de crítico da política energética oficial. À vontade após a volta à academia, mais bem-humorado, Pinguelli passou boa parte do tempo dando alfinetadas em seu pupilo.
"O Maurício vai explicar porque mudou de opinião', disse, ao apresentar a participação do secretário em um dos painéis. Tolmasquim, talvez por se sentir realmente na casa do adversário, preferiu não polemizar, mas aproveitou seus apartes para fazer, em tom de desabafo, uma defesa do novo modelo do setor. "Não é um modelo dos distribuidores, dos geradores, dos consumidores nem do governo", disse. "É o modelo que se podia fazer, com todos cedendo um pouco", conluiu.
"Este é um ambiente para criticar, apontar defeitos", reconheceu o Tolmasquim, ainda pela manhã, já prevendo as pedradas que levaria em sua primeira participação no evento fazendo o papel de vidraça. Tinha razão: ao final da apresentação, Pinguelli e D'Araújo, hoje presidente do Instituto Ilumina, fizeram críticas contundentes à mudança de posição do governo onde, segundo o primeiro, há muitos neoliberais. "Há uma paixão desmedida pela atração do capital estrangeiro", disse. N.P.

OESP, 27/10/2004, Economia, p. B6

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