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Acuado após derrotas, Minc vai a Lula reclamar de colegas

FSP, Brasil, p. A4
29 de Mai de 2009

Acuado após derrotas, Minc vai a Lula reclamar de colegas
Titular do Meio Ambiente diz que ministros mudam acordos e "esquartejam" legislação
Minc afirma que "de dois ou três meses para cá" só recebe "pancada" e diz que se sente um ministro "frágil", à beira da "inviabilidade total"

Eduardo Scolese
Da sucursal de Brasília

Acuado por seguidas derrotas da área ambiental, o ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) foi ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamar de colegas de Esplanada que, segundo ele, fecham acordos nos gabinetes e depois, à revelia do que fora decidido, vão com suas "machadinhas" ao Congresso para "esquartejar" a legislação ambiental.
Minc também colocou na mesa de Lula temas que, por ora, não terão o apoio do Meio Ambiente: licenciamento ambiental prévio da BR-319 (Manaus-Porto Velho), inclusão do entorno do Pantanal na área do zoneamento da cana-de-açúcar e construção de hidrelétricas na bacia do rio Araguaia.
"Uma série de questões estavam tirando a sustentabilidade ambiental e política do ministério. (...) Ele [Lula] afirmou que isso não era aceitável. Que o que fosse combinado entre os ministros e ele [Lula] não dava direito a cada um, a cada Dnit da vida, ir lá atrás de um deputado pra desfazer tudo aquilo que tinha sido combinado aqui", disse, numa referência ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte, ligado à pasta dos Transportes.
Os ministros Alfredo Nascimento (Transportes), Reinhold Stephanes (Agricultura) e Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) foram citados por Minc na conversa com Lula. Na entrevista, evitou dar nomes.
As declarações de ontem são um contra-ataque a derrotas do "lado" ambiental do governo.
Um dos reveses é o decreto presidencial que reduziu o valor da compensação ambiental a ser pago por empreendimentos (como construção de rodovias e hidrelétricas) por seus impactos ambientais. A medida atenuou o custo de exploração de petróleo na camada pré-sal e, ao mesmo tempo, ampliou os atritos de Minc com a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil.
Um dos motivos que levaram à queda da ex-ministra Marina Silva, em 2008, foi seu choque frontal com o principal nome de Lula para a eleição em 2010.
Essa pressão para as licenças ambientais aumentou por conta da crise econômica: o governo quer acelerar as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para gerar empregos e impulsionar o PIB.
Outro revés foi o decreto presidencial que autorizou a destruição de cavernas no país. As declarações de Minc também são uma resposta à ofensiva do agronegócio a temas em discussão no governo e no Congresso.
Entre eles estão os licenciamentos para a pavimentação de rodovias, para novas usinas hidrelétricas, a MP da regularização fundiária na Amazônia (que transferirá terras públicas para particulares) e, sobretudo, mudanças no código florestal.
A conversa entre Lula e Minc durou cerca de meia hora. Nela, o ministro mostrou mapas e fotos recentes de satélite sobre o desmatamento na Amazônia.
Minc falou com a Folha após a entrevista coletiva. "De dois ou três meses para cá, é só pancada", contabilizou, dizendo que se sentia um ministro "frágil", à beira da "inviabilidade total". Lula teria franzido as sobrancelhas diante do relato, ao que Minc reagiu: "Isso é um prato para chargistas".
Quando assumiu o cargo, há um ano, ele prometeu ser mais flexível com os licenciamentos das obras do governo, desde que fosse compensado com a criação de unidades de conservação, por exemplo. Ele tem repetido que essa compensação não ocorre mais.

CPI da Amazônia
Em meio às polêmicas declarações de Minc, o Senado criou ontem a CPI da Amazônia para investigar questões como a demarcação da Raposa/ Serra do Sol e o desmatamento da floresta. Dos 11 integrantes, 9 são da bancada ruralista.
Colaborou Marta Salomon, da Sucursal de Brasília

Análise
Ministro busca sustentação no presidente

Marta Salomon
Da sucursal de Brasília

Vestindo um uniforme usado em operações de combate a crimes ambientais, o ministro Carlos Minc entrou no gabinete presidencial como um "animal ferido", segundo palavras que ele usou com o presidente Lula para descrever como se sentia enfraquecido no comando da área ambiental do governo um dia após completar um ano no cargo.
Ao estilo midiático com que marca sua gestão, Minc não chegou a pedir demissão, mas quis deixar Lula preocupado com a possibilidade de ver repetido o gesto da ex-ministra Marina Silva. Ela deixou o governo por dificuldade de resistir aos ataques dentro e fora do governo, chamando atenção para o risco de retrocesso no combate ao desmatamento.
"Como posso cuidar da sustentabilidade ambiental do país quando minha própria sustentabilidade está solapada", diz Minc, buscando o apoio do presidente contra as ofensivas de colegas ministros.
Desde o início do ano, Minc vem se sentido cada vez mais isolado por pressões para acelerar a liberação de licenças ambientais para o asfaltamento da rodovia BR-319, que corta parte da floresta amazônica, e para atenuar punições a crimes ambientais.
O isolamento do ministro acontece apesar de ele ter agilizado o processo de licenciamento de novas hidrelétricas na Amazônia, como a usina de Belo Monte, no Pará, uma das maiores obras do PAC.
Com dificuldade de resistir a pressões que considera além do limite do aceitável e tendo de contabilizar uma derrota importante na redução da taxa de compensação ambiental cobrada dos empreendimentos, o ministro também viu ralear o apoio de ambientalistas.
A reação de Minc a esse quadro começou na semana passada, quando convocou entidades ligadas a pequenos agricultores, da Contag ao pessoal do MST. Oferecendo condições especiais para o cumprimento da legislação ambiental aos pequenos produtores, investiu contra a movimentação liderada pela Confederação Nacional da Agricultura, pela mudança de regras de limite de desmatamento.
A mudança no código florestal é apenas um dos itens da complexa agenda ambiental, que inclui ainda os compromissos para atenuar os efeitos da mudança climática e o projeto do biodiesel. Ontem, Lula teria concordado em proibir novas usinas de cana-de-açúcar na Amazônia e no entorno do Pantanal.

Congressistas pedem explicação formal de Minc

Da sucursal de Brasília

Informado das declarações do ministro Carlos Minc (Meio Ambiente), o diretor-geral do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte), Luiz Antônio Pagot, disse que esse "barulho" ocorre por "puro corporativismo".
Em resposta à afirmação do ministro de que "Dnits da vida" vão ao Congresso derrubar a legislação ambiental, afirmou: "Esse não é o comportamento do Dnit. Refutamos isso".
Sobre um eventual desmatamento para a BR-319, Pagot disse "que o ministro não está acostumado a olhar no mapa, a equipe dele não está lhe passando a informação correta, porque não existe desmatamento nenhum naquela área."
O Ministério da Agricultura não comentou as declarações do ministro.
Deputados e senadores da bancada ruralista, inclusive da base aliada, defenderam ontem a convocação de Minc na Comissão de Agricultura da Câmara. Eles exigem explicações formais do ministro, que anteontem chamou os parlamentares do setor de "vigaristas".
A Frente Parlamentar Ruralista informa em seu site ter 208 deputados (143 da base e 64 da oposição e 1 sem partido) e 35 senadores (20 da base e 15 da oposição). Já a Frente Ambientalista diz ter 323 deputados (não divide entre base e oposição) e 12 senadores (9 da base e 3 da oposição).
Os números podem estar superestimados pois muitos deputados são listados por afinidades com o tema, e não por atuação efetiva. Alguns chegam a ser citados nas duas frentes.
A CNA (Confederação Nacional de Agricultura) divulgou nota informando que ingressará na Comissão de Ética Pública do governo com denúncia pública contra o ministro. Segundo a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), Minc pode ser enquadrado na lei pois "procedeu de modo incompatível com a dignidade, honra e decoro do cargo".
Procurada pela Folha, a ex-ministra do Meio Ambiente, senadora Marina Silva (PT-AC), não retornou ás ligações.

FSP, 29/05/2009, Brasil, p. A4

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